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Instituições permitem aos alunos fazer aulas em cursos diferentes do de origem; comum nas públicas, montagem livre da grade é vista como tendência para as particulares
Guilherme de Andrade Camargo tem 21 anos, está no sétimo semestre da graduação em engenharia de produção na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), e deve concluí-la em dezembro de 2017. Até lá, ele terá estudado bem mais coisas do que prevê a matriz de seu curso. Além das disciplinas obrigatórias, o jovem já cursou “Mercado financeiro e de capitais” em administração e “Teoria das relações internacionais” em relações internacionais. Agora, mira aulas também nas áreas de publicidade e propaganda e direito.
Os motivos para se aventurar em outros terrenos vão conhecer diversas áreas, sair de seu campo de atuação, ter uma visão global e ser flexível para discutir diferentes assuntos, inclusive no trabalho. Camargo garante que já vê a diferença: “Além de ter conhecido alunos e professores, de ter trabalhado e estudado em cursos diferentes, acabei saindo do mundo da engenharia. Você sai de cada curso com uma visão de mercado diferente da que tinha, com possibilidades de atuação em diferentes ramos e um conhecimento do dia a dia de cada área.”
Colega de instituição, Ariel Goulart Fahel segue o mesmo raciocínio. Como aluno do curso de administração, já fez as disciplinas de “Economia de empresas” e de “Jogos e simulações da Bolsa de Valores”, ambas da graduação em economia, e de “Branding entertainment”, da graduação em publicidade e propaganda. “Como o mercado de trabalho está cada vez mais concorrido, exigindo profissionais extremamente qualificados, busco conhecimento em outras áreas. Quero ser um profissional completo, com conhecimento sobre vários setores de uma empresa. Além da experiência em áreas diferentes, cursar uma matéria de outro curso permite ampliar a rede de contatos”, ressalta.
De formas distintas, os dois estudantes direcionaram suas formações pensando não só na carreira escolhida, mas em seus planos profissionais, personalidades e anseios para o futuro. Eles estão aproveitando o que a FAAP chama de “formação múltipla”. Todos os alunos de graduação podem cursar disciplinas em outro curso da instituição desde o primeiro semestre, sem custos adicionais.
A ideia surgiu do desejo de flexibilizar o currículo para o aluno, sem abrir mão das características da estrutura acadêmica tradicional aprovada pelo Ministério da Educação (MEC). Assim, as grades curriculares não ficaram totalmente flexíveis, pois o aluno cumpre as disciplinas do curso de origem, mas ao personalizar sua graduação conforme seus interesses, ele e seus colegas podem obter o grau de bacharelado com experiências e ênfases em conteúdos complementares e diferentes.
A prática é mais comum nas instituições públicas, porém já é realizada na FAAP há algum tempo, possibilitando aos alunos uma série de combinações. A média de oito disciplinas em um semestre somada com as quatro que o estudante pode cursar em cada um permite que ele praticamente faça dois anos de cursos diferentes em paralelo.
Mesmo com tantas possibilidades, o professor Rogério Massaro Suriani, assessor de assuntos acadêmicos, afirma que o gestor acadêmico não ganha novas demandas, pois as disciplinas da “formação múltipla” estão entre aquelas já ofertadas. No entanto, segundo Suriani, o modelo exige uma visão ampla dos funcionamentos das graduações, pois a complementaridade de cursos e disciplinas deixa de ser limitada pelo curso de origem do aluno. Como eles podem optar à vontade pelas aulas, o gestor deve estar atento aos pré-requisitos necessários para que as escolhas sejam acertadas e, consequentemente, estimulantes.
Donos de seus passos
A preocupação do gestor em trabalhar de maneira interdisciplinar, com conteúdos transversais e metodologias diferenciadas, implica implementar esse processo na rotina acadêmica. Tal postura pode causar uma ruptura no modelo acadêmico em andamento. É o que aconteceu na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), com o programa “Disciplinas Eletivas”, oferecido nos 5º, 6º e 7º semestres dos cursos.
Os estudantes podem escolher até duas disciplinas eletivas a cada semestre. O projeto começou a funcionar no segundo semestre de 2014 como parte do Plano Diretor Acadêmico (PDA), que foi criado em 2010 para vigorar até 2020. Neste semestre, os professores deverão apresentar as ideias para escolha de um comitê formado pelo corpo gestor.
De acordo com Ismael Rocha, diretor acadêmico da ESPM, “o PDA como um todo trouxe uma mudança radical na instituição”, e as eletivas complementam esse momento. “Nesse plano está estabelecido que o aluno terá um papel de maior liberdade e responsabilidade, será mais autônomo. Estamos trabalhando o estudante como protagonista e não como espectador: não é o professor que ensina, mas é o aluno que aprende. É uma mudança radical”, explica.
A primeira turma do projeto vai escolher na segunda metade de 2016 as seis disciplinas que vai cursar a partir de 2017. Elas vão se somar às “trilhas de optativas”, conjunto de disciplinas que já existiam para oferecer uma formação mais específica. Por exemplo, um aluno do curso de publicidade e propaganda poderia seguir a graduação pela trilha de criação ou de marketing, por exemplo.
As eletivas são oferecidas no período noturno, horário padrão para os dois últimos anos dos cursos da ESPM, mas o aluno também pode fazer a complementação escolhendo qualquer outra disciplina durante o dia desde que haja vaga. No entanto, se ele trabalha durante as manhãs e tardes, a única opção é cursar as eletivas à noite.
A principal orientação é que o estudante busque complementar o que está aprendendo e agregar algo novo à grade de origem. Segundo Rocha, o leque de eletivas valoriza o currículo, o repertório e a empregabilidade. “Ele praticamente desenha o curso a partir do terceiro ano. Ele já tem experiência, base sólida, conhecimento da carreira que escolheu, está maduro e mais velho, por isso achamos que é o momento ideal”, diz.
Tendência
A ESPM teve duas dificuldades para iniciar o projeto. A primeira foi o desenvolvimento do PDA, que mudou a pedagogia em sala de aula. A segunda foi ter o suporte tecnológico necessário para ofertar as eletivas a todos simultaneamente. Era preciso um processo sofisticado que permitisse uma visualização rápida e prática das disciplinas ofertadas, e que permitisse agrupar os inscritos e matriculados em turmas a partir de um ranking.
“É mais ou menos parecido com o sistema do Sisu [Sistema de Seleção Unificada]. Por exemplo, se 100 alunos querem a eletiva de “Conflitos Internacionais”, o processo vai ranqueando pela nota que o aluno teve nos quatro primeiros semestres”, explica Rocha. Para ele, as mudanças refletem o perfil de uma geração acostumada a fazer “um milhão de coisas” ao mesmo tempo. “Então é importante criar processos que aproveitem tal criatividade para não perder o diálogo. É um caminho sem volta.”
Segundo a assessoria do MEC, o conjunto de disciplinas que serão ofertadas ao aluno é regulamentado dentro de cada instituição de ensino, dentro da autonomia universitária, respeitando as diretrizes curriculares dos cursos. Diante disso, Suriani, da FAAP, acredita que a tendência é unir as escolhas dos alunos a um formato que permita resultados acadêmicos adequados e reconhecidos pelo MEC.