Louise Banks (Amy Adams) e os misteriosos círculos cheios de significados dos extraterrestres: quando a decifração da linguagem significa a sobrevivência
Poderia a nossa língua ser capaz de influenciar a maneira como enxergamos o mundo? Falantes de idiomas diferentes poderiam ter a habilidade de enxergar diferentes tons de cor? Em um extremo, aprender uma nova língua poderia provocar mudanças até na maneira como um indivíduo percebe a passagem do tempo? Essas são algumas das questões que sustentam o filme
A chegada, do diretor canadense Denis Villeneuve, indicado a oito Oscars – entre eles os de melhor filme, direção e roteiro adaptado. A obra é baseada no conto Story of your life, do americano Ted Chiang, e o trabalho de adaptação é bastante competente em traduzir para as telas a complexidade do texto, publicado em 1999.
No filme, a linguista Louise Banks (Amy Adams) é convocada pelo governo americano para tentar traduzir a linguagem de alienígenas que, sem maiores explicações, chegaram à Terra em doze “conchas” gigantescas, que pairam metros acima do solo em diferentes pontos do planeta. Banks terá a companhia de Ian Donnelly (Jeremy Renner), um físico que a acompanhará na tarefa de decifrar o propósito dos visitantes.
Em incursões à concha, onde até a lei da gravidade é subvertida, os cientistas tentam manter contato com os alienígenas através de uma “barreira” transparente – que, é curioso notar, assemelha-se a uma tela de cinema. Surgem então os dois seres extraterrestres, de aparência de monstro marinho, a quem chamam de heptápodes (sete pernas). Se os sons que eles emitem se resumem a estalos e roncos, sua escrita é formada por intrincados símbolos circulares que, à medida que a linguista começa a decifrá-los, mostram-se capazes de condensar significados complexos e alheios à linearidade da linguagem humana.
O clima de uma ficção científica muito bem calculada é temperado com “flashes” da protagonista ao lado da filha – desde o início ficamos sabendo que a menina morre de câncer ainda na adolescência. Por esses elementos no enredo, A chegada não é um filme tradicional sobre encontro com alienígenas. É uma história sobre a tentativa de romper as barreiras da comunicação e descobrir o que está reservado à humanidade. Em última instância, é também uma reflexão sobre a linguagem como mediadora da memória e, por que não, do próprio destino.
Nova língua
A teoria de que a língua seria capaz de afetar a maneira com que seus falantes compreendem o mundo é chamada de “relativismo linguístico” ou “hipótese de Sapir-Whorf”, em referência aos linguistas Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf, os dois mais importantes proponentes dessa teoria no século 20. Uma versão mais radical, em que o idioma nativo determinaria todo o modelo de pensamento, nunca foi bem aceita – isso impossibilitaria a compreensão da maioria das traduções.
Ted Chiang
Filho de chineses e nascido nos EUA, Ted Chiang (1967) é um dos principais autores de ficção científica da atualidade. Embora sua produção não seja grande, recebeu os mais importantes prêmios do segmento. O conto História da sua vida, que dá origem ao filme A chegada, foi publicado em português em 2016 como parte de uma coletânea de contos de sua autoria lançada pela editora Intrínseca (História da sua vida e outros contos).
Encontro com alienígenas
A tentativa de comunicação entre humanos e alienígenas no cinema já se deu de diferentes maneiras. Em alguns filmes, os seres do espaço acreditavam que os terráqueos seriam capazes de entender linguagens supostamente universais. Em Contatos imediatos do terceiro grau (1977), a nave espacial emitia sons em escala maior. Já em Contato (1997), o sinal emitido pelos extraterrestres era uma sequência de números primos.
Filmoteca – A arte de conviver com o outro
Hiroshima mon amour (França, Japão, 1960)
Linguagem e memória se entrelaçam nessa obra do diretor Alain Resnais. Uma atriz francesa (Emanuelle Riva, morta em janeiro) e um arquiteto japonês se envolvem em um breve romance na Hiroshima do pós-guerra, devastada pela bomba atômica. Apesar da distância dos idiomas e das culturas, uma longa conversa rememora amores do passado e as perdas da guerra.
Dança com lobos (Estados Unidos, 1990)
Após lutar na Guerra de Secessão, o oficial John W. Dunbar (Kevin Costner) assume um posto perto de uma aldeia Sioux. A convivência com os lobos e a lenta aproximação com os índios levam-no a abandonar sua antiga vida e a tentar se integrar aos costumes da tribo. Dirigido por Costner, o filme subverte a tradicional contraposição entre mocinhos e vilões.
A arte de viver (Taiwan, 1992)
Senhor Chu, um chinês idoso, mestre de tai-chi-chuan, é obrigado a se mudar para os Estados Unidos, onde vive seu filho, casado com uma escritora americana que passa por um bloqueio criativo. Sua adaptação na terra estrangeira não se dará sem choques entre culturas e gerações, habilmente narradas pelo diretor Ang Lee em seu primeiro longa-metragem.
Encontros e desencontros (Estados Unidos, 2003)
O título original, Lost in translation (perdido na tradução), define melhor a história de um improvável casal. No Japão para gravar um comercial, um ator americano em decadência conhece uma jovem, também americana, que passa horas no hotel enquanto o marido trabalha. Sozinhos e juntos, vão explorar a cultura japonesa e lidar com suas próprias angústias.
Xingu (Brasil, 2011)
Narra a saga dos irmãos e sertanistas brasileiros Villas-Boas na expedição Roncador-Xingu, nos anos 1940. A história mostra os diversos encontros entre os três irmãos e algumas tribos indígenas jamais contatadas no interior do Brasil, com detalhes sobre as tentativas de aproximação, os laços que se formaram e os males provocados por esse contato.