Eduardo Pladar: em processo de reorganização das finanças para começar uma faculdade
Nos últimos anos, o Brasil aumentou consideravelmente o número de alunos no ensino superior. Entre 2000 e 2013, as matrículas em cursos presenciais cresceram 230%, aproximadamente. Apesar dessa expansão, contudo, a proporção de jovens (18 a 24 anos) nessa etapa escolar ainda é de apenas 17,2%. O universo de adultos (25 anos ou mais) com ensino superior completo também se encontra em patamares mínimos: 13% do total de brasileiros, segundo dados do IBGE.
A boa notícia é que há uma parcela considerável de pessoas com ensino médio completo com intenção, ou ao menos desejo, de aumentar os anos de escolaridade. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular a pedido do Semesp mostrou que 47% dos egressos do ensino médio planejam cursar uma graduação, sendo que a maioria pretende concretizar isso nos próximos dois anos.
Com abrangência nacional (leia mais no quadro da página 26), o levantamento buscou entender quem são essas pessoas, quais são seus hábitos e o que esperam do ensino superior e da vida profissional. O estudo também focou os atuais universitários e, da mesma forma, conseguiu extrair informações importantes sobre esse público e suas aspirações. Em comum, os dois grupos demonstraram forte apreço pela educação. Ambos acreditam, de forma majoritária, que somente com o diploma de ensino superior conseguirão bons empregos, bons salários, estabilidade financeira e, consequentemente, ascensão social. É essa crença que motiva os que já estão matriculados a prosseguir estudando e os que estão fora a desejar o ingresso nesse nível de ensino.
A pesquisa será apresentada pelo Semesp em 28 de março, em São Paulo, para associados e convidados.
.
.
Potenciais calouros
“Sempre foi meu sonho fazer uma faculdade. Lá em casa ninguém se formou. Conseguir isso seria uma conquista profissional e, principalmente, pessoal. Seria a maior evidência de que venci. ” O depoimento foi dado pelo auxiliar administrativo Claudio França, 23 anos, mas expressa o sentimento da maioria dos potenciais calouros. Grande parte deles (85%) concordaram com a frase “Ser universitário na minha família é um sonho”.
Assim como França, o perfil predominante nesse grupo é de pessoas com idade entre 20 e 40 anos, que trabalham, fizeram o ensino médio em escolas públicas e pertencem à classe C ou à nova classe média, formada por pessoas com renda familiar entre R$ 1.806,57 e R$ 3.463,03. Os pais de quase a totalidade dos entrevistados (86%) também não fizeram faculdade (veja mais na pág 22).
Priscila Macor de Souza, 26 anos, é outra representante do grupo. Seu pai, hoje falecido, não chegou a completar o ensino fundamental, diferentemente da mãe, que concluiu a etapa. As duas moram juntas e têm como fonte de renda fixa exclusiva uma pensão por morte no valor de um salário mínimo. No início deste ano, Priscila começou a trabalhar no Poliedro, em São Paulo, em troca de uma bolsa para frequentar o cursinho. Vai disputar uma vaga em medicina nos concorridos vestibulares das universidades públicas. “Não tenho como pagar uma faculdade particular. A pública é a minha única chance”, diz a estudante, que concluiu o ensino médio em 2007. Nesse aspecto, Priscila é minoria. Apenas 35% dos entrevistados pretendem ingressar em uma instituição pública, encarada como uma realidade distante em função do alto nível exigido nas provas e da pouca quantidade de vagas.
Nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Brasília, Campinas (SP), São Gonçalo (RJ), Caxias do Sul (RS) e Joinville (SC), a Uninove apareceu como a instituição mais desejada (17%), seguida pela Unip (14%) e Anhanguera (13%). A USP aparece em 4º lugar na lista (11%) e a UFRJ em 9º lugar (6%). No grupo formado por Salvador, Fortaleza, Manaus, Goiânia, Feira de Santana (BA), Caucaia (CE), Ananindeua (PA) e Dourados (MS), as preferências são mais equilibradas: a Universidade Federal do Ceará (17%) se destaca em primeiro lugar, seguida pela Unip (15%), Unijorge (7%), Universidade Federal da Bahia (6%) e Anhanguera (6%).
