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Edição 220

Mudança de perfil

Expectativa de vida dos brasileiros aumentou 12,4 anos entre 1980 e 2013. Estima-se que, em 2050, haverá cerca de 16 milhões de pessoas com 80 anos ou mais no país

Publicado em 31/07/2015

por Luciano Velleda

Mudança de perfil

 

© iStockphoto
Grupo de idosos reunidos em praça do Rio de Janeiro: em torno de 12% da população brasileira tem 60 anos ou mais, segundo o IBGE

 
Por muitas décadas, em especial durante o regime militar, o Brasil projetou a imagem de um país pujante, formado por uma legião de jovens aptos ao trabalho. Mas os dados da Tábua Completa da Mortalidade 2013, publicados em dezembro de 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ratificam uma realidade nacional em mutação permanente nas últimas décadas, com o aumento da expectativa de vida de homens e mulheres que nascem no Brasil e o envelhecimento da população.
Entende-se como expectativa de vida o número médio de anos que um grupo de pessoas nascidas no mesmo ano pode esperar viver, se mantidas, desde o seu nascimento, as probabilidades de morte existentes no ano em consideração.
As estatísticas mostram que a expectativa média de vida de homens e mulheres subiu de 74,6 anos em 2012 para 74,9 anos em 2013, um aumento de 3 meses e 25 dias de vida em relação ao ano anterior. Ao se separar os dados por sexo, as mulheres vivem mais. Para a população masculina, o aumento foi de 3 meses e 29 dias, passando de 71 anos em 2012 para 71,3 anos em 2013. Para elas, o ganho foi um pouco menor (3 meses e 14 dias), passando de 78,3 anos para 78,6 anos. Visto assim, parece pouco significativo, mas não é.
Ao se analisar a evolução histórica do aumento da expectativa média de vida do brasileiro nas últimas décadas, vê-se o quão radical tem sido essa mudança na estrutura social e econômica do país. Em 2003, a expectativa média de vida era de 71,3 anos; e em 1980, era de 62,5 anos. Ou seja, num arco de 33 anos, de 1980 até 2013, a expectativa de vida do brasileiro aumentou 12,4 anos -aumento anual médio de 4 meses e 13 dias de vida.
A situação brasileira acompanha um contexto mais amplo, mundial, embora a evolução seja diferente entre os países ricos, em desenvolvimento e os países pobres. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a expectativa de vida mundial histórica, em 1820, era de apenas 26 anos; em 1900 subiu para 31 anos; em 1950 era de 49 anos; e em 2010 alcançou 67 anos. Ou seja: em quase dois séculos, a expectativa de vida mundial aumentou em impressionantes 41 anos. Para 2100, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que alcançará 81 anos.
Razões para o fenômeno
Na opinião de Fernando Albuquerque, gerente do Projeto Componentes da Dinâmica Demográfica do IBGE, há uma série de razões para o aumento da longevidade do brasileiro, destacando-se a diminuição da mortalidade infantil e dos idosos de 70 anos ou mais.
A redução da mortalidade infantil está relacionada a melhorias ambientais, de nutrição, avanços científicos e de higiene pública, como a maior proporção de residências com saneamento básico adequado. A taxa de mortalidade infantil (até 1 ano de idade), em 2013, ficou em 15 para cada mil nascidos vivos – em 1980 estava próxima dos 70 por mil nascidos vivos, o que significa uma queda vertiginosa de 78,3% nas mortes de menores de 1 ano. O mesmo ocorreu com a mortalidade da infância (até 5 anos de idade). Em 1980, eram 84 óbitos por mil; em 2013, são 17,4 por mil – um declínio de 79,3%.
Na diminuição da mortalidade entre idosos, quem puxou para cima a estatística brasileira foram as mulheres. Além dos avanços médicos e farmacológicos, o gerente do IBGE destaca os programas de atenção ao idoso, como a aposentadoria rural, o benefício de prestação continuada (que permite renda ao idoso para comprar seus medicamentos) e o estatuto do idoso, que possibilita uma série de avanços na atenção às pessoas com mais de 60 anos.
Em âmbito mundial, o aumento da expectativa de vida tem espaço para seguir avançando. Dados da ONU mostram que, na comparação entre os períodos de 1950-1955 e de 2005-2010, a mortalidade infantil mundial caiu de 133 mortes para cada mil nascimentos para 46 por mil. Nos países desenvolvidos, a queda foi de 60 para 6 por mil; nos países em desenvolvimento, de 151 para 50 por mil; nos países muito menos desenvolvidos, foi de 192 para 80 por mil.
Ou seja, há ainda possibilidade de reduzir a mortalidade infantil nos países de renda média e baixa, o que contribuiria para tornar realidade a projeção do aumento da expectativa de vida mundial até 2100. As projeções da ONU são de que a expectativa de vida alcance 88 anos nos países mais desenvolvidos, 80 anos nos países em desenvolvimento e 77,5 anos nos menos desenvolvidos.
