NOTÍCIA
Estudantes que são ouvidos tendem a ficar mais satisfeitos e ainda podem fazer divulgação espontânea da marca. Pensando nisso, instituições de ensino investem cada vez mais na manutenção de efetivos canais de comunicação entre direção e estudantes
Publicado em 13/07/2015
O abafamento provocado pelo calor nos meses mais quentes do ano já vinha se tornando uma reclamação constante por parte considerável dos alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do campus Higienópolis, em São Paulo. Com dificuldade para manter a concentração em salas de aula sufocantes, a demanda dos estudantes, e também dos professores, por ambientes climatizados passou a ser cada vez mais recorrente na ouvidoria da instituição. Como resposta, a reitoria reuniu os representantes estudantis e explicou as dificuldades para a execução da obra, que incluíam desde trâmites legais para reformar um prédio histórico até a necessidade de um novo projeto elétrico que oferecesse maior capacidade energética. Com o tempo, a demanda começou a ser atendida e hoje todas as salas dos cursos de engenharia, direito e arquitetura possuem aparelhos de ar-condicionado instalados.
O caso exemplifica a preocupação das instituições de ensino em manter um diálogo constante e ouvir as reivindicações de seus alunos, mesmo que nem todas possam ser resolvidas de imediato, e com isso evitar que um atendimento inadequado se transforme em uma potencial situação de crise. Uma comunicação deficitária ou mesmo inexistente entre alunos e faculdades pode elevar o status de uma pequena reclamação e gerar uma possível crise institucional, que custaria tempo e esforço para ser solucionada. Em uma situação hipotética, após não encontrar sucesso no contato com a direção, o aluno descontente poderia compartilhar sua insatisfação com os demais colegas e, em seguida, publicar a reclamação nas mídias sociais, fazendo com que a situação extrapolasse o ambiente acadêmico e alcançasse uma dimensão de difícil controle ou ruim para a imagem da instituição.
Todo esse processo pode ter como origem demandas muitos simples, como problemas no atendimento da secretaria ou ainda a demora na entrega de documentos. Voltando ao caso do Mackenzie, o reitor Benedito Guimarães Neto explica que a solicitação dos alunos pela climatização das salas de aula, em fase final de implantação, demorou cerca de um ano e meio para sair do papel, em grande parte devido às implicações já mencionadas, e só não está finalizada por uma questão adicional. Obras de maior porte somente podem ser realizadas no período de férias, quando as salas estão vazias, estendendo assim o prazo de conclusão. Entretanto, isso não se torna um problema à medida que os alunos percebam que foram ouvidos e que a sua solicitação está sendo atendida.
A preocupação das universidades em obter essa satisfação, e com isso a fidelização de seus estudantes e a própria promoção da marca, pode ser mensurada pelo número de canais de interação e informações disponíveis. Ouvidorias, coordenadorias e centrais de atendimento ao aluno recebem solicitações ou reclamações de todas as áreas possíveis, tanto por telefone quanto por e-mail, e cada instituição assume uma postura diferente para o seu atendimento. Entretanto, o recomendado é nunca deixar o aluno sem uma resposta, mesmo que não seja definitiva ou que o desagrade por não ser possível atendê-lo naquele momento.
Uma importante ação que está sendo implantada pelo Mackenzie é um sistema para acompanhar o atendimento ao aluno. Toda solicitação ficará registrada em um histórico e será possível conferir as demandas encaminhadas e o tempo despendido para a resolução de cada uma delas. Essa ação virá acompanhada da descentralização da atual coordenadoria de processos e controle acadêmico, que atualmente atende tanto os estudantes de graduação quanto os de pós-graduação. “Não tem sentido o aluno entrar numa fila de atendimento para resolver um problema de matrícula junto com outro que simplesmente quer saber onde é a sala de aula. Partindo do perfil do aluno, podemos oferecer um atendimento seletivo. Na pós, o estudante já viveu uma experiência de graduação. Normalmente não tem muito tempo e precisa que os processos sejam mais rápidos e objetivos”, explica o reitor.
“Nem todas as demandas nós conseguimos atender. Entretanto, procuramos sempre manter um espaço de diálogo com os alunos para que eles sejam ouvidos e a resposta devida seja dada.” A afirmação é de Marcelo Rodrigues, gerente de eventos e comunicação da Faculdade Cásper Líbero. Para efetivar essa postura de diálogo, a instituição estabeleceu diversos canais de interação, incluindo o e-mail ‘Fale com a direção’, as mídias sociais Facebook, Twitter e YouTube e reuniões bimestrais entre representantes da direção e alunos líderes de turmas. Rodrigues conta que, na maioria dos casos, a demanda é recebida, encaminhada aos setores responsáveis e em seguida respondida pelo mesmo canal de contato escolhido pelo estudante. Nas mídias sociais, um cuidado adicional. O gerente ressalta que a postura da faculdade é a de ‘nunca entrar em confronto’. “Em todas as questões delicadas, chamamos o aluno para conversar. Entramos em contato pelo perfil da pessoa ou por e-mail para administrar de forma individual a questão. Já quando é publicada alguma informação falsa, buscamos corrigi-la e encaminhar a informação correta a todos”, explica o gerente.