Na opinião de Rosemeire Reis, professora e pesquisadora do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a crença de que a instituição pública é inacessível tem origem nos problemas que afetam grande parte das escolas públicas: professores desmotivados em função dos baixos salários e paralisações recorrentes, para citar apenas alguns deles. Esse contexto dificulta a apropriação de conhecimento pelos alunos, que chegam ao final do 3º ano do ensino médio desiludidos e desacreditados. “Prestes a concluir essa etapa escolar, eles tomam consciência de que não adquiriram conhecimentos suficientes para galgar os concorridos vestibulares e desistem, pelo menos temporariamente. Muitos vão primeiro procurar emprego para depois pensar no ensino superior”, conta a pesquisadora, que investigou a relação de alunos de escolas públicas com os saberes escolares em sua pesquisa de doutorado.
.
.
Financiamento
Como as instituições públicas são consideradas inacessíveis por uma boa parte dos candidatos, surge a questão de como pagar as mensalidades. Apenas 33% dos potenciais calouros têm planejamento financeiro para dar continuidade aos estudos, o que se deve à situação social da maioria, “bastante limitada e sensível a imprevistos, como perda de emprego”, analisa Renato Meirelles, presidente do Data Popular. Dessa forma, 58% pretendem pagar o curso com o próprio salário. Esse percentual varia conforme a faixa etária: entre os mais novos (17 a 19 anos), esse indicador é de 42%; entre os mais velhos (20 a 40 anos), chega a 64%. Estes ainda declararam, na etapa quantitativa da pesquisa, que estariam dispostos a cortar gastos com lazer, entretenimento, vestuário e aquisição de bens assim que ingressarem na graduação para ficar em dia com as mensalidades.
Eduardo Ernandes Pladar, de 27 anos, já iniciou duas graduações, mas não concluiu nenhuma delas. Há dez anos trabalhando no setor de tecnologia, o jovem profissional está se programando para começar uma graduação em tecnologia da informação. Ele pretende iniciar o curso já no próximo semestre ou, no máximo, no início de 2017. Para isso, está liquidando prestações de produtos e serviços contratados e programando uma mudança de casa. Morador de um sobrado de dois quartos em Ferraz de Vasconcelos, Grande São Paulo, Pladar está disposto a alugar uma quitinete em um bairro central de São Paulo para diminuir as despesas e ter condições de assumir uma mensalidade. “As contas ficaram mais pesadas com a crise, daí a necessidade de fazer esses ajustes. Mas só assim vou conseguir estudar. Um diploma de ensino superior vai agregar valor à minha carreira, além de me dar ganhos maiores”, conta o profissional, que presta serviços de forma terceirizada para a Microsoft.
Informado por uma amiga sobre as vantagens do ProUni, Pladar prestará o Enem para tentar o benefício. O Fies já é uma opção menos cotada. “Não entendo muito bem o programa. Já tentei me informar, mas não consegui compreender claramente os critérios e saber se sou elegível”, relata.
Segundo a pesquisa, pouco mais da metade dos entrevistados (54%) espera recorrer ao Fies. O receio de depender de um programa que pode ser cortado ou reduzido, a perspectiva de assumir uma dívida de longo prazo e, no caso dos mais velhos, o desconhecimento dos meios necessários para conseguir o financiamento compõem a lista de razões para não atrelar os planos de estudo ao fundo.
A maior desconfiança, contudo, recai sobre o financiamento privado, desconsiderado tanto pelos mais jovens quanto pelos mais velhos. Ambos se preocupam com a cobrança de juros “abusivos”, além de acreditarem que seria mais difícil obter a liberação de empréstimos em bancos. “Falta informação para os jovens sobre os tipos de financiamento existentes”, avalia Naercio de Aquino Menezes Filho, professor titular da Cátedra Instituto Futuro Brasil (IFB) e coordenador do Centro de Políticas Públicas (CPP) do Insper. Embora reconheça que os candidatos devam analisar com cautela suas condições e o cenário econômico, o especialista considera o Fies uma alternativa válida para financiar os estudos, especialmente se os alunos estiverem matriculados em instituições de qualidade. “A taxa de juros é baixa com relação ao retorno salarial de uma boa faculdade privada”, pontua.
