NOTÍCIA
Apesar de algumas escolas recorrerem a respostas negativas e evasivas quanto ao ensino inclusivo, instituições envolvem toda a equipe para atender as especificidades dos estudantes com necessidades especiais
Publicado em 04/04/2016
Sala de recursos multifuncionais da Escola Municipal Alzira Valladares, em Cuiabá (MT), funciona em dois turnos para atender 20 alunos de inclusão |
“Não temos nenhum caso de inclusão e nem pessoal preparado para trabalhar com isso. Não é que recusemos esses alunos, mas falamos a verdade para os pais: não temos crianças com autismo ou síndrome de Down na escola e nem estrutura para esse atendimento por enquanto. Infelizmente não posso ajudá-la.” A resposta, dada pela coordenadora pedagógica de um conceituado colégio localizado na zona sul da capital paulista à mãe de uma aluna, causa espanto dado o amplo aparato legal que assegura os direitos à educação das pessoas com deficiência.
Na consulta a outra renomada instituição, esta localizada na zona oeste da cidade, a atendente afirma que a escola (com cerca de mil alunos) tem um estudante com “deficiência neurológica”, que é acompanhado por um especialista pago pelos pais. “Acho que o valor da mensalidade cobrado [para alunos com e sem deficiência] é o mesmo, mas não tenho certeza”, diz a funcionária, que orienta que seja feita uma nova consulta para a obtenção de informações exatas a partir de julho, período de abertura de matrículas para 2017.
Resposta similar é dada pela atendente de outro reconhecido colégio também na zona oeste da capital, com mais de 20 anos de existência. “Nunca tivemos nenhum caso de inclusão, então não daria para saber quanto seria cobrado [de mensalidade]. Não sei dizer isso agora. Os alunos que vão ingressar no colégio fazem uma prova qualificatória. Para alunos com autismo, não sei como seria essa questão das provas, se ficaria a cargo dos pais decidir. O melhor é agendar uma visita. Estamos de braços abertos.”
O simples pedido de dados sobre o processo de matrículas de alunos com deficiência sinaliza a postura de algumas escolas em relação à educação especial. O custo, especialmente no caso das particulares, é outro empecilho à inclusão, ao lado da falta de condições materiais e de recursos humanos que vigora em muitas instituições de ensino. Além das três escolas citadas acima, outras sete foram procuradas pela reportagem, que entrou em contato se identificando como mãe de uma aluna autista. Destas, duas ficaram de retornar a ligação, o que não ocorreu.
A boa notícia é que a outra metade da lista se mostrou apta e aberta a matricular estudantes com deficiência sem cobrar taxas extras para isso, como determinam as diretrizes do Ministério da Educação relacionadas à educação inclusiva e, mais recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/15).
Um deles foi o Colégio Sion, onde os alunos de educação especial pagam a mesma mensalidade que os demais, têm acesso a atividades e provas adaptadas na sala regular e frequentam salas de recursos multifuncionais no contraturno para a realização de atividades complementares e específicas. Apesar disso, a instituição não quis conceder entrevistas, assim como outras nove escolas particulares procuradas pela revista Educação.
Estranhando a postura das escolas refratárias a falar amplamente sobre o tema, Marta Ghirello, diretora da Escola Aberta, localizada em Campinas (SP), dispara: “Temos de falar sobre isso, quanto mais falarmos de inclusão melhor para o ensino de todos”. Atualmente, a pequena instituição privada atende 68 alunos, sendo sete deles portadores de deficiência em turmas de educação infantil e fundamental I. Além do impacto positivo que o tamanho da instituição e das turmas, com no máximo nove alunos, têm no trabalho cotidiano, a gestora afirma que o segredo para boas práticas é “enxergar todos os alunos como sendo de inclusão”. “Cada um dos estudantes tem as suas diferenças, características e dificuldades, então todos precisam de uma atenção individual. Nesse sentido, todos são especiais e todos são vistos como ”normais””, diz.
A atenção às peculiaridades dos alunos e o apoio da coordenação são fatores destacados pela professora Thaís Valério, que trabalha na escola há dois anos dando aulas para o 3º e 4º anos. Graduada em pedagogia em 2011, ela teve uma disciplina sobre educação inclusiva na faculdade, mas nunca havia trabalhado com turmas de inclusão. “Aprendo muito mais na sala de aula, no dia a dia. Percebo que cada aluno é um indivíduo, então uma mesma atividade que dou para estudantes com a mesma deficiência pode não funcionar, os resultados vão ser diferentes.”
A professora faz adaptações de conteúdos para seus três alunos com deficiência auditiva e intelectual (síndrome de Down e comprometimento neurológico). No processo, todos acompanham os mesmos temas propostos para a abordagem dos diferentes conteúdos. “Não mudo o assunto que estou trabalhando. Por exemplo, como parte da alfabetização, passo um caça-palavras sobre animais para os alunos fazerem. Para aqueles com deficiência, proponho a mesma atividade, mas, antes, mostro a palavra que eles vão ter de buscar entre as várias letrinhas”, relata.
Os jogos didáticos e os materiais pedagógicos concretos também são os mesmos para todos. Segundo Thaís, explicar uma conta de adição com o auxílio das unidades do Material Dourado – desenvolvido por Maria Montessori para auxiliar o aprendizado do sistema de numeração decimal – colabora para a compreensão de toda a turma, não só dos portadores de deficiência. “Quando falo que dois mais dois é igual a quatro, mostrando isso com o Material Dourado, os alunos conseguem visualizar um cálculo numérico que é mais abstrato”, explica.
