NOTÍCIA
Problemas refletem em baixo desempenho dos jovens brasileiros em matérias ligadas ao conhecimento dos fenômenos naturais
Publicado em 14/12/2017
A professora da Unicamp ressalta que a dificuldade em ensinar bem as ciências não é exclusividade brasileira. “A gente acompanha revistas internacionais e percebe que há questões muito semelhantes mesmo em países mais ricos, como os Estados Unidos”, diz. Ela também aponta fatores externos à escola que contribuem para a precariedade do conhecimento científico dos brasileiros. “Faltam políticas gerais de valorização da ciência; o fundamentalismo religioso também atrapalha. Eu enfatizo o fundamentalismo, porque os ataques vêm dos fundamentalistas”, afirma Sílvia, citando ainda a pouca divulgação científica. “Explicações científicas tinham de permear todos os jornais, nos mais diversos assuntos. A gente fala de enchentes, mas não inclui a explicação desse fenômeno pelas ciências.”
Outro ponto que pesa contra é o estereótipo do cientista maluco. “Isso me incomoda, porque seu efeito é retratar a ciência como algo para poucos, em que a maioria não se enquadra. Cria um afastamento”, explica a professora da Unicamp. Para completar a lista, as inovações no ensino de ciências não chegam às escolas de educação básica por deficiências na infraestrutura, na formação docente e na falta de boas perspectivas de carreira docente, males que acometem a educação brasileira em qualquer disciplina.
A melhora no aprendizado de ciências depende de políticas nacionais, setor no qual, segundo Sílvia, não há sinais de avanços. “Na mais recente versão da Base Nacional Comum Curricular, o MEC ignorou várias considerações de quem estuda e trabalha na área”, reclama, citando também a reforma do ensino médio e as diretrizes curriculares das licenciaturas. “A gente tem visto retrocessos. Há muita pressão das grandes corporações, dos sistemas de ensino, editoras, que querem manter o foco na aprovação em provas. As provas padronizadas pautam o que vai ser ensinado.”
Um olhar para além de questões de múltipla escolha e para além da superfragmentação dos saberes: esse é um dos pilares do programa do Pecim, da Unicamp. “A natureza funciona de maneira integrada. Claro que você acaba fazendo recortes para a especialização, mas é importante dar ao aluno a visão da interconexão. Cada ciência tem sua epistemologia própria, mas ao tomar conhecimento de outras formas, o olhar sobre o fenômeno se amplia. É mais do que um modismo, porque tem relevância na própria aprendizagem, no enriquecimento do raciocínio”, explica a coordenadora.
O foco do programa de pós-graduação é a formação de professores da educação básica, para ser um mecanismo multiplicador. “É um trabalho de formiguinha, que a gente faz no dia a dia. Mas penso que ano após ano a gente pode fazer uma onda, ainda que haja barreiras. Espero que, em algum momento, vire um tsunami”, diz Sílvia.
O químico Eduardo Mortimer, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que num país altamente estratificado há uma camada da população que conhece bastante sobre ciências. “Se você avaliar como um todo, a falta de conhecimento científico básico é realidade. Mas a parte da população que tem mais posses tem um acesso muito diferente”, afirma. Dessa forma, o Brasil até consegue ter cientistas de grande destaque, mas isso é insuficiente. “Você não tira um país do atraso investindo só na elite”, critica.
Mortimer afirma ainda que até mesmo a ciência produzida hoje nas faculdades está ameaçada com os cortes do governo federal. “Privilegiar as elites é estrutural; o corte do orçamento da ciência é conjuntural. O corte atual está sendo muito fundo. Se você parar a pesquisa hoje, como vai ser o ensino de ciências em cinco anos?”, questiona. De 2014 a 2017, as verbas para pesquisa do CNPq, principal agência nacional, caíram 75%.
