Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 01/12/2015
Burocratas do sistema educativo impõem às escolas práticas despropositadas
No fim de um ano letivo, com assiduidade plena e significativas aprendizagens realizadas, os alunos da escola de Monsanto “reprovaram por excesso de faltas”. Eu sei que parece mentira, mas aconteceu…
Tudo começou em 2014, quando uma escola acabada de inaugurar foi “encerrada pelo Ministério de Educação”. Os pais dos alunos optaram pelo ensino doméstico, o agrupamento de escolas deu luz verde ao processo e as crianças foram acompanhadas por duas professoras. No primeiro dia de aulas do presente ano letivo, os pais foram informados de que o ministério não reconhecia a avaliação positiva aos alunos, atribuída pelas docentes.
O ministério considera ilegal a situação dos alunos, mas a Comissão de Protecção de Crianças afirma que o alegado “abandono escolar” não foi provado. Entretanto, os pais dos alunos pediram nova transferência dos seus filhos para o ensino doméstico, pedido que, garantem, já foi aceite. E, enquanto o caso não se resolve, uma escola inaugurada há um ano e que custou cem mil euros, está fechada e as crianças são transportadas para a sede do município, que dista trinta quilômetros de Monsanto. São duas viagens diárias impostas por burocratas, que “acham” que as crianças devem estar fechadas no interior de um edifício a que chamam escola, numa sala de aula com x metros quadrados de área, durante um determinado número de horas e dias ditos letivos.
Esses burocratas creem que escola é um edifício e uma crença não se discute, deve ser respeitada. Porém, crenças e “achismos” não deverão ser suportes de política educativa. Autoritária e arrogantemente, burocratas enquistados no sistema educativo impõem práticas desprovidas de fundamento científico, ou legal (terão lido o artigo 45 da Lei de Bases?). Em Portugal, como no Brasil, ousam tomar insanas decisões, como o despropósito da reprovação por excesso de faltas. Estão conscientes da impunidade dos seus atos e contam com o obsceno silêncio dos pedagogos.
A que faltas se referem, dado que os alunos estavam em situação de ensino doméstico (e até dentro de um edifício-escola!)? Conseguirão explicar por que razão alunos com 100% de assiduidade reprovam, enquanto jovens, fora do cárcere, aprendem? Estarão a confundir escola com edifício escolar? Terão lido o Anísio, o Freire, ou o Lauro, que criticava a “pedagogia predial”? Saberão que, à luz da ciência produzida desde há um século, a expressão “reprovar por faltas” é uma obscenidade?
Há cerca de uma dúzia de anos, um ministro de má memória tentou destruir o projeto da Escola da Ponte, com burocráticos argumentos. Os sindicatos de professores, a universidade e a sociedade civil reagiram, impediram que a obscenidade ministerial obtivesse êxito. Na presente situação, os professores portugueses e brasileiros permitirão que o autoritarismo impere e critérios de natureza pedagógica sejam desprezados? Permanecerão apáticos, ou farão a sua parte para acabar com a impunidade?
É estranho e pesado o obsceno silêncio dos pedagogos…
*José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)