.
.
A equação da escolha
Mensalidades muito baixas (inferiores a R$ 250) geram desconfiança quanto à qualidade e à seriedade da instituição. Assim, o valor médio que a maioria está disposta a pagar é de R$ 600, sendo que os mais jovens se mostram dispostos a desembolsar uma quantia até maior, provavelmente por ainda não terem família e contarem com a ajuda dos pais. O preço, aliás, é um fator de grande importância para a escolha da instituição. Só perde para os aspectos qualidade e localização, este último relacionado à presença de estações de trem, metrô e ônibus nas imediações e à distância entre a instituição e a casa ou trabalho do aluno.
Quanto ao fator qualidade, essa variável é determinada por atributos como qualificação do corpo docente e da própria instituição, infraestrutura, nota no Enade e reputação da instituição. Para apurar isso, os jovens e adultos buscam informações no site do Ministério da Educação e em fontes como o Guia do Estudante (Editora Abril) e o site Reclame Aqui. Também consideram a opinião de alunos e ex-alunos. A rapidez com que estes conseguem um emprego funciona como uma espécie de termômetro da qualidade.
Os potenciais calouros avaliam ainda o tempo de mercado e a imagem da instituição, análise feita muitas vezes com base em critérios frouxos. Claudio França, que pretende cursar educação física, conta que gostaria de entrar em uma universidade pública, como a UERJ e a UFRJ. O plano B é estudar ou na Estácio ou na Universidade Veiga de Almeida. “São instituições conceituadas, as que mais aparecem na mídia”, explica o funcionário da ONG Favela Mundo, no Rio de Janeiro. Se a alternativa for trilhar o segundo caminho, o Fies provavelmente entrará na jogada. “Já consultei o site para me informar, mas ainda não analisei muito bem as condições e os detalhes. Pagar só com o meu salário não vai dar”, afirma.
Apesar de valorizarem a qualidade da instituição de ensino, os potenciais calouros acham que podem contornar eventuais falhas com empenho e esforço pessoal. É o aluno quem “faz” a faculdade, e não o contrário, consideram. “Acreditar no empenho pessoal para superar essa limitação não necessariamente significa desmerecer a qualidade da instituição escolhida, mas sim confiar na capacidade pessoal de superação. Muitos citam exemplos de amigos ou conhecidos hoje bem-sucedidos profissionalmente, mesmo tendo estudado em faculdades menos elitizadas”, explica Meirelles.
A confiança no mérito próprio, assim como o otimismo em relação ao futuro (91% dos entrevistados acreditam que a vida estará melhor em cinco anos), são traços característicos do grupo e vão além da educação. Para a maioria da classe C, a ascensão econômica e a melhora nas condições de vida alcançada nos últimos anos ocorreu, sobretudo, pelo esforço próprio e pela “ajuda de Deus”, de acordo com o presidente do Data Popular. “É natural que, em momentos de dificuldade, essas pessoas pensem que com mais esforço conseguirão superar os problemas e seguir adiante”, reforça. “É importante destacar que, para a classe C, crise não é exceção, é regra, ou seja, podemos dizer que é uma classe que já vivenciou muitas outras crises e que, portanto, está preparada para enfrentar novas crises com mais otimismo”, completa o executivo.
A estudante Priscila relaciona a melhora das condições de vida diretamente à conquista do diploma. “Tenho uma vida melhor do que minha mãe teve no passado. Agora estamos em uma situação apertada, mas com esforço vou conseguir entrar em uma faculdade e conquistar um futuro ainda melhor”, aposta. Assim como a futura médica, quase a totalidade dos entrevistados (98%) compartilham a percepção de que as condições de vida vão evoluir após a conclusão do ensino superior.
.
.
Qual carreira seguir
Enquanto a escolha da instituição gira em torno dos eixos qualidade, preço e localização, a seleção do curso passa por critérios como gosto pessoal e vocação. Esses dois aspectos são mais importantes que o ingresso no mercado de trabalho e a possibilidade de ter melhores salários, por exemplo.