A importância da materialização de ideias abstratas no aprendizado de alunos com deficiência intelectual também é destacada por Marieth Lemes de Figueiredo, professora do 1º ano do ensino fundamental na Escola Municipal Alzira Valladares, em Cuiabá (MT), que atende 20 alunos de educação especial. Lá, a docente, que também dá aulas em outra instituição, costuma trabalhar com materiais coloridos e táteis com alunos autistas. “Se eu for ensinar o uso da letra ”d”, eu levo um dado para o aluno autista manusear e enfatizo o som da primeira letra do nome do objeto. Também uso figuras para isso, mas os objetos trazem a palavra para o concreto”, afirma. Ela destaca ainda a necessidade de paciência para o trabalho com esses estudantes, porque “nem sempre os avanços são percebidos em curto prazo”.
Segundo Marieth, que também nunca havia trabalhado com alunos de educação especial antes, a escolha das atividades adaptadas tem base nas pesquisas e leituras sobre inclusão escolar que faz por conta própria e nas parcerias feitas com as professoras da sala de recursos multifuncionais – a escola tem uma profissional dessas para cada período. “As professoras da sala de recursos têm formação específica, então nos dão suporte no dia a dia. Se temos dúvidas e sugestões, vamos até elas ou até à coordenadora para trocar ideias.”
Alunas sem e com deficiência estudam os mesmos temas e dividem materiais na Escola Aberta, em Campinas (SP) |
As conversas também são feitas nas reuniões pedagógicas semanais, realizadas às segundas-feiras, e nos demais momentos de horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC). Nesses espaços, as docentes das salas regulares e da sala de recursos “colocam suas angústias e trocam experiências”. As coordenadoras pedagógicas fazem levantamentos das dúvidas, dificuldades e necessidades com relação à inclusão, e, a partir disso, decidem temas a serem abordados em minicursos de formação oferecidos na própria instituição. “Daí buscamos parcerias para dar as palestras sobre assuntos específicos de inclusão. Muitas vezes os palestrantes são agentes de saúde que cuidam dos nossos alunos em centros especializados”, diz Marieth.
Fátima Pedrosa, diretora da escola, orgulha-se do fato de “todos os profissionais estarem muito envolvidos no processo”. “Eles trocam informações e sugestões de atividades de inclusão até na hora do almoço. Além disso, as experiências dos professores acabam auxiliando o planejamento da equipe gestora para fazer a inclusão na escola em geral e nas atividades abertas”, conta.
Em Taguatinga, na região administrativa do Distrito Federal, as propostas para a garantia de inclusão escolar de alunos surdos mobilizarm o poder legislativo, levando à criação da lei distrital nº 5.016, em janeiro de 2015. Entre outras coisas, o texto prevê a construção de escolas públicas bilíngues em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e português escrito. A partir disso, foi possível planejar a Escola Bilíngue Libras e Português Escrito da cidade, sexta instituição desse tipo no país. Hoje, a escola atende 340 alunos ouvintes e surdos, em turmas de dez estudantes, de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e EJA. Para tanto, trabalha com mais de 30 professores especializados em ensino bilíngue.
Para Maristela Batista Bento, diretora da instituição e educadora de surdos há mais de 20 anos, a inclusão possibilitada em uma escola bilíngue é distinta. “Aqui a gente tem uma escola de pessoas que são fluentes em Libras, que é uma língua visual, e abrimos a porta para os outros estudantes [ouvintes] também. Isso é diferente de tudo o que vemos por aí. Essa é uma possibilidade de desenvolvimento pleno do surdo, que aqui é atendido desde a mais tenra idade em sua língua, a língua de sinais”, diz a gestora.
Segundo especialistas, as escolas bilíngues partem da premissa de que o aluno surdo aprende e se desenvolve melhor em espaços onde todos se comunicam em sua língua natural. Como isso não é consenso entre os educadores, Maristela destaca a importância de sua instituição também ser aberta a alunos ouvintes, que têm aula de Libras dentro da grade regular. “Isso faz parte da proposta da escola, até para facilitar a comunicação entre todos eles em espaços de convivência, como no recreio. Ao conseguirem conversar com os ouvintes, os alunos surdos têm uma melhora muito grande na autoestima. Eles passam de um mundinho onde ninguém os compreendia para um outro universo”, diz a diretora.
Professora da disciplina de matemática em Libras na instituição, Mônica Maria Rezende, que trabalha há 22 anos com a inclusão de surdos, relata que, quando trabalhava como intérprete em salas regulares, já teve de interromper professores durante as explicações. Segundo ela, muitos professores não atentam para o fato de que certos conteúdos têm de ser explicados de forma diferente para serem bem traduzidos em Libras. “Como professora de matemática, na minha sala bilíngue, uso pincel de várias cores para circular e sinalizar as operações. Tenho de mostrar bem qual é o seno e qual é o cosseno, para que os surdos visualizem os conceitos abstratos. Também vou até o caderno e tiro as dúvidas do aluno na mesa dele. É preciso uma relação mais próxima com o estudante para fazê-lo entender”, relata a docente.