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Autor

Redação revista Educação

Publicado em 01/12/2015

A etapa que pede outro olhar

Objetivos da etapa são particulares; arranjo curricular fala em campos de experiência

© Gustavo Morita
Crianças fantasiadas em escola municipal de São Paulo: experiências sobre o mundo

Ao tratar da educação na primeira infância, o texto de referência da BNCC propõe um arranjo curricular diferente em relação às outras etapas, classificando as divisões dos objetivos como “campos de experiência”. São ao todo cinco blocos: o eu, o outro e o nós; corpo, gesto e movimentos; escuta, fala, pensamento e imaginação; traços, sons, cores e imagens; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. O texto propõe o reconhecimento de que a criança pequena se relaciona com o mundo de forma diferente – usa muito a corporeidade e a emoção, por exemplo – e se compromete a oferecer uma visão plural.

Para Maria Thereza Marcílio, consultora da ONG Avante com larga experiência em projetos de educação infantil, um dos grandes méritos da Base foi incluir a criança pequena no debate mais amplo sobre educação no país. “É importantíssimo ter uma parte do documento destinada para a educação infantil, porque hoje ela integra a Educação Básica e não poderia mais ficar invisível”, defende.

Mas para que possa provocar impacto real, Maria Thereza salienta que deve haver uma oferta de creches e pré-escolas que contribua para o fim da desigualdade existente hoje no país. “Atualmente, todas as crianças das classes mais altas frequentam a educação infantil, mas as demais não. A educação infantil não pode ser uma força de manutenção de iniquidades sociais”, disse. Para garantir direitos de aprendizagem, é preciso antes garantir o direito de acesso.

Outro senão, segundo ela, é que os bebês de 0 a 2 anos acabaram pouco contemplados pelo texto. “Entendo a opção por não segmentar em creche e pré-escola, mas não consigo ver um bebê no texto. Vejo a criança de 4 e 5 anos, às vezes as de 3, mas os aspectos dos bebês de 0 a 2 ainda têm de ser trabalhados”, disse.

Hora de ler?

Entre os avanços que Maria Thereza aponta no texto está o fato de ele respeitar a especificidade da criança de 0 a 5 anos, sem colocar a educação infantil sob o modelo que se usa no fundamental. “A creche e a pré-escola devem propor experiências que privilegiem a forma de ser e estar da criança no mundo. Tem sido sempre um esforço dos especialistas da área garantir a especificidade da educação infantil – e isso o espírito da Base respeitou. É uma fase de desenvolvimento rápido do falar, andar, interagir.”

Nem todos concordam, contudo, que os objetivos estão condizentes com a fase. “Há muitos objetivos ligados à sociabilização, mas não há nada ligado à alfabetização. Isso vai abrir uma diferença entre os mais ricos e mais pobres, porque as escolas particulares não vão se limitar a tais objetivos. É preciso encontrar um equilíbrio”, avalia Antônio Augusto Batista, do Cenpec.

“O contato com a escrita é importante sobretudo para as camadas mais pobres, porque as crianças chegam mais afastadas do mundo letrado”, explica Batista. Segundo ele, o documento tem uma visão de infância idealizada e vai dificultar o trabalho no primeiro ano do fundamental. Portanto, acredita, na Base deveria haver mais ênfase em atividades de leitura oral, manuseio de livros, exploração fonológica.

Mas Maria Thereza defende a fórmula da BNCC. “Não se fala em ler e escrever; fala-se em múltiplas linguagens – e esse é modo ideal na educação infantil. A escrita entra como uma linguagem. É uma linguagem fundamental, mas não é mais importante que as demais nessa fase, como a arte, o movimento, ou como desenvolver relações com os outros”, afirmou, ressaltando que o mundo da escolarização tradicional não funciona com os pequenos. “O que me preocuparia seria a falta do brincar, porque brincar é a melhor forma de as crianças conhecerem o mundo. Temos de respeitar esse sujeito, que funciona de uma forma muito peculiar.”

Mas a ausência de uma perspectiva mais sólida de letramento das crianças pode, quando da chegada daquelas com menos repertório sociocultural familiar ao ensino fundamental, representar uma pressão adicional ao processo de alfabetização, cujos alicerces de oralidade já poderiam estar presentes na educação infantil, sem ferir o caráter lúdico da etapa. E atendendo a um anseio de aprendizagem que, na maior parte dos casos, é da própria criança.


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