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Andreas Schleicher é também diretor da OCDE, em Paris. Em entrevista, reconhece que as desigualdades brasileiras refletem nos problemas educacionais
Publicado em 04/05/2019
Enquanto o destino do Fundeb é uma incógnita, especialistas discutem novos modelos educacionais para o Brasil que combinem bom investimento na educação pública com uma melhor gestão dos recursos financeiros.
Um dos criadores do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), Andreas Schleicher é diretor de Educação e Competências e conselheiro especial de Políticas Educacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris.
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Com trabalhos dedicados a produzir análises de diversos países para promover o crescimento econômico e o progresso social, Schleicher conversou com Educação e reconhece que os problemas educacionais brasileiros estão intimamente ligados às desigualdades econômicas e sociais. Ele aponta alguns caminhos para melhorar o modelo educacional brasileiro – como o investimento em educação infantil e melhores salários destinados a professores.
Como o PIB per capita no Brasil é baixo para os padrões da OCDE, mesmo uma parcela relativamente alta dele pode se traduzir em números absolutos baixos. Mas isso é o de menos, a quantia que está atualmente disponível por estudante é o que determina os recursos disponíveis para a educação. Embora seja importante observar quanto do PIB de um país é dedicado à educação, a medida de gastos por aluno é, muitas vezes, uma maneira melhor de analisar o nível de recursos nas escolas. A despesa por estudante no Brasil é significativamente abaixo da média em todos os níveis de ensino – do ensino primário ao secundário. Em comparação com outros países da América Latina, o Brasil gasta mais por aluno do que o México e a Colômbia, mas menos que o Chile.
Como é o caso em outros países latino-americanos, o Brasil gasta mais de três vezes por aluno no ensino superior público do que no ensino primário ou secundário público. Em outras palavras, aqueles que sobreviveram à educação escolar com investimentos irrisórios recebem subsídios muito generosos para a universidade. O resultado é que, muitas vezes, não são os melhores e mais brilhantes jovens que conquistam uma vaga em universidades públicas, mas os alunos com os pais mais ricos que estavam prontos e aptos a apoiar uma boa educação escolar.
Isso é bastante diferente na maioria dos países da OCDE, que gastam, em média, apenas cerca de 1,6 vezes mais por estudante universitário do que por estudante de escola. Mas não é necessariamente verdade que o Brasil deveria investir menos neste nível de educação do que atualmente investe, apenas que os níveis mais baixos de educação talvez precisem ser o foco de possíveis aumentos no investimento. De fato, estudos comprovam a importância de se investir na educação infantil. O Brasil investe apenas cerca de US$ 3.800 por criança na pré-escola, bem abaixo da média da OCDE de US$ 8,8 mil.
A qualidade dos professores está diretamente ligada ao sucesso do sistema educacional de um país em que os salários competitivos são um fator importante para tornar a profissão docente atraente. Os salários anuais dos professores no Brasil estão entre os mais baixos de todos os países da OCDE e parceiros, incluindo outros países latino-americanos, como México, Chile e Costa Rica. Este valor (cerca de US$ 14.000) refere-se ao salário mínimo legal estabelecido pela legislação brasileira. No entanto, há também outros fatores importantes que podem afetar a qualidade do corpo docente de um país, como condições de trabalho, desenvolvimento profissional e relacionamento dos professores com a sociedade.
Os resultados do Pisa mostram que é importante aumentar o investimento por aluno até certo ponto. Após esse ponto, a maneira como o dinheiro é gasto é mais importante do que a quantia gasta. Por exemplo, o tamanho das turmas no Brasil tem diminuído na última década, em grande parte como resultado da mudança demográfica. Diminuir o tamanho das turmas – embora não seja necessariamente uma política ruim – tem um custo importante e pode não ser o uso mais eficiente dos recursos. As turmas menores, por exemplo, podem estar tirando recursos que poderiam ser investidos em salários de professores e programas de desenvolvimento para os mesmos. Nossa análise mostra que a maioria dos sistemas de ensino de alto desempenho, sempre que confrontados com a escolha entre melhores professores e turmas menores, procuram os melhores professores.
Combater as desigualdades regionais nos resultados educacionais é especialmente importante em um país como o Brasil, onde eles são particularmente amplos. Há também uma grande variação nos salários dos professores nos estados brasileiros. Os salários reais médios em um estado podem ser 5,6 vezes mais altos do que em outro. Como era de se esperar, também há uma grande discrepância entre as pontuações dos alunos no Pisa. Os estudantes do estado de melhor desempenho (Espírito Santo) marcaram 435 na média em ciências, contra 360 no estado de menor pontuação (Alagoas).
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