Alguns problemas, contudo, são gerais, estruturais e perpassam todos os estratos sociais. “A questão mais profunda é a falta de protagonismo do estudante. Algo que está na educação básica e na superior, em todas as classes sociais. A escola brasileira é feita com alunos sentados de frente para o professor. Isso cria uma defasagem entre o Brasil e o mundo”, afirma. O modelo internacional privilegia a investigação feita pelos alunos durante as aulas de ciências.
Segundo o professor da UFMG, se o estudante fizer um projeto em que recebe apenas orientação, ele mesmo tem de “correr atrás” para entregar o resultado, e o aprendizado é mais eficiente. A falta de protagonismo foi um dos grandes desafios enfrentados pelos estudantes brasileiros que participaram do programa Ciência sem Fronteiras, relata. “Em cada disciplina, o estudante tinha de fazer um ensaio, algo autoral. O aluno brasileiro passava apertado para conseguir.”
O estudante no Brasil vive a contradição de estudar ciências sem sequer observar o fenômeno. “Não existe química, não existe física sem a realidade”, diz Mortimer. Mas as aulas se tornam um repetir da ciência histórica, apenas o que já caiu no consenso. A ciência vem como um discurso de autoridade, é uma disciplina muito vertical”, analisa.
O modelo verticalizado é o experimentado pelo futuro professor durante sua graduação, e acaba sendo repetido na educação básica quando ele vira docente. Portanto, a formação de professores precisa mudar dentro das universidades. “Um professor universitário de química ou física não se vê como um formador de professores, o que é um erro”, diz Mortimer.
Coordenador acadêmico da Faculdade Sesi/SP de Educação e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Luís Carlos de Menezes diz que é preciso se preparar para as inovações científicas e tecnológicas que estão acontecendo agora, assim como para as que estão por vir. Isso, é claro, representa um desafio enorme para docentes e alunos num mundo que passa por mudanças tecnológicas constantemente.
“Os avanços rápidos produzem desafios para que se aprenda”, afirma ele, dando como exemplos as telas e lâmpadas de LED, que é um diodo semicondutor que emite luz quando atravessado por eletricidade, e os exames de ressonância magnética, nos quais se mede a quantidade de água no corpo. “Quem sabe explicar isso? São só dois exemplos de elementos do cotidiano das pessoas que envolvem aspectos muito sofisticados da ciência.”
Assim como desafia, a sofisticação científica cria inúmeras oportunidades de aprendizagem prática. Um professor pode aproveitar elementos do dia a dia, como os diferentes tipos de lâmpada ou um micro-ondas. “Não preciso de um laboratório sofisticado para fazer experiências. Um copo seco não esquenta no micro-ondas porque ele interfere na frequência de rotação da molécula de água. É por isso que certos plásticos podem ir ao micro-ondas, outros não. Temos de deixar que os alunos façam experiências e tirem conclusões”, defende Menezes.
A atitude de investigação pode estar em todos os alunos e ser instigada em diferentes espaços. “Uma criança é capaz de fazer hipóteses, mesmo que sejam hipóteses fantásticas. O professor tem de dialogar com a hipótese que ela fez. Não estimula ter um professor que dá todas as respostas”, afirma Menezes.
Acompanhar a evolução científica implica ainda aceitar que nas ciências as respostas são todas provisórias. “Ela não é permanente, estará quase tudo errado no futuro. É muito bonito a criança saber disso. A gente só conhece e estuda 5% do mundo natural – a maior parte é matéria escura e energia escura. Por isso é preciso estimular as perguntas e as hipóteses. A ciência é uma construção humana belíssima e provisória”, afirma.
A ideia remete à filosofia da ciência e ao clássico A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn, obra de que nos apropriamos, de forma residual, da expressão “quebra de paradigma”. Kuhn mostra a provisoriedade do conhecimento científico, cujas verdades são verdades até a próxima grande descoberta. É por essa ruptura que o ensino de ciências espera.
http://www.revistaeducacao.com.br/os-desafios-dos-professores-de-ciencias-para-implementar-abordagem-investigativa-no-ensino/