Respostas rápidas e eficientes. Estas foram as principais preocupações do Instituto Mauá de Tecnologia para o atendimento a seus alunos. Com um sistema terceirizado de call center implantado há seis anos, todas as solicitações são recebidas, analisadas e respondidas. E isso quase que de forma imediata. A central tem como regra encaminhar uma resposta no prazo máximo de uma hora. A coordenadora de relacionamento, Cláudia Pereira, conta que 98% das demandas são solucionadas nesse período, sendo a grande maioria relacionada a questões de matrícula. Nos demais casos, que exigem maior aprofundamento, a equipe busca dar sempre uma resposta personalizada ao aluno, informando em qual estágio se encontra e a previsão de uma solução definitiva, isso para evitar retornos automáticos e impessoais.
O período mais intenso de trabalho no call center começa nos últimos meses do ano e se estende até o início do período letivo seguinte. A coordenadora conta que é bem recorrente a solicitação de informações sobre o vestibular, questões como o percentual de candidatos por vaga em determinado curso, o conteúdo das provas, indicações de material para estudo, e logo em seguida, se passaram ou não. Nos próximos meses, os questionamentos recaem no processo de matrícula, com informações sobre prazos, documentos necessários e a possibilidade da devolução do valor caso passem em outra instituição. Todas essas informações solicitadas pelo aluno ficam registradas em uma ferramenta de CRM (sigla para customer relationship management, que pode ser traduzido por gestão de relacionamento com o cliente) e formam o histórico do estudante desde quando ele ainda era candidato.
Manter o aluno satisfeito e com isso evitar que críticas circulem dentro e fora do meio acadêmico não é nenhuma tarefa de outro mundo. Para o diretor da consultoria Intaag Educacional, Edwin Parra Rocco, o fundamental é ouvir os alunos. E não basta apenas que as faculdades implantem mecanismos de interação, como as ouvidorias. Elas precisam ser efetivas. Ou seja, devem acompanhar todo o processo da demanda e apresentar a conclusão ao estudante, mesmo que o resultado final aponte que a solicitação não poderá ser atendida.
O processo parece simples, mas na prática nem sempre é assim, afirma o consultor. O motivo é que muitas vezes surgem percalços no caminho da informação e ela acaba se perdendo antes mesmo de completar o ciclo. Rocco conta que um dos problemas pode estar justamente no contato entre os diferentes setores. “Quando uma solicitação chega à diretoria, é muito comum que ela não a resolva e ainda pegue ‘birra’ da ouvidoria ou da pessoa que chefia o setor”, revela. Já em outros casos, diz ele, a demanda é solucionada, mas a resposta não é encaminhada à central de atendimento. Sem o acompanhamento, a informação não chega ao aluno, que, insatisfeito, pode partir para o ataque mesmo tendo sido atendido. Ou seja, a solução não é dispendiosa e depende principalmente de um ajuste de sintonia entre os departamentos envolvidos.
Mas a principal questão mencionada pelo consultor é que a maioria das instituições de ensino ainda não está devidamente preocupada com a satisfação dos seus estudantes e mantém a atenção mais voltada a ações de recrutamento. Além disso, ainda segundo ele, a maior parte das escolas segue apostando no valor das matrículas como principal fator para retenção dos seus alunos, conduta que pode levar a uma potencial armadilha. “Pagar R$ 100 a mais na mensalidade vale a pena desde que o aluno seja bem atendido. Os mantenedores precisam abrir o olho para isso. É preciso mudar o responsável pelo departamento ou mudar a maneira de agir, porque vão começar a perder alunos”, prevê. Entretanto, essa realidade vem mudando aos poucos ao longo dos últimos anos e é cada vez maior, segundo ele, o número de instituições mais atentas ao bem-estar dos seus estudantes, principalmente os grandes grupos educacionais e pequenas faculdades de excelência com foco em determinadas áreas de formação.
Críticas sobre a atuação dos professores também chegam regularmente à Central de Atendimento ao Aluno (CAA) da Universidade Cruzeiro do Sul e são as principais queixas dos estudantes durante o período de provas. A coordenadora, Vanda Maria Martins, conta que é comum receber diversas acusações sobre professores que não teriam passado em aula todo o conteúdo aplicado nas avaliações. Para solucionar rapidamente esses casos e encerrar o impasse de forma pacífica, o departamento acessa a plataforma digital Blackboard, local onde os professores costumam publicar o material das aulas. “Tudo fica registrado lá. Se o aluno disser que o professor não deu parte da disciplina, podemos provar isso. Mas na maioria das vezes as reclamações são injustificadas e os próprios alunos solicitam o cancelamento do processo”, comenta.
Essa e todas as demais reivindicações ficam