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Edição 234

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Redacao

Publicado em 21/11/2016

Quais os desafios para a reforma do ensino médio

Implementação deve ser lenta e dependerá da adesão e das condições das redes estaduais

© Radachynskyi Serhii/Shutterstock

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Em meio ao intenso debate sobre a reforma do ensino médio desencadeado pela Medida Provisória 746, que reestrutura este nível de ensino no país, coloca-se um desafio na ordem do dia: como implementar a proposta.
Apresentada pelo governo como solução para os problemas históricos enfrentados pelo ensino secundário no Brasil, a reforma substitui um modelo no qual os estudantes cursam 13 disciplinas obrigatórias por uma organização supostamente mais flexível, na qual teriam a possibilidade de direcionar a formação para suas áreas de interesse. Além disso, terão aumento progressivo das horas/aula por ano, com a ênfase na educação em tempo integral.
Embora esteja envolta numa aura de urgência, diante da “crise”, atestada pelos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2015, a reforma não deverá chegar às escolas antes de 2018 – isto supondo que a Medida Provisória (MP) seja aprovada no Congresso Nacional sem alterações, no prazo de 120 dias contados a partir do dia 22 de setembro, data de apresentação da proposta ao Legislativo.
Dos três níveis que compõem a educação básica, o ensino médio é o que tem apresentado os piores resultados, com baixos níveis de aprendizagem, elevadas taxas de evasão e um ritmo de melhoria da qualidade aquém do esperado, tomando como parâmetro o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Em 2015, o Ideb do ensino médio no país foi 3,7 (ante uma meta de 4,3) e permanece com tendência à estagnação desde 2011.
Frente ao que o ministro da Educação, Mendonça Filho, caracterizou como uma “catástrofe para a nossa juventude” durante o anúncio dos dados do Ideb 2015, o Ministério da Educação (MEC) publicou a MP 746, propondo uma nova estrutura curricular para o ensino médio.
Apesar da urgência e da gravidade do diagnóstico – o que justificaria, segundo o governo, a opção pelo recurso da Medida Provisória –, para que a nova organização e o novo currículo do ensino médio cheguem às salas de aula, será necessário um caminho que não será simples, nem direto.
De acordo com o texto da MP (Artigo 4o), o novo modelo curricular deverá ser implementado “no segundo ano letivo subsequente à data de publicação” da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse prazo poderá ser reduzido para o primeiro ano letivo após a aprovação da BNCC, mas somente se esta for aprovada pelo menos 180 dias antes do início do ano letivo.
Em outras palavras, caso a Base seja aprovada no primeiro semestre de 2017, a reforma do ensino médio chegará às escolas em 2018; senão, só em 2019. Assim, o fato de a implementação da MP estar vinculada à aprovação da BNCC a transforma num instrumento inócuo sobre o currículo do ensino médio até que as novas normas curriculares sejam efetivadas – apesar de ter força de lei e aplicabilidade imediata.
Sem a definição da BNCC do ensino médio, a MP não realiza aquilo que promete. “Aprovar algo que ainda não foi definido completamente cria uma incerteza que impede uma alteração nos projetos pedagógicos, os quais deverão ser adequados ao novo marco legal”, analisa Carlos Artexes Simões, ex-diretor de Concepções e Orientações Curriculares da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC).

O protagonismo dos estados

Além do tempo necessário para que o arcabouço legal envolvido na reforma do ensino médio se consolide, a implementação propriamente dita perpassa uma série de desafios – desde a definição do currículo, à preparação da infraestrutura das escolas para a ampliação da oferta de jornada em tempo integral, passando pela preparação dos professores e demais integrantes das equipes escolares, a fim de que as escolas funcionem como previsto.
A reforma possui dois pilares: a implementação progressiva da jornada em tempo integral no ensino médio, totalizando 1.400 horas/ano em lugar das atuais 800 horas anuais, e a organização do currículo de modo a contemplar cinco ênfases ou itinerários formativos: linguagem, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissionalizante.
Assim, durante o ensino médio, o estudante terá um núcleo de conteúdos obrigatórios, vinculados à BNCC, totalizando 1.200 horas. Entre esses, língua portuguesa, matemática e inglês devem ser ofertados durante os três anos. O ensino de arte e educação física passa a ser facultativo. O restante das horas será dedicado ao itinerário formativo escolhido pelo estudante, segundo a MP.
Nesse novo arranjo, os governos estaduais, responsáveis legais pela oferta do ensino médio, desempenharão um papel fundamental, pois, de acordo com a MP, caberá a eles a definição dos itinerários formativos específicos nas cinco áreas. Também caberá aos estados organizar as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas na BNCC.
Esse dispositivo “implica profunda quebra de paradigmas”, analisa Maria Beatriz Mandelert Padovani, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Estadual de Educação do Pará e relatora de um estudo sobre a MP elaborado pela entidade. Primeiro, por causa do protagonismo conferido aos sistemas de ensino na implementação da reforma do ensino médio pela MP, sem que se faça qualquer referência ao “livre-arbítrio da escola”.
Em segundo lugar, o documento ressalta a complexidade envolvida na implementação da reforma, o que “demandará profundos estudos por parte de todos os envolvidos” – as redes de educação, os conselhos estaduais de educação –, já que cada ênfase deve atender aos interesses dos alunos que optarem por elas, diz a análise realizada pelo conselho paraense, apresentada e discutida no Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação.
Assim, embora a MP atribua aos sistemas de ensino a responsabilidade pela definição do currículo e dos itinerários formativos que serão oferecidos, o documento defende que as escolas deveriam ter sido incluídas nesse processo, já que não seria adequado exigir que todas elas oferecessem todas as ênfases regulamentadas num sistema de ensino.
O documento sugere, então, que os sistemas de ensino façam a regulamentação geral do currículo e as escolas tenham um papel ativo na definição das ênfases e itinerários a serem ofertados, conforme suas realidades, características, vocação e opções dos alunos.
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A flexibilidade em questão

“Cada estado pode fazer um arranjo diferente”, explica Júlio Gregório, secretário de Educação do Distrito Federal e presidente da comissão do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed), que discute a reforma. “No limite, a lei permite até que um estado continue a ofertar 13 disciplinas obrigatórias, como é hoje”, complementa.
Segundo Gregório, a Base Nacional Comum Curricular vai definir as matérias obrigatórias para todos e, a partir de então, as redes estaduais podem traçar seus caminhos. “Os componentes da Base podem até ser cursados paralelamente à opção do aluno durante os três anos do ensino médio. Os estados têm de cumprir as 1.200 horas, mas nada especifica que elas devem ser concentradas em um ano e meio.”
Mas, para os críticos da reforma, é justamente essa possibilidade que pode trazer consequências negativas ao ensino médio. “Vai gerar uma confusão organizacional e um maior acirramento entre gestores, educadores e estudantes”, prevê Artexes Simões.
Além disso, na percepção dele, o novo ordenamento, ao invés de ampliar as opções de formação aos estudantes, poderá reduzir a liberdade das escolas e dos professores, assim como dos projetos pedagógicos, ao definir as cinco ênfases – ou itinerários – como referências para os sistemas de ensino estruturarem o currículo.
“A proposta de reforma do ensino médio não altera em nada a flexibilidade curricular atualmente em vigor. Pelo contrário, inibe outras formas de organização que não a escolha de ênfases das áreas do conhecimento e profissionalização. Promove uma obrigatoriedade na diferenciação curricular no ensino médio. Inflexibiliza a flexibilidade da lei vigente”, analisa o ex-diretor do MEC.
Seu argumento se sustenta na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que é bastante aberta e flexível em relação ao ensino médio: a lei obriga que as escolas ofereçam vários conteúdos curriculares, mas permite que elas os organizem livremente.
Ou seja, a LDB não define carga horária para os componentes curriculares, nem modelos de organização curricular, o que, em tese, assegura liberdade às instituições educacionais e aos sistemas de ensino para se organizarem da forma que julgarem melhor – a organização pode ser em séries ou em ciclos; os componentes curriculares podem ser disciplinas ou assumirem outro formato e não há carga horária semanal definida para eles.
As únicas exceções são, justamente, filosofia e sociologia que, atualmente, são obrigatórias em todos os anos do ensino médio (mas que poderiam ser ofertadas em outro formato, que não o disciplinar), e que se tornaram alvo de polêmica ao serem excluídas do rol de con­teúdos obrigatórios na MP.
“As propostas da MP não trazem novidade do ponto de vista legal. Essas medidas já poderiam ter sido implementadas desde a década de 1990”, afirma o consultor e ex-integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE) Francisco Aparecido Cordão.
Além disso, para Cordão, que foi relator das diretrizes curriculares para a educação profissional, a MP não altera o status nem o papel da escola, que continua tendo autonomia para organizar o currículo em conformidade com seu projeto político-pedagógico, já que os artigos da LDB que abordam esse tema (números 12 e 13) não foram modificados pela MP e continuam em vigor.

Financiamento e condições de oferta

Se do ponto de vista legal a MP não representa exatamente uma novidade em termos das possiblidades de organização curricular do ensino médio, sua implementação aporta o desafio de equacionar as atuais condições de oferta e de financiamento com as metas de qualidade, previstas em indicadores de qualidade (como o Ideb) ou no próprio Plano Nacional de Educação (PNE).
A preocupação com o financiamento é dupla: de um lado, muitos estados estão atravessando dificuldades financeiras, a ponto de suspender o pagamento dos salários de servidores (como no caso do Rio de Janeiro, entre outros) e renegociando suas dívidas com o governo federal. De outro, está a PEC 241 que, se aprovada, fixará um teto máximo para as despesas do governo, inclusive com educação.
O MEC descarta que a PEC 241 possa afetar negativamente os investimentos em educação, alegando que o Brasil é o país que mais investe proporcionalmente em educação entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além disso, o ministro Mendonça Filho defende um realocamento dos recursos disponíveis, ampliando o volume destinado à educação básica em detrimento da educação superior.
O governo promete, ainda, destinar R$ 2 mil/ano, durante quatro anos, por aluno para a implementação de educação em tempo integral nos estados que aderirem à proposta. Inicialmente, no mínimo 8 e no máximo 30 escolas (ou 14 mil matrículas) por estado poderão ser contempladas com essa verba.
“É muito provável que os estados selecionem escolas com mais potencial para a oferta de educação em tempo integral. Ainda não está claro como será feita a gestão desses recursos, se as escolas poderão utilizá-los de acordo com as aspirações dos jovens ou se será usado em atividades que reproduzem o formato escolar tradicional”, analisa o cientista social Luís Serrão, da ONG Ação Educativa.
Embora enxergue aspectos positivos na medida provisória por “dar um chacoalhão”, Francisco Cordão, ex-conselheiro do CNE, crê que a mudança do mecanismo de cálculo dos recursos para a educação proposta pela PEC 241 deverá impactar negativamente a reforma do ensino médio. “É preciso mais dinheiro, mas também há bastante desperdício. O Brasil aplica um volume razoável de recursos em educação, mas o dinheiro não chega até a sala de aula”, pondera Cordão.

Aula em escola pública de Santo André/SP: risco de que o abismo entre os municípios mais ricos e os mais pobres seja acentuado | © Gustavo Morita

Aula em escola pública de Santo André/SP: risco de que o abismo entre os municípios mais ricos e os mais pobres seja acentuado | © Gustavo Morita

Gestão, ponto crítico

A gestão é justamente o principal desafio para colocar a reforma do ensino médio em prática, na visão de Gregório, do Consed. “Esse é o ponto que mais nos preocupa”, admite ele, especialmente no que diz respeito à adequação da infraestrutura das escolas e eventuais disparidades que possam ocorrer dentro de uma mesma rede de ensino, visando assegurar um leque adequado de opções aos estudantes.
Apesar de ser otimista com relação aos efeitos da reforma, ele prevê que os municípios menores estarão em desvantagem quanto às possibilidades de oferta de itinerários de formação. Segundo ele, com o tempo, nas grandes cidades, a tendência é que algumas escolas se especializem em determinados itinerários. “Uma escola com bons laboratórios, naturalmente, será preferida pelos estudantes que se interessam por ciências, tecnologia. Uma escola com um bom anfiteatro será procurada por professores e alunos que querem trabalhar com artes ou música”, acredita.
Essa configuração seria uma forma de melhorar a qualidade e otimizar recursos num cenário em que muitas escolas carecem de infraestrutura e equipamentos adequados. “Até hoje nós não conseguimos equipar todas as escolas com bons laboratórios, porque isso custa muito caro”, reconhece.
Já nas cidades pequenas, há, de fato, o risco de que os estudantes tenham suas opções limitadas. Ainda assim, defende o representante do Consed, seria possível construir um sistema melhor do que o atual. “O estudante tem o direito de abdicar de estudar números complexos de matemática, para ter mais aulas de história. Esses arranjos são possíveis. Alguma opção é melhor do que nenhuma”, defende.
O professor da Universidade Federal Fluminense Paulo Carrano enxerga na proposta o risco de ampliar a desigualdade entre escolas de uma mesma rede de ensino, além de não oferecer opções reais aos estudantes. “Na verdade, da maneira como está feito, não são os jovens que escolherão os itinerários. Os estados é que vão oferecer dentro das suas conveniências e capacidades e os estudantes terão de se adequar”, afirma Carrano, que também é coordenador do Observatório Jovem da UFF.
Além disso, ele acredita que, dentro de um sistema, apenas algumas escolas terão condição de oferecer um amplo leque de opções. “No lugar de transformar o ensino médio de fato, o governo construiu um arranjo político-institucional para consolidar a desigualdade que já existe. Tanto a desigualdade dentro das redes, como a desigualdade de acesso ao conhecimento”, prevê o professor, lembrando que as escolas mais bem estruturadas tendem a atrair os melhores alunos.


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