NOTÍCIA

Edição 224

Um século de relatividade

Descobertas de Einstein sobre o espaço-tempo modificaram a percepção que o homem tem sobre o Universo

Publicado em 01/12/2015

por Luciano Velleda

Um século de relatividade

 

© Shutterstock

 
Não é exagero afirmar que depois da Teoria da Relatividade Geral, publicada por Albert Einstein em 1915, o Universo nunca mais foi o mesmo. Ou, ao menos, o que o homem entendia por Universo até então. Mais do que isso: a própria ciência do Homem alterou-se radicalmente ao ver sacudidos conceitos básicos, como a noção de tempo e espaço. A fagulha acesa pelo físico alemão foi tão intensa e radical que na época tornou-se comum definir que poucos entenderam o que aquele jovem cientista estava querendo dizer com massa que deforma o espaço e tempos relativos.
Para compreender a genialidade da Teoria da Relatividade Geral é preciso, todavia, entender como as estruturas da física já haviam sido fortemente abaladas dez anos antes, quando Einstein publicou, em 1905, a Teoria da Relatividade Restrita (ou Especial), afirmando que espaço e tempo não eram absolutos e nem independentes, como vinha sendo sustentado desde o século 17 pelas ideias de Galileu e Isaac Newton. Rompendo com tudo o que se conhecia, Einstein criou o revolucionário conceito de espaço-tempo.
O artigo da relatividade restrita foi publicado sob o título “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento”. Até 1905, imperava na física o conceito de Galileu, de 1632, no qual todas as leis da física eram as mesmas desde que a velocidade do corpo não mudasse. O exemplo clássico é a pedra lançada do mastro do navio, navegando em velocidade constante: a cena, vista do convés, mostra a pedra caindo em linha reta, da mesma forma que cairia com o navio parado. Esse princípio de Galileu foi depois corroborado por Newton para todas as leis da mecânica propostas por ele.

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Até o final do século 19, a mecânica é o paradigma de teoria na física, e o espaço e o tempo eram considerados absolutos e independentes um do outro: o tempo, que quantificamos com o relógio, era universal, sempre igual para todos; e o espaço, onde medimos as distâncias, constituía um Universo infinito, tal como uma estrada onde tudo acontecia.
Então Einstein chegou e disse que não. Afirmou que as medidas de espaço e tempo dependem do movimento dos observadores; o tempo não é um valor universal, mas relativo para cada um, além de ser conectado ao espaço. E mais: para alguém em movimento, o tempo passa mais devagar, se comparado a outra pessoa em repouso. Por exemplo: para alguém parado num ponto de ônibus, o valor do espaço fica zerado, enquanto o do tempo corre na velocidade máxima, a velocidade da luz, a 300 mil quilômetros por segundo (ou a 1,08 bilhão de quilômetros por hora). Entretanto, se a pessoa se desloca no espaço, correndo para pegar o ônibus, o tempo para ela vai passar um pouquinho mais devagar, pois vai “emprestar” um pouco da sua velocidade para a metade do espaço.
Na prática, em nosso cotidiano de baixas velocidades, a diferença é imperceptível. Entretanto, como experiências comprovaram depois, relógios atômicos de alta precisão levados ao espaço e viajando em grandes velocidades, ao regressarem à Terra, estavam atrasados em comparação a outro relógio anteriormente ajustado do mesmo modo.
Tudo é relativo
Em 1915, a Teoria da Relatividade Geral dá um passo além. Ou um salto. Einstein busca a explicação para os corpos que mudam de velocidade e direção, considerando os efeitos da aceleração – e, no caso, a aceleração natural da gravidade. Para Newton, a gravidade era uma força atuando instantaneamente a longas distâncias. Einstein, porém, teorizou-a como uma propriedade intrínseca do espaço-tempo. O físico alemão não concebia a gravidade como uma força quase mágica entre as massas. Ele então propõe que a Terra gira ao redor do Sol devido à geometria do Universo, que é “deformada” pelo astro-rei. Para Einstein, todos os corpos com grande massa criam curvaturas significativas na “malha” do espaço-tempo, exigindo a atração dos corpos menores.
Paschoal Pimenta, professor de física dos cursos Anglo, sugere um experimento simples e caseiro com bolas e um colchonete para entender a Teoria da Relatividade Geral. Se colocarmos bolas de gude sobre um colchão fino e liso, que representa o espaço-tempo, elas ficarão paradas no mesmo lugar. Mas quando colocamos uma bola de boliche sobre o centro do colchão, as pequenas bolas de gude rolam em direção ao objeto mais pesado, já que a “malha” do colchão – o espaço-tempo – foi “deformada”, permitindo esse movimento.
“O impacto da teoria foi enorme, mas havia um ceticismo muito grande na comunidade científica. Não foi fácil de entender a teoria de Einstein. Por isso, ela demorou a ser aceita. Foi um processo difícil na época”, explica o professor.
A principal comprovação experimental da Teoria da Relatividade Geral aconteceu poucos anos após a publicação do artigo. No dia 29 de maio de 1919, na cidade de Sobral, no Ceará, uma missão científica internacional confirmou que o campo gravitacional do Sol provoca um desvio na trajetória dos raios de luz estelar que passam por ele durante um eclipse. O desvio é causado pela deformação do espaço-tempo ao redor do Sol, resultado do peso da sua massa na malha do Universo.
“Nunca entendi por que a teoria da relatividade, com seus conceitos e problemas tão distantes da vida prática, teve repercussão vigorosa, ou mesmo passional, por tanto tempo”, ponderou, certa vez, Albert Einstein. O fato é que, sem a Física Quântica e sem a Relatividade de Einstein, nunca teria ocorrido o entendimento das propriedades dos semicondutores, material vital para o desenvolvimento da eletrônica, por exemplo. Nosso mundo não teria os processadores que temos hoje. Não haveria internet, assim como muitas das conquistas tecnológicas modernas. E há ainda a energia nuclear.

Resíduos da relatividade
Um século depois, ideias de Einstein continuam a permitir novos experimentos
Com o artigo que propunha a Teoria da Relatividade Restrita, Albert Einstein publicou outros quatro artigos no ano de 1905, todos absolutamente marcantes a tal ponto que, na comunidade científica, diz-se que foi um ano milagroso, só comparado com o intervalo entre 1665 e 1666, o annus mirabilis original, quando Isaac Newton começou a estabelecer as bases do cálculo, da  lei da gravitação e da teoria das cores.
Cientistas de várias áreas da física e da engenharia passaram o século 20 testando, compreendendo e aplicando as muitas ideias de Einstein. Como, por exemplo, sua fórmula E=mc 2 (que determina a transformação da massa de um objeto em energia, e vice-versa), essencial para o desenvolvimento da bomba atômica. A explicação de Einstein para o efeito fotoelétrico permitiu tecnologias que vão dos fotodiodos aos tubos de televisão. Cem anos depois, os pesquisadores ainda encontram novos modos de criar invenções originais a partir das teorias do físico alemão. Uma das marcas da genialidade de Einstein é o tempo necessário para explorar totalmente, por meio de experimentos, as implicações de suas teorias.


 

Energia nuclear
A famosa equação E=mc2, conhecida como equivalência massa-energia, apareceu em um pequeno artigo publicado em setembro de 1905, com o título “A inércia de um corpo depende do seu conteúdo energético?”. Em outras palavras: qual a relação da massa de um corpo com a sua energia? A transformadora conclusão de Einstein é que a massa de um corpo é uma medida do seu conteúdo energético.
Em 1938, a fissão nuclear comprovou ser possível extrair energia em grande escala de processos nucleares, abrindo caminho para a construção da bomba atômica, bem como para a aplicação pacífica da energia nuclear presente em nossos dias.


 

Tomografia e eletrônicos
Corria o ano de 1925 e os mais importantes físicos do mundo estavam às voltas com uma teoria para resolver problemas com átomos de muitos elétrons, uma vez que o modelo de Niels Bohr só funcionava corretamente para o caso do hidrogênio, que possui um único elétron. Três anos depois, em 1928, o inglês Paul A. M. Dirac apresentou a sua solução, partindo da premissa de que a Teoria da Relatividade Restrita era verdadeira para demonstrar a existência do spin do elétron (espécie de rotação em torno do seu próprio eixo). Tal solução ficou conhecida como a teoria relativística para o elétron.
OK, mas e aí? Como consequência da teoria de Dirac houve a previsão do pósitron, uma partícula positiva com massa igual à do elétron, experimentalmente observada em 1933 pelo norte-americano Carl Anderson (Nobel de Física de 1936). Atualmente ele é usado em uma técnica conhecida como tomografia com emissão de pósitrons. A teoria relativística de Dirac influenciou uma série de pesquisas até chegar ao desenvolvimento da física de semicondutores, base da indústria eletrônica. Na origem de tudo, lá está Einstein novamente.


 

O raio laser
Presente por todos os lados da vida cotidiana, desde os consultórios médicos e odontológicos, na indústria, nos leitores de CD e DVD, shows e até nas “canetinhas” usadas por palestrantes, o raio laser também paga tributo ao cientista alemão. Embora o primeiro laser tenha sido fabricado no começo dos anos 1960, sua possibilidade teórica apareceu num artigo de Einstein conhecido como o artigo dos coeficientes A e B, publicado em 1916. Tais coeficientes medem as probabilidades de emissão e absorção de radiação, conceitos básicos para a construção do laser.
Até hoje, mais de 20 cientistas já levaram o Nobel de Física em função de pesquisas sobre temas abordados por Einstein. Ainda assim, há uma boa turma atualmente se dedicando a extrapolar suas ideias e teorias, principalmente cientistas envolvidos com a física quântica.
O objetivo é avançar, ir além. Algo que fatalmente agradaria ao genial e incansável alemão.


 

GPS
No mundo dos smartphones, tornou-se banal usar aplicativos de mapa com localizadores que mostram o exato lugar em que você está. Agradeça a Einstein. Embora seja costume definir que as Teorias da Relatividade (Restrita e Geral) só sejam relevantes para altas velocidades ou nos movimentos planetários, sem o auxílio delas não haveria o sistema GPS (Global Positioning System) no seu smartphone, tão comum e útil atualmente.
A razão disso é que a Relatividade Especial indicou um atraso de sete microssegundos nos relógios atômicos dos satélites em relação aos da Terra, por causa da sua velocidade mais rápida, enquanto a Relatividade Geral prevê um adiantamento de 45 microssegundos nesses mesmos relógios devido à altura da órbita dos satélites, e a consequente menor influência da gravidade. Juntos, os cálculos resultam em um adiantamento total de 38 microssegundos por dia. Parece nada, mas faz toda a diferença. Esses microssegundos de adiantamento poderiam resultar num erro, se não corrigido, de até 11 km de localização pelo GPS. Em função disso, os localizadores são adaptados por microcomputadores para compensar esse efeito.

Autor

Luciano Velleda


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