NOTÍCIA

Edição 251

O YouTube, as vacinas e o autismo

Desinformação e notícias falsas propagadas pela internet levam grande número de pessoas a se expor a doenças desnecessariamente

Publicado em 31/07/2018

por Redacao

shutterstock_793658065 Atualmente, sabemos que não existe nenhuma relação causal entre vacinas e autismo (Crédito: Shutterstock)

YouTube, vacinas e autismo

Atualmente, sabemos que não existe nenhuma relação causal entre vacinas e autismo (Crédito: Shutterstock)

Em 1998, o médico britânico Andrew Wakefield, juntamente com outros pesquisadores, publicou um estudo na conceituada revista Lancet associando a vacina tríplice viral (MMR), utilizada contra sarampo, rubéola e caxumba, à causa de autismo em crianças. Apesar da imediata reação negativa da comunidade científica questionando os resultados, e de publicações nos anos posteriores rebaterem as conclusões do estudo, as repercussões dessa publicação são sentidas até hoje.
Atualmente, sabemos que não existe nenhuma relação causal entre vacinas e autismo, mas o debate se arrastou por anos. Diante das inúmeras evidências de que as conclusões de Wakefield não tinham fundamento, em 2010 o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido o julgou inapto para o exercício da medicina, qualificando seu comportamento como irresponsável e antiético. A revista científica British Medical Journal considerou o episódio de uma “falsificação elaborada”. No mesmo ano, a revista Lancet retirou (retracted) o artigo de suas publicações, justificando que diversos elementos da publicação original estavam incorretos.
As causas do autismo ainda são desconhecidas, mas a literatura científica converge para a ideia de que estamos diante de uma condição fruto de uma complexa interação entre genes e ambiente. Alterações genéticas, influenciadas pelas condições ambientais no início da vida, desencadeiam modificações na trajetória do desenvolvimento cerebral. Uma delas se reflete na conexão estabelecida entre os neurônios. Algumas regiões encefálicas apresentam hiperconexão entre os neurônios, enquanto em outras ocorre o contrário – os neurônios ficam hipoconectados. Na quinta versão do Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais (DSM-5), publicado em 2013, diferentes condições, como o transtorno do autismo, a síndrome de Asperger e o transtorno de desenvolvimento pervasivo, foram integradas em um diagnóstico dimensional: o de transtornos do espectro autista (TEA).
Esses transtornos são definidos pela presença de alterações na interação social e comunicação e pela presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Alterações nestes domínios se manifestarão de diferentes maneiras, como por exemplo, limitações em iniciar e manter relacionamentos ou de se ajustar a diversas situações sociais; exibição de movimentos repetitivos no uso de objetos ou de padrões ritualísticos de comportamentos verbais e não verbais. Estes sintomas manifestam-se nas primeiras etapas do desenvolvimento, mas a idade varia em função da demanda social e das capacidades da criança em desenvolver estratégias para lidar com a alteração.
Na época da publicação do trabalho de Wakefield, ele tentou levantar a hipótese de que a vacina poderia provocar alterações gastrintestinais, as quais levariam a uma inflamação no cérebro, provocando o autismo. Atualmente, sabemos da ligação existente entre a microbiota gastrintestinal e o funcionamento cerebral, mas não existe nenhuma evidência de que a hipótese de Wakefield seja verdadeira. Apesar deste fato, o trabalho do médico britânico continua provocando estragos. Após a publicação do artigo, a taxa de vacinação contra diversas doenças caiu e em muitos países ainda não voltou a atingir os patamares desejados.
Outra consequência negativa do estudo do médico inglês pode ser observada na disseminação das informações nas mídias sociais. Recentemente, um grupo de pesquisadores da Universidade de Pisa, na Itália, avaliou o conteúdo de vídeos no YouTube usando autismo e vacinas como palavras-chave. Foram analisados 560 vídeos, sendo que a maioria –392 – tinha um discurso contrário à vacinação. Esses vídeos eram mais assistidos e compartilhados quando comparados aos vídeos pró-vacinação. Segundo os autores, pessoas que hesitam em usar vacinas são mais sensíveis a ser afetadas negativamente em relação ao uso, fazendo com que as mídias digitais funcionem como uma “câmara de eco” antivacinação. Além disso, na coluna do lado direito da tela, o YouTube recomenda vídeos com conteúdos similares ao que está sendo assistido. Apesar de os algoritmos utilizados para a seleção dos vídeos sugeridos não serem conhecidos, a maior quantidade de vídeos antivacinação disponíveis aumenta a chance de o usuário assistir a esses vídeos e, consequentemente, tornar-se menos receptivo às campanhas de vacinação.
Vivemos num tempo no qual está se tornando cada vez mais difícil separar notícias falsas de verdadeiras. Quase 20 anos após a comprovação da fraude de Wakefield, ainda estamos pagando um alto preço. Fica o alerta. Antes de compartilhar informações, devemos tomar precauções; por exemplo, checar a fonte e verificar se notícias semelhantes estão disponíveis em outros sites e blogues são maneiras de detectar possíveis fake news. Todo cuidado é pouco num mundo onde cliques valem dinheiro.

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