NOTÍCIA

Edição 253

Saiba os limites dos cursos a distância (MOOCs) na educação básica

Aula online para desenvolvimento de habilidades e competências que dependem essencialmente da interação social parecem equivocadas e contraproducentes, critica neurocientista

Publicado em 16/10/2018

por Fernando Louzada

Um dos fenômenos do mundo digital na área de educação são os cursos online – os chamados MOOCs (do inglês Massive Open Online Courses). Eles já são oferecidos por quase mil universidades espalhadas pelo mundo e atingem dezenas de milhões de estudantes.
Se por um lado seus defensores os apresentam como uma alternativa para a democratização do ensino, por outro têm provocado, em países como o Brasil, desfechos indesejáveis, como a demissão de professores, principalmente no ensino superior privado.
Os cursos online vieram para ficar. Fundamental é decidirmos como queremos conviver com eles, principalmente quando falamos de educação básica.

Aprendizagens

A substituição completa dos cursos face a face (ou presenciais) pelos cursos online apresenta sérios problemas – especialmente aqueles que disponibilizam apenas aulas a distância sem atividades complementares que permitem a interação com os professores.
Muitas habilidades e competências não são desenvolvidas pelos MOOCs. Se utilizarmos como referencial as categorias de domínio cognitivo propostas por Bloom, sabemos que aquelas relacionadas à aplicação, análise, síntese e avaliação dificilmente são desenvolvidas por meio de uma metodologia passiva, seja a aula expositiva presencial ou online.
Muito do que somos e do que esperamos das novas gerações depende de habilidades e competências que se enquadram nessas categorias de Bloom.
E que são desenvolvidas de maneira mais efetiva por meio de metodologias ativas.
Atualmente, utiliza-se o termo “cérebro social” para denominar o conjunto de estruturas do encéfalo que medeiam as interações sociais.
Estas redes neurais que compõem o cérebro social são desenvolvidas e consolidadas desde a primeira infância, por meio das interações estabelecidas pela criança com outras pessoas.
A teoria da mente, a empatia e diversas outras competências essenciais para a vida em sociedade e cada vez mais valorizadas no mundo do trabalho dependem do amadurecimento do cérebro social.
Há inúmeras evidências na literatura de que diversas aprendizagens, como a aquisição da segunda língua, são mais efetivas se ocorrerem com a mediação de seres humanos em vez de dispositivos digitais.

Educação e o digital

Sarah Blakemore, professora de neurociência cognitiva da University College London, no Reino Unido, é uma das vozes que têm defendido a importância de nos preocuparmos com o desenvolvimento do cérebro social na educação.
Segundo ela, o uso de vídeos, animações ou outros recursos digitais para o ensino na educação infantil não é necessariamente ruim, mas também não significa que explorem plenamente o potencial de aprendizagem das crianças.
Para a professora, na grande maioria dos casos a criança ganha mais se dedicar esse tempo para interagir com pessoas reais.
No caso dos adolescentes, Blakemore frisa que ainda não sabemos se o uso das redes sociais pode substituir as interações reais no desenvolvimento de habilidades sociais.
Diante deste cenário, a utilização de cursos online para desenvolvimento de habilidades e competências que dependem essencialmente da interação social me parece equivocado, além de ser contraproducente.
A preservação da interação social com a mediação de educadores faz parte da essência de qualquer processo educacional.

Caminhos

O desafio atual, portanto, é definir, para cada faixa etária e contexto educacional, qual a combinação ideal entre atividades online e presenciais.
Não há dúvida de que quanto mais novos forem os estudantes, maior parcimônia deve estar presente no uso de tecnologias digitais.
Esta combinação deve garantir o desenvolvimento simultâneo de competências cognitivas e socioemocionais, de forma a se buscar o equilíbrio entre a aquisição de habilidades para acessar o mundo digital e para viver em sociedade.
Acredito que os educadores, antes de definir qual vai ser a inserção dos MOOCs em um projeto educacional, devem estabelecer alguns princípios norteadores. Proponho alguns:
O cérebro humano foi construído ao longo da evolução por meio da interação social. Dificilmente um dispositivo digital conseguirá substituí-la com a mesma eficiência.
A sala de aula é um ambiente de comunicação – esta comunicação deve ser preservada.
O uso de tecnologias digitais não significa necessariamente melhor aprendizagem.
Os limites dos MOOCs na educação dependerão de quais princípios forem estabelecidos.
Numa sociedade na qual muitas vezes eles não estão claramente definidos e a educação é encarada como um empreendimento semelhante a qualquer outro, o céu será o limite para os MOOCs.
*Fernando Louzada é doutor em Neurociências e Comportamento pela USP e pós-doutorado pela Harvard Medical School
Leia também:
http://www.revistaeducacao.com.br/experiencias-de-educacao-infantil/
 

Autor

Fernando Louzada


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