ARTIGO
Os oceanos, pulmão da Terra, são destaques desta entrevista com Alfredo Nastari, que fala de sua importância e riscos por conta do aquecimento global
Publicado em 05/06/2020
Os oceanos cobrem cerca de 71% da superfície da Terra e, ironicamente, são muito poucos conhecidos. Ainda assim, tamanha grandeza os apontam como o pulmão do planeta. Sim, ao contrário do que se acredita, os oceanos “são responsáveis pela absorção de CO2 — muito mais que a Floresta Amazônica — e a quantidade de plâncton também os fazem ser os que mais produzem oxigênio”, afirma Alfredo Nastari, publisher da revista Scientific American Brasil e jornalista especializado em divulgação e pesquisa sobre oceanos.
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Confira a conversa com o especialista, publicada hoje, 5, Dia Internacional do Meio Ambiente, que ressalta também as graves consequências do aquecimento das águas marinhas para os animais, vegetais e seres humanos. Ao final, Alfredo detalha a proposta da ONU ao proclamar 2021 a 2030 a Década dos Oceanos e o papel das escolas nessa missão.
Qual a importância dos oceanos para a vida do planeta e, consequentemente, da população?
Os oceanos são o principal ecossistema da Terra, porque recobrem dois terços dela. Eles regulam o clima da Terra, são responsáveis pela absorção de CO2 — muito mais que a Floresta Amazônica — e a quantidade de plâncton também os fazem ser os que mais produzem oxigênio. São ainda fonte de proteína, alimentando uma grande parcela da população. Além dessa importância ambiental e econômica, eles também são um elemento essencial de estabilidade, lazer. Basta notar a quantidade de pessoas que buscam a praia. Sem dúvida nenhuma, os oceanos são fundamentais para o equilíbrio do planeta
Quais os principais impactos do aquecimento global nos oceanos?
Com relação ao aquecimento global, estamos tendo um aumento da temperatura nos oceanos, que gera graves consequências: destrói o plâncton, acaba com os recifes de coral e temos ainda enormes quantidades de gás metano congelado nos polos [Ártico e Antártica], quando aquecida, a água libera o metano, que é muito pior que o CO2 para o efeito estufa. Quando muda a temperatura das águas, você muda os ciclos de vida das espécies e muda as regiões em que elas vivem. O impacto é grande, existe e é visível, como o aumento de eventos extremos, por exemplo, ventos e correntes mais fortes, o que significa mais furacões, tempestades e riscos para as populações costeiras.
Quantas toneladas de lixo vão para os Oceanos e quais suas origens? De onde vêm esses lixos?
É uma questão abrangente. Porque os oceanos são o destino final de tudo o que fazemos de errado. Tudo o que a gente não trata, não dá um descarte correto, vai para os oceanos. No Brasil, o caso é a falta de implementação da Lei de Resíduos Sólidos. A gente não trata lixo. Cerca de 30% apenas dos nossos resíduos sólidos são depositados adequadamente.
Na questão da poluição, você tem vários componentes gravíssimos: resíduos sólidos, lixos não tratados — mas isso também acontece no mundo inteiro. Pouco saneamento básico, então você tem muito esgoto in natura sendo jogado nos oceanos, tem a poluição plástica; dentro da questão do saneamento básico há ainda a poluição química. Já é visível a presença de remédios fármacos. Tudo o que consumimos, parte é eliminado pela urina e, consequentemente, vai para o esgoto — e não há tratamento de água que resolva isso.
Hoje nos oceanos existe uma enorme quantidade de hormônios, viagra, cocaína. Você já consegue ver traços de cocaína nos recifes de corais. Isso tudo impacta a vida marinha e o nosso prato. Existem muitos animais que são filtradores, como as famílias de moluscos, que se alimentam de plânctons na água do mar. Se os moluscos estão em um ambiente poluído, vão reter neles toda a poluição química que estiver em suspensão na água. Um desses mexilhões vai ser comido por um peixinho, que é comido por um maior que acaba atingindo toda uma cadeia até chegar na gente.
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E há ainda estudos que revelam a quantidade de microplásticos no sal de cozinha.
Sem dúvida. Nessa questão do plástico temos a poluição visível, que é o material jogado. Mas a poluição invisível dos microplásticos, que são esferas de plástico em nanodimensões, estão presentes em tudo: shampoo, pasta de dente, pneu, roupa. Os oceanos são, na verdade, uma enorme usina de reciclagem, porque tudo o que você jogar lá, em algum momento no futuro estará degradado, só que nesse processo ele vai se fragmentando e virando micropartículas e já observamos grandes manchas no Oceano Pacífico que já não são mais esse plástico visível, mas um sopão plástico que entra na cadeia alimentar.
A cura para doenças humanas pode estar nos oceanos e seus mistérios ainda não descobertos?
Sem dúvida. Você tem na vida marinha uma enorme quantidade de elementos químicos de princípios ativos que podem ser usados de diversas formas, como para antibiótico.
Você falou que queria tocar em uma questão que envolve fortemente a área da educação.
Sim. Diante desse quadro grave, em que estamos chegando em um quase não retorno, por exemplo, estamos pescando muito mais do que os cardumes tem condições de se repor, a ONU declarou 2021 a 2030 como a Década dos Oceanos. Serão dez anos de um esforço conjugado de todos os países para desenvolverem a ciência e a pesquisa oceanográfica.
Esperamos que nesse tempo possamos reverter esse processo de degradação do mar para que a gente tenha, no futuro, o mar como ele sempre foi: limpo, sustentável, saudável e produtivo. E esse assunto tem muita ligação com a educação porque um dos objetivos é desenvolver o que traduzimos como cultura marítima. Quer dizer, além de reverter a degradação, o foco é também colocar nos currículos escolares o tema dos oceanos para se criar uma cultura oceânica, uma mentalidade oceânica. Por exemplo, nas aulas de ciências biológicas, porque quando a gente fala de fauna, biodiversidade, sempre falamos dos animais africanos? Porque a gente não fala dos animais que estão aqui, na nossa praia? Como entrar nos currículos das escolas a história do homem com a relação do mar? Somos movidos pelo mar, que foi nosso meio de comunicação por milênios e pouco falamos sobre isso. A partir do ano que vem, se intensificarão esses assuntos, como um seminário que acontecerá em abril sobre cultura marítima, voltado a educadores da rede pública e privada e organizado pelo Instituto Oceanográfico da USP com apoio da Scientific American.
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