NOTÍCIA
Condições particulares de atuação dos professores da instituição faz com que muitos deles prefiram atuar ali a trabalhar nas escolas públicas regulares
Publicado em 27/03/2017
Em seus 21 anos de trabalho na Fundação, não foram raras as vezes em que Débora, professora da Casa Topázio no Brás, deparou com olhares preconceituosos por trabalhar com menores condenados pela Justiça. “As pessoas não entendem que fazemos um trabalho pedagógico. Acham que os jovens ficam trancafiados e que não se desenvolvem aqui dentro.”
Ao serem apreendidos, os adolescentes devem, em tese, ficar no máximo 45 dias nos centros de internação provisória aguardando decisão judicial. Nesses períodos, o conteúdo visto em sala de aula é apresentado em módulos, em razão do curto tempo para a aprendizagem.
“Cada módulo aborda um tema voltado para a realidade desse adolescente, como trabalho, juventude, família ou questões da escola. Os temas por sua vez são divididos em atividades, que começam e terminam no mesmo dia”, explica a superintendente pedagógica da Fundação.
Apesar de parecer pouco tempo, a professora Débora Ribeiro defende que é suficiente para retomar o processo de aprendizagem, mesmo entre aqueles que chegam sem estar alfabetizados. “O aluno não vai sair dominando a escrita, mas entra em um processo alfabético e começa a escrever pequenos textos, o que é fundamental”, diz a docente, há 20 anos na instituição.
Para ela, a diferença está na própria privação de liberdade, que obriga os alunos a utilizar todo o tempo disponível em sala de aula para aprender. As salas pequenas ajudam a estabelecer vínculos com o professor. “Eles chegam aqui com uma referência muito negativa do mundo e da escola. Com o tempo, passam a a ter confiança em nós e o aprendizado rende.”
Ao serem transferidos para um dos 146 centros de internação, os adolescentes são agrupados de acordo com as séries que cursavam na escola regular. Caso não exista demanda suficiente, estudantes de níveis próximos são agrupados em classes multisseriadas, normalmente duas de fundamental – do 1o ao 5o ano, e do 6o ao 9o ano – e uma de ensino médio.
No caso das salas de aula que englobam diferentes níveis da educação, o conteúdo regular da escola passa a ser aplicado por área do conhecimento (ciências humanas, ciências exatas, ciências da linguagem, matemática e educação física) e não por disciplinas como é feito atualmente na rede.
A carência de apoio da Secretaria da Educação na aplicação do modelo multisseriado é um dos principais problemas pedagógicos relatados pelos educadores da Fundação Casa. O conteúdo fornecido pela rede estadual chega aos professores separado por séries, e cabe a eles programar um modelo de estudos que seja útil do primeiro ao último ano do ensino médio, por exemplo.
“Somos cobrados pela Secretaria para oferecer um planejamento multisseriado, mas não temos apoio para isso. A gente precisa de um currículo próprio para a medida socioeducativa”, explica Edmilson Almeida, responsável pela área de ciências humanas no centro de internação Governador Mário Covas.
Ainda que enfrente problemas como toda escola pública, as salas de aulas reduzidas, o apoio da equipe técnica e a própria obrigatoriedade do ensino fazem com que a Fundação Casa obtenha resultados considerados bons por quem trabalha ali.
Anderson não tem dúvidas de que a escola dentro da Fundação humaniza mais o aluno do que a educação regular. “Mesmo que esse menino volte para o universo do crime, ele não pode olhar para trás e dizer que aqui ele não teve a chance de repensar as próprias atitudes”, diz o pedagogo.
Grande parte dessa possibilidade se deve à maior proximidade de gestores e professores em relação aos estudantes, algo de que muitas vezes o menor infrator não desfrutou antes de ser apreendido. Não deixa de ser sintomático o fato de que o aluno só encontre esse tipo de atenção durante a privação de liberdade.
A estrutura da equipe pedagógica |
A Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) é responsável pela aplicação da medida socioeducativa ao menor de idade que descumpre a lei no Estado de São Paulo. O menor de 18 anos apreendido não pode ser processado de acordo com o Código Penal, tendo de ir para um centro socioeducativo, segundo as normas previstas pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e pelo Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). Durante a internação, o adolescente tem direito a frequentar a escola formal. Ele tem contato com cinco tipos de profissionais da área pedagógica: o professor da escola básica, o agente educacional, o pedagogo, o arte-educador, o professor de educação física e o professor de qualificação profissional. Há diretrizes básicas para cada função, mas cada centro tem suas particularidades. Professor da escola básica Contratado pela Secretaria da Educação do Estado Principais atividades: Ministrar 200 dias letivos de conteúdo em salas multisseriadas (que mesclam conteúdos de diversas séries da educação básica). Pedagogo Contratado pela Fundação Casa Principais atividades: Responsável pela organização burocrática do trabalho pedagógico, pelo atendimento individual ao adolescente no momento de sua chegada, e promoção de atividades pedagógicas junto aos internos. É responsável, ainda, pelas oficinas de alfabetização e letramento. Agente educacional Contratado pela Fundação Casa Principais atividades: Faz o acompanhamento do adolescente e articulação de suas atividades diárias. Nas salas de aula, promove oficinas com enfoque pedagógico e profissional. Faz relatórios sobre o desenvolvimento do jovem durante a internação. Deve ter formação em pedagogia ou licenciatura. Arte-educador Contratado por Oscip, por meio de convênios com a Fundação. Exemplos: Cenpec e Ação Educativa Principais atividades: Desenvolve oficinas curtas (cerca de três meses sobre diferentes linguagens artísticas: música, artes plásticas, artes cênicas, arte da palavra (poesia, rap) etc. Professor de educação física Contratado pela Fundação Casa Principais atividades: Atividades esportivas fora do período de aula regular. Professores de qualificação profissional Contratados atualmente pelo Senac, desenvolvem atividades com os alunos por meio de convênio firmado com a Fundação. Principais atividades: Ministrar cursos curtos, de três meses, sobre algum aspecto da carreira profissional. São oferecidos 73 cursos, distribuídos nas áreas de administração, alimentação, artesanato, construção e reparos, esporte e lazer, informática, serviços, serviço pessoal (estética) e turismo e hotelaria e de acordo com a capacidade de cada unidade. |