NOTÍCIA
Os dilemas da Base Nacional Comum e os riscos dela decorrentes tal como está
Publicado em 04/04/2016
O professor Vasconcelos – que descanse em paz e que Deus lhe perdoe a ingenuidade pedagógica – acreditou ter me ensinado o “sistema galaico-duriense”. Mas a minha criança apenas havia feito decoreba sem sentido: Peneda, Suajo, Gerês, Larouco… e por aí fora, numa lengalenga como tantas outras associadas a conteúdos da grade curricular da época, debitados em prova e, depois… esquecidos.
Quando, já nos meus cinquenta anos, eu viajava por Trás-os-Montes, avistei uma bela montanha. Que montanha é aquela? – perguntei. Responderam: É a Serra do Larouco. A palavra Larouco ressoou na minha memória. Finalmente! Peneda, Suajo, Gerês… Larouco! Mas eu nada sabia do Larouco, do povo que lá morava, nem da sua cultura, nem das suas necessidades sociais, nem nada! Apenas “sabia” uma palavra: Larouco. Hoje, sei que o Vasconcelos era um consumidor de currículo, aquele que constava do “livro único”, da Base Nacional Comum imposta pela ditadura. E nós, pobres crianças, éramos vítimas de uma prática pedagógica já então obsoleta.
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Conceber currículo é, também, ponderar sobre o seu desenvolvimento, assegurar a pertinência de expectativas de aprendizagem. Porém, com preocupação, observo que os competentes autores da proposta de BNC brasileira parecem ser herdeiros da escola do professor Vasconcelos. Os textos introdutórios (belos nacos de prosa) contrastam com o pressuposto da manutenção da dita escola “tradicional”, na qual múltiplos arcaísmos pedagógicos impedirão o cumprimento integral do currículo proposto. No documento são consagradas cartesianas segmentações (ensino fundamental, ensino médio, anos iniciais, anos finais) e evidentes outros velhos vícios de um obsoleto modelo de escola (práticas pedagógicas suplementares, aulas…), na qual os currículos anteriores não foram cumpridos.
Até mesmo um “especialista” australiano (um daqueles que ainda acreditam nas virtudes da aula) nos diz que falta coerência entre o texto introdutório da proposta curricular brasileira e o restante da redação do documento. Embora tenha encontrado no preâmbulo da BNC expectativas de aprendizagem contemporânea, não viu no corpo da proposta vestígios do modo como uma mítica educação integral se concretizará. E afirmou: Nos textos das áreas de conhecimento há muitos objetivos de aprendizagem que apenas levam os alunos a repetir e decorar conteúdos, em vez de fazê-los agir ativamente em relação aos conhecimentos para resolver problemas, desenvolver a criatividade e refletir. E acrescentou: O texto preliminar da BNC não vai levar à evolução que o Brasil espera ter em sua educação.
Já se pratica no Brasil – e, que eu saiba, não se pratica na Austrália… – aquilo que o “especialista” australiano aconselha. Conheço muitos e bons projetos, que os “especialistas” brasileiros desconhecem. A síndrome do vira-lata obriga-os a escutar “especialistas” estrangeiros, enquanto os impede de enxergar o que têm cá dentro.
É evidente que um novo currículo exige novas práticas e que é tarefa inútil selecionar disciplinas e objetivos, se não se considerar as condições em que decorrem as experiências educativas. No rumo em que se insiste, a proposta de BNC revela-se como não exequível. O laborioso afã de concebê-la pode ter sido tarefa vã.