Também vale destacar a preferência pelo bacharelado em detrimento dos cursos tecnológicos, pouco conhecidos e, muitas vezes, confundidos com os cursos técnicos. De acordo com Naercio de Aquino, do Insper, os dados disponíveis mostram que não há diferença significativa de salário entre os tecnólogos e os formados nos demais cursos de ensino superior. “As formações tecnológicas deveriam receber maior atenção, pois com elas os jovens podem obter o mesmo retorno fazendo o curso em metade do tempo”, analisa. Os cursos EAD também geram desconfiança e rejeição por parte dos potenciais calouros.
Independentemente dessas preferências, o desejo de concluir o ensino superior hoje está mais presente. Enquanto os adultos acima de 30 anos ressaltaram que há até alguns anos não havia tantas facilidades para cursar uma graduação – os programas de bolsas e de financiamento público eram escassos e as faculdades eram muito caras, segundo avaliações –, os mais jovens demonstraram uma perspectiva bem diferente. “Eu já sabia no ensino médio que ia ter de fazer alguma coisa [faculdade]”, declarou um dos entrevistados do grupo de 18 a 24 anos. Além das condições mais favoráveis, eles ainda têm consciência da competividade do mercado de trabalho, que os impulsiona em direção à qualificação profissional.
“Meu objetivo é aprender, mas também ganhar mais dinheiro. O diploma de ensino superior é muito valorizado e só com ele vou conseguir crescer profissionalmente, ser procurado pelas empresas e exercer atividades diferentes das que estou exercendo hoje”, afirma Pladar. “Pensando que eu não tenho ensino superior, me considero até um cara de sorte. Tenho um bom emprego e sou bem remunerado por isso. Mas não quero dar chance para o azar. O diploma me blindaria contra eventuais contratempos”, avalia.
Informações valiosas |
A proporção de jovens de 18 a 24 anos matriculados no ensino superior ainda é de apenas 17,2%, segundo dados do Censo da Educação Superior. A julgar por esse quadro e pelos avanços – ainda que lentos – na educação brasileira, é possível inferir que a base de alunos nesse nível de ensino apresenta um grande potencial de expansão. A crise econômica e o encolhimento do Fies representam hoje os principais entraves a esse crescimento.Mas esses dois fatores não são soberanos, como reforça Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp. De acordo com a pesquisa, 30% dos jovens e adultos enxergam a crise como um incentivo aos estudos – outros 26% disseram que são indiferentes à situação econômica. Quanto ao Fies, 39% afirmaram não contar com o recurso para financiar as mensalidades. “Esses dados mostram que as IES têm um universo a explorar. O sonho de entrar em uma faculdade e a aposta de que o diploma universitário lhes trará um futuro mais próspero têm um peso muito importante também”, ressalta.Segundo o executivo, dados como esses podem ser usados de forma estratégica pelos gestores das IES para captar mais alunos. “Adaptar as campanhas de marketing é apenas uma das ações que podem ser trabalhadas a partir do estudo”, exemplifica. O mesmo pode ser dito sobre o perfil dos atuais universitários. “Conhecer melhor quem são os seus alunos é um elemento-chave para conter a evasão”, enfatiza. |
Metodologia |
A pesquisa foi conduzida em três fases: na primeira delas foram realizados grupos de discussão; na segunda, questionários on-line com o emprego de métodos qualitativos; e na última delas, entrevistas pessoais (também com métodos qualitativos). Os grupos de discussão (quatro no total) foram conduzidos em São Paulo e contaram com a participação de homens e mulheres com o seguinte perfil geral: pertencentes à classe C ou nova classe média (renda familiar entre R$ 1.806,57 e R$ 3.463,03), egressos de escolas públicas, que trabalham ou estão à procura de emprego e que têm intenção ou desejo de cursar o ensino superior.Já o questionário quantitativo teve abrangência nacional e contou com 2.830 respondentes com o seguinte perfil: 64% eram mulheres; 86% solteiros; 58% tinham idade entre 19 e 24 anos; 71% se declararam brancos e 58% pertenciam à classe média.Quanto à última fase, foram feitas 800 entrevistas pessoais em 17 municípios espalhados pelas cinco regiões brasileiras, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Manaus, Goiânia, Fortaleza e Dourados (MS). A maioria (69%) pertencia à classe média e era solteira (38%). Não houve uma faixa etária predominante. |