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Arte e Cultura

Gritos e sussurros

Silêncio, adaptação de romance homônimo de 1966, conta a história de dois padres jesuítas do século 17 que tentam manter a fé em meio a cenário de perseguições e tortura

Publicado em 27/05/2017

por Gabriel Jareta

SILENCE Cena de Silêncio, de Martin Scorsese: fé proibida | © Foto: Divulgação

Cena de Silêncio, de Martin Scorsese: fé proibida | © Foto: Divulgação

Cena de Silêncio, de Martin Scorsese: fé proibida | © Foto: Divulgação

Por mais de 25 anos, o diretor americano Martin Scorsese acalentou o desejo de levar para as telas uma adaptação de Silêncio, romance de 1966 do japonês Shusaku Endo sobre dois padres jesuítas do século 17 que chegam ao Japão em busca do seu mestre, desaparecido há muito tempo – os relatos dizem que ele teria cometido apostasia e negado o cristianismo, então proibido no país, para depois se casar com uma japonesa. O projeto, finalmente pronto em 2016, é bastante competente em contar a história desses missionários tentando manter a fé em meio a perseguição e tortura numa terra distante.
Em Silêncio, o filme, os padres Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver) são os condutores da narrativa. Precisam fazer uma travessia marítima arriscada para chegar ao destino, guiados por um japonês alcoólatra e maltrapilho. Escondidos próximos a um vilarejo, passam a celebrar missas e ouvir confissões para um pequeno grupo de “kirishitans”, cristãos que vivem a religião clandestinamente. Qualquer sinal de cristianismo, como um pequeno crucifixo, pode levar os fiéis a terríveis torturas cometidas pelos inquisidores japoneses: a mais comum delas, a crucifixão. Para que os castigos cessem, os cristãos devem pisar no “fumie”, uma gravura da imagem de Jesus, diante das autoridades do xogunato.
Nesse ponto, está o principal conflito do filme: os padres deveriam, eles mesmos, negar a Cristo diante dos inquisidores para que seus fiéis fossem livres da tortura? Teria sido esse o motivo que levou o mestre, padre Ferreira, a abandonar sua fé e integrar-se à sociedade japonesa? As respostas não são simples, evidentemente, e o “silêncio” a que se refere o título do filme é o silêncio de Deus diante da angústia dos jesuítas.
Há dois modos de encarar o filme, e Scorsese é hábil em não assumir nenhum deles de maneira explícita. Para um espectador interessado em história, é a oportunidade de conhecer um capítulo pouco explorado do cristianismo e da formação da sociedade japonesa. Já para o público voltado a questões religiosas e metafísicas, o filme tem o mérito de mergulhar a fundo na crise de consciência dos padres e trazer uma reflexão de fundo sobre o próprio sofrimento de Jesus e a busca por sinais de Deus.
Martin Scorcese
De origem italiana, Martin Scorsese nasceu em Nova York em 1942 e teve uma formação católica – chegou a pensar em ser padre. Temas caros ao catolicismo, como a culpa e a redenção, estão presentes em boa parte de sua obra. É conhecido pelo trabalho de recuperação da memória do cinema e ganhou o Oscar de melhor diretor em 2007 por Os infiltrados.
Kirishitans
A primeira expedição católica ao Japão de que se tem registro foi de padres portugueses em 1549. São Francisco Xavier é considerado um pioneiro do cristianismo no país. No final do século 16, a religião passou a ser ilegal e muitos seguidores – os kirishitans, de “cristãos” – foram torturados e mortos. A fé cristã teve de ser praticada em segredo até a época da Restauração Meiji, que instituiu a liberdade de crença em 1873.
História
Jesuítas é como são conhecidos os membros da Companhia de Jesus, fundada em 1534 pelo espanhol Ignácio de Loyola. A organização tinha forte caráter evangelizador e expandiu o catolicismo para regiões muito distantes de Roma. O filme A missão (1986), de Roland Joffé, retrata a chegada de um padre jesuíta à região das Cataratas do Iguaçu no século 18, com o objetivo de converter os índios guarani.


Filmoteca – Olhares sobre o cristianismo

Os filmes a seguir têm como ponto de convergência uma abordagem original sobre a fé cristã e a expansão da religião ao longo da história.
joana d'arcO martírio de Joana d’Arc (França, 1928)
O filme se concentra no julgamento e execução de Joana d’Arc, baseado nos relatos reais do processo contra a hoje santa católica, acusada de heresia. Dirigido por Carl Dreyer, é considerado um dos ícones da história do cinema, com grande atuação de Renée Jeanne Falconett (Maria Falconetti). Uma aula de Dreyer no uso do close.
 
sétimo seloO sétimo selo (Suécia, 1957)
Após lutar nas Cruzadas, um cavaleiro (Max von Sydow) e seu escudeiro retornam à Suécia assolada pela peste negra. A morte personificada aparece para levá-lo e é desafiada para uma partida de xadrez, enquanto ao seu redor as pessoas procuram alívio e respostas para a frágil existência. Um dos maiores filmes de Ingmar Bergman.
 
conquistaConquista sangrenta (Holanda/Espanha/Estados Unidos, 1985)
A religião, aqui, não ocupa o papel principal, mas o filme do holandês Paul Verhoeven apresenta um retrato sem retoques sobre a crueza e a brutalidade da Idade Média na Europa. A história acompanha um grupo de mercenários que sequestra a jovem prometida ao filho de um nobre e se isola em um castelo tomado pela peste negra.
 
última tentaçãoA última tentação de Cristo (Estados Unidos/Canadá, 1988)
Baseado no romance de Níkos Kazantzákis e dirigido por Martin Scorsese, o filme imagina a vida de Jesus Cristo para além da história bíblica, casado com Maria Madalena e, depois, pai de muitos filhos. O retrato de um Cristo terreno, sujeito às tentações, inclusive sexuais, provocou grande controvérsia na época do lançamento.
 
paixãoA Paixão de Cristo (Estados Unidos, 2004)
Mel Gibson dirige esse filme tão polêmico quanto fiel à história das últimas horas de Jesus Cristo, segundo as escrituras. Sem poupar detalhes explícitos de violência (não recomendado para estômagos fracos) e todo falado em aramaico, hebraico e latim, a obra traz boas atuações e uma fotografia influenciada pelo estilo do pintor italiano Caravaggio.

Autor

Gabriel Jareta


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