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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 16/06/2016

Cruzeiro do Sul

O Brasil que existe - ou pode existir - para além do Jornal Nacional

Peço emprestados alguns versos de uma canção do Renato Braz, um dos muitos cantores banidos por uma mídia apostada em manter o povo brasileiro num estado de subdesenvolvimento ético e estético:

Cruzeiro do Sul
Cruz de estrelas, apontando o sul, norteando a terra.
Talismã de luz no céu do planeta.
Punhal brilhante, rasgando a noite da solidão brasileira.

Para romper a nossa proverbial solidão, o meu amigo André não se cansa de recomendar que a proposta de BNC contemple as chamadas competências não cognitivas, essenciais para a vida no século 21. Tem razão o meu amigo. Se uma BNC é um projeto de sociedade, se requer que nela seja garantida alguma contribuição para a prática de uma educação integral, geradora de um autoconhecimento propiciador do reconhecimento da existência do outro. Mas, também neste capítulo, a BNC peca por omissão. Apesar de, nos princípios orientadores, fazer referência à sociabilidade e a atitudes éticas, de fato, apenas nos informa de conteúdos de disciplinas. Cadê os alicerces do caráter? Um ser humano não é só cognição. Cadê a ética?

Não se trata de criar uma disciplina como a antiga educação moral e cívica, pois desenvolver critérios práticos, éticos e estéticos é algo transversal, podendo ser aprendido enquanto se aprende matemática. Porém, participar ativamente da vida social, cultural e política, de forma solidária, crítica e propositiva não pode ser matéria de “anos iniciais ou anos finais”, ou conteúdo “dado no 7º ano”.

Sem pensar nas cruzes ou nas bandeiras,
Quem dera as luzes da Via Láctea iluminassem as cabeças
E acendessem um sol em cada pessoa,
Que aquecesse o sonho e secasse a mágoa.

O poeta Miguel Torga assim define fronteira: de um lado terra, do outro lado terra; de um lado gente, do outro lado gente… Mas eu vi na TV que, em ambos os lados de um muro perpendicular ao edifício sede do poder, em ambos os lados dessa absurda fronteira, havia duas “terras de ninguém”, espaços vazios, a precisar de preenchimento. Talvez esse espaço vazio possa vir a ser ocupado numa reconstrução partilhada entre o vermelho e o amarelo, se os jovens de hoje não forem apenas preparados para a cidadania, mas educados na cidadania, no exercício de uma liberdade corresponsável.

Esta terra é boa, não é à toa que a gente acredita.

Tem razão o Renato Braz. Existe outro Brasil, fora do Jornal Nacional. E, para além de um obsceno confronto, existe um Brasil da fraternidade, onde é possível criar espaços de celebrar o encontro.

Acredito ser possível colocar compreensão no lugar da intolerância e trocar o ódio pelo diálogo. Outro Brasil é possível. Necessário é que não haja dois lados. Para que esse Brasil vire realidade, compete à escola ensinar a reconhecer direitos e deveres, para que os jovens aprendam a identificar e combater injustiças, se dispondo a enfrentar, ou mediar eticamente conflitos de interesse. Cabe à escola a tarefa de educar integralmente, na abertura à diversidade.

*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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