NOTÍCIA
Psicanalista inglês influenciou políticos, sociólogos e assistentes sociais na tentativa de mudar as políticas públicas para a infância
Em 1951, a Organização Mundial da Saúde divulgou o relatório de Bowlby sobre a saúde mental das crianças sem-teto na Europa pós-guerra, denominado Cuidados maternais e saúde mental [publicado no Brasil pela Editora Martins Fontes, de São Paulo]. No entanto, Bowlby reuniu provas empíricas muito limitadas, citando poucos exemplos na Europa e nos EUA. Suas principais conclusões foram influentes, mas geraram muita controvérsia. Ele postulava que o bebê e a criança pequena deviam experimentar um relacionamento caloroso, íntimo e contínuo com sua mãe (ou substituto permanente da mãe), em que ambos encontrariam satisfação e prazer, e que não tê-lo podia gerar problemas mentais significativos e irreversíveis consequências para a saúde.
Essa publicação da Organização Mundial da Saúde foi altamente influente em causar mudanças generalizadas nas práticas e nos cuidados institucionais para bebês e crianças e na mudança de hábitos relacionada à visita de bebês e crianças pequenas nos hospitais pelos pais. No entanto, a base teórica foi criticada de muitas maneiras. Primeiro se levantaram os próprios psicanalistas, afirmando que ele rompeu com as teorias psicanalíticas que viam a vida interna dos bebês como determinada pela fantasia e não por eventos da vida real. Alguns críticos discordaram profundamente da necessidade de amor maternal (ou equivalente) para a criança funcionar normalmente ou de que a formação de um relacionamento contínuo era parte importante da parentalidade, afirmando que muitas crianças eram educadas sem os pais ou por diferentes profissionais e alcançavam uma vida adaptada e produtiva. Houve críticas à confusão dos efeitos da privação, postulada por ele, que podiam afetar crianças em instituições.
A publicação também foi usada para fins políticos, pois induzia a pensar que qualquer separação da mãe era prejudicial, o que desencorajava as mulheres de trabalhar e deixar seus filhos na creche por governos interessados em maximizar o emprego dos militares retornados.
Humanização dos hospitais
O termo “hospitalismo” designa um estado de alteração profunda, física e psíquica, que se instala progressivamente nas crianças muito pequenas, durante os primeiros 18 meses de vida, em função de um abandono ou de uma temporada prolongada numa instituição hospitalar.
Os sinais do hospitalismo manifestam-se por atraso no desenvolvimento corporal, por incapacidade de adaptação ao meio e, às vezes, por um mutismo que se assemelha ao autismo e pode levar à psicose. Nos casos de total carência afetiva, ligada à falta de qualquer vínculo materno, os distúrbios podem chegar ao marasmo e à morte.
A partir das pesquisas e artigos de John Bowlby e de outros psicanalistas, nos anos 40, em todos os países do mundo ocorreu uma reforma das condições de hospitalização de crianças pequenas.
Apego, perda e separação
De acordo com a teoria do apego, os bebês se ligam a adultos que são sensíveis e responsivos nas interações sociais e que permanecem como cuidadores consistentes durante o período de seis meses a dois anos de idade, aproximadamente. As respostas parentais levam ao desenvolvimento de padrões de apego que, por sua vez, conduzem a “modelos internos de trabalho” que guiarão sentimentos, pensamentos e expectativas do indivíduo em relacionamentos posteriores. Mais especificamente, Bowlby explicou em sua série de três volumes sobre apego e perda que todos os humanos desenvolvem um modelo de trabalho interno do eu e um modelo de trabalho interno com outros.
O automodelo e modelo do outro são construídos com experiências iniciais com seu cuidador primário e moldam a expectativa de um indivíduo em futuras interações com outros. O automodelo determinará como o indivíduo se vê, o que afetará sua autoconfiança, autoestima e dependência. O modelo do outro determinará como um indivíduo vê os outros, o que afetará seus vínculos ou abordagens, suas opções pela solidão ou por interações sociais. Na abordagem de Bowlby, considera-se que a criança humana precisa de uma relação segura com cuidadores adultos, sem os quais o desenvolvimento social e emocional normal não ocorrerá.
Segundo a teoria do apego, a criança se vincula instintivamente a quem cuide dela, com a finalidade de sobreviver, dependendo disso seu desenvolvimento físico, social e emocional. O processo de apego não é específico de gênero, pois os bebês formam vínculos com qualquer cuidador consistente que seja sensível e responsivo nas interações sociais. A qualidade do engajamento social parece ser mais influente do que a quantidade de tempo gasto.
Depois de 1950, Bowlby trabalhou com conteúdos cada vez mais biológicos, comparando o comportamento humano às espécies animais. Seu interesse pela etologia e pela biologia, numa perspectiva darwiniana, o fez alvo de acusações de psicanalistas de ignorar o inconsciente. Bowlby procurou novos entendimentos em campos como a biologia evolutiva, a etologia, a psicologia do desenvolvimento, a ciência cognitiva e a teoria dos sistemas de controle. Suas ideias influenciaram a pesquisa etiológica e inspiraram estudantes de comportamento animal.
A teoria do apego foi estendida aos relacionamentos adultos no final da década de 1980.
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