Envelhecimento da população
Embora à primeira vista o aumento da expectativa de vida tenha como consequência o envelhecimento da população, especialistas se apressam em explicar que são fatores bem distintos. Enquanto a longevidade está relacionada à diminuição da mortalidade infantil, aos avanços da ciência e da tecnologia e à melhora da alimentação, entre outros aspectos, o envelhecimento de uma sociedade tem como fator primordial a queda na taxa de fecundidade.
O que já é realidade há tempos na Europa agora ocorre também no Brasil, de modo acelerado. Na década de 1970, as mulheres brasileiras tinham, em média, 5,8 filhos; hoje têm, em média, 1,74 filho. Com a queda acentuada das taxas de fecundidade, o envelhecimento rápido da sociedade brasileira está ocorrendo em condições desfavoráveis.
Enquanto os países desenvolvidos primeiro enriqueceram para depois envelhecer, o Brasil está envelhecendo com uma enorme parcela da população na pobreza e até na miséria. Segundo o Banco Mundial, países da Zona do Euro têm uma renda per capita anual de US$ 30 mil, ao passo que a brasileira está um pouco abaixo dos US$ 10 mil.
Alemanha, França, Inglaterra e Canadá tiveram tempo e recursos financeiros para gradualmente investir em políticas públicas de cuidado e atenção ao idoso, algo que em outras épocas acontecia no âmbito da própria família. Uma época em que as famílias eram grandes, com muitos filhos, em que com frequência havia uma filha solteira, ou mesmo casada, solidária a cuidar dos pais idosos. Acrescenta-se a esse antigo quadro a baixa participação feminina no mercado de trabalho, o que dava mais tempo para cuidar da família.
Com tempo e recursos financeiros, os países ricos foram se moldando à nova realidade, substituindo aos poucos o cuidado doméstico por serviços públicos. Uma realidade ainda muito distante por aqui. Embora tenham havido avanços em políticas públicas para idosos nos últimos anos, o Brasil ainda carece de uma rede hospitalar pública eficiente, principalmente longe dos grandes centros urbanos, assim como de acesso a medicamentos e exames com agilidade.
Os desafios da idade
Segundo o IBGE, entre 2001 e 2011 o percentual de habitantes no Brasil com 60 anos ou mais subiu de 9% para 12% do total da população, um crescimento de 15,5 milhões para 23,5 milhões em uma década. E a tendência é continuar avançando. Projeções da Global AgeWatch Index 2014, da ONG HelpAge International, estimam que 29% da população brasileira terá mais de 60 anos em 2050, sendo que 16 milhões terão 80 anos ou mais. É um enorme desafio para o poder público e para a sociedade: a população dependente poderá ser maior que a economicamente ativa.
Além da saúde pública, há a questão previdenciária. Para o coordenador do Centro de Microeconomia Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Portela, o Brasil precisa investir em infraestrutura, aumentar a participação da mão de obra idosa no mercado e o tempo da vida profissional dos brasileiros para fazer frente a essa questão.
Estudos do Panorama de Previdência da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os gastos públicos com pensões mostram que o governo brasileiro gastou 8,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no sistema previdenciário em 2010. A China, no mesmo período, gastou apenas 2,2%. Para 2050, a perspectiva é ainda maior: os gastos com a previdência representarão quase 16% do PIB brasileiro. De certa forma, viver muito é um mau negócio para os governos e exige um acurado planejamento financeiro do futuro idoso desde o início da fase adulta.
Para além da questão financeira, o médico Alexandre Kalache, ex-chefe do Programa de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil, costuma ressaltar em suas palestras e entrevistas a importância de políticas públicas que garantam a qualidade de vida dos idosos.
Kalache lembra que cada vez mais as mortes de pessoas acima de 60 anos são causadas por doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, que incapacitam e tiram a qualidade de vida da pessoa. Segundo o médico, a proporção de mortes de pessoas acima de 60 anos corresponde a 67% do total. Neste cenário, o desafio dos governantes é investir na saúde dos idosos, faixa etária que mais exige recursos. Envelhecer tendo acesso a serviços públicos de qualidade, renda garantida e autonomia confere dignidade a essa fase da vida, incluindo educação continuada e participação na vida social. Todos estes aspectos moldam o que os especialistas definem como “envelhecimento ativo”. Ao que tudo indica, é bom cada um de nós já ir se preparando.

Autor

Luciano Velleda


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