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Arte e Cultura

Autor recompõe história de seus antepassados a partir da descoberta de documentos de família

Historiador da arte Rafael Cardoso lança romance baseado na vida do bisavô, Hugo Simon

Publicado em 14/12/2017

por Rubem Barros

remanescente Crédito: Divulgação

Autor recompõe história de seus antepassados a partir da descoberta de documentos de família

Crédito: Divulgação

Numa suntuosa mansão berlinense, os elegantes convidados desfilam sorrisos, fama e sobrenomes. O ano é 1930, e estamos em plena República de Weimar. Os donos da requintada casa atendem pelos nomes de Hugo e Gertrud Simon. Ele é banqueiro, ministro das Finanças da Prússia, então o estado que correspondia a 60% do território nacional. É, também, um conhecido colecionador de arte.
Entre os convidados estão o escultor Aristide Maillol, homenageado do dia, aproveitando sua passagem por Berlim; o físico Albert Einstein, em torno de quem se avolumam curiosidades relativas à sua ideia de religiosidade; o conde Harry Kessler, diplomata, editor, incentivador de diversas artes e um dos primeiros a vislumbrar a ideia de uma Europa unificada.
A cena desse almoço, composta quase como se fosse a sequência de abertura de um longa-metragem, compõe o primeiro capítulo de O remanescente – O tempo no exílio, volume um do romance de estreia do historiador da arte Rafael Cardoso. Na descrição da cena, parece que as palavras evocam o clima e suas variantes, da tensão da anfitriã para que tudo dê certo, passando pelo arranjo da mesa (como não lembrar de O leopardo, de Luchino Visconti?), ao silêncio nervoso após os questionamentos a Einstein.
Como Maillol e Einstein, Simon foi um personagem verídico, bisavô do autor. Ao revirar antigos documentos de família, Cardoso foi puxando os fios da história dos seus, que começou a mudar pouco tempo depois desse fatídico almoço. Nos anos seguintes, a tensão foi crescente, explodiu com a ascensão de Hitler, o que obrigou Simon, a mulher, as duas filhas e o genro a fugirem, primeiro para a França, depois para o Brasil, não sem viver as incertezas do embarque e uma rota de desencontros.
Para trás, havia ficado a fortuna da família, não só em dinheiro mas também em obras de arte. Assim como Cardoso, muitos outros membros de famílias escorraçadas da Alemanha e de outros países europeus durante a guerra, então donos legítimos de obras de arte tungadas pelo nazismo e por oportunistas de plantão, vão surgindo e contando suas histórias, como Simon Goodman (Degas, Renoir e o Relógio de Orfeu, ver ao fim do texto) ou Maria Altmann, vivida por Helen Mirren em A dama dourada (2015, de Simon Curtis).
Mais de 70 anos depois do final da Segunda Guerra, são histórias que continuam a sair dos escombros reais e simbólicos que marcaram a vida de tanta gente. Ainda que hoje em dia pareçam não ter força suficiente para evitar que se produzam novas catástrofes, permitem, como em O remanescente, que se conte boa parte da história do século 20. No livro de Cardoso, temos ainda muito da luta contra o nazismo na América do Sul. Nem sempre com a mesma força da sequência inicial, mas sempre mantendo o interesse vivo na história. Ou melhor, nas histórias: a pessoal e a coletiva.
O remanescente
O remanescente – volume um: O tempo no exílio
Autor: Rafael Cardoso
Editora: Companhia das Letras
496 páginas
Preço: R$ 59,90 / e-book: R$ 39,90
 
 
 
 
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Outras leituras

Liturgia_escolar_na_idade_modernaA liturgia escolar na Idade Moderna, de Carlota Boto (Papirus Editora, 320 páginas, R$ 59,90)
Mergulho na história da educação que parte da introdução da tipografia e da reforma protestante no mundo moderno, dos discursos pedagógicos então vigentes e as práticas escolares deles decorrentes. Estudo erudito que mostra o papel civilizador da escola a partir do século 16.
Capa Degas, renoir e o relogio de orfeu CG V5Degas, Renoir e o relógio de Orfeu, de Simon Goodman (José Olympio, 378 páginas, R$ 59,90).
Filho de pais muito ricos, colecionadores de arte, Bernard Gutmann tornara-se Goodman ao emigrar da Alemanha para a Inglaterra, em meio às perseguições dos nazistas contra os judeus. Só depois de sua morte seus filhos tomaram contato com o tesouro de família que havia ficado para trás.
Testemunha
Testemunha ocular – O uso de imagens como evidência histórica, de Peter Burke (Editora Unesp, 318 páginas, R$ 58)
Cada vez mais, as imagens vão ocupando o lugar de documentos históricos. Mas é preciso entender seu contexto de produção, sem tomá-las como retrato fiel do real. O historiador inglês Peter Burke percorre longa trajetória olhando para imagens de diversas épocas, para situá-las no tempo.
 

Autor

Rubem Barros


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