Festa de Reis e suas roupas e espadas, riqueza do Cariri | Samuel Macedo
No imaginário nacional, ao menos naquele alimentado pelo cancioneiro popular, o sertão do Cariri é o lugar onde a vida só é ruim “quando não chove no chão, mas se chover de tudo dá”. Um lugar para se deixar apenas “no último pau-de-arara”, como dizem os versos imortalizados por Luiz Gonzaga.
Sertão dividido por vários estados do Nordeste, em especial Ceará, Paraíba e Pernambuco, o Cariri nomeia, ao mesmo tempo, a região, uma família linguística de tronco já extinto e os índios que habitaram uma vasta porção de terras. De etimologia controversa, a palavra viria de quiriri, ou kiriri, do tupi, que quer dizer silencioso, termo usado para designar lugares ermos.
Pois são esses lugares ermos e acolhedores, onde chovendo de tudo há, que servem como ponto de partida para o mergulho memorialístico e etnográfico feito por Gabriela Romeu e Samuel Macedo em Terra de cabinha, com ilustrações de Sandra Jávera.
Cabinha, ou cabra pequeno, filho de cabra grande, é o menino que vive livre pelos sertões, desfrutando de um tempo com outros ciclos, regido pelo espaço aberto e por tradições de longa data.
Ou, como diz Gandhy Piorski, no belo texto introdutório sobre as “Encantarias da infância”: “Crianças são como pássaros garis da natureza: fazem continuamente o trabalho de renovar as sobras do mundo, digerindo-as em uma calórica forja imaginadora, transformando-as em novos nutrientes, artefatos da brincadeira, crenças e certezas jovens, recém-nascidas, porém embevecidas de fascínio”.
Mapa da região, baseado no imaginário local | Ilustração: Sandra Jávera
Gabriela e Samuel – ela, paulistana, ex-editora da Folhinha, ele, fotógrafo, nascido no Crato, no Cariri cearense – reconstituem vários aspectos dessa liberdade infantil propiciada pela vida ao ar livre e com agudo senso comunitário, como mostram alguns elementos do calendário local. A Festa de Reis e o reisado, que começa em dezembro e se estende até 6 de janeiro, por exemplo, é uma oportunidade para que se teçam roupas coloridas para as encenações teatrais, que se dance e brinque de jogos de espada.
Já na Semana Santa é tempo de fazer as caretas, máscaras que simbolizam os inimigos de Judas. Com esses adereços, as crianças arrecadam dinheiro e comida para o ritual da malhação do Judas.
As brincadeiras, costumes e coisas da região percorrem o livro todo, inventário de um modo próprio de vida. Da vaquejada de pneu aos frutos e frutas locais – castanha, seriguela, pequi, buriti – passando pelas fabulações e histórias indígenas sobre o reino de pedra e o mapa de Itaperabussu, tudo evoca uma infância ao mesmo tempo livre e partilhada.
Um mergulho num dos muitos brasis pouco conhecidos pelo mundo das grandes cidades.
Outras leituras
Marco queria dormir
Gabriela Keselman, ilustrações de Noemí Villamuza
O pequeno Marco está cansado. Mas sair do mundo vivo de cores para o mundo escuro do sono não é fácil. Na hora de dormir, os pensamentos e medos mais variados lhe vêm à cabeça. Ora é o mosquito gigante, ora o medo de cair da cama. Sua mãe vai fazer de tudo para que ele, enfim, se acalme e durma.
O agente laranja e a maçã do amor
Chico César, ilustrações de Fernanda Lerner
Nem todo fiscal fiscaliza coisas chatas. Imagine ser fiscal de frutas numa festa popular. É nesse mundo de cores, luzes, cheiros e sabores que o compositor e cantor Chico César (de Mama África) coloca seu personagem, relembrando vivências de sua infância na Paraíba, onde acontece a Festa das Neves.
Arca da cidade – O folclore somos nós
Roberta Ibañez e Paulo de Camargo, ilustrações de Orlando Pedroso
Um velho conhecido de adultos e crianças brasileiros é o narrador deste livro que resgata peças do folclore brasileiro em vários formatos: o Saci. Neste livro, ele conta as lendas do Boto, do Boi-Bumbá, de Mani, do Guaraná, do Bicho-Papão e até do ET de Varginha e do Chupa-cabra. Atualizado, o Saci, hein?
Autor
Redação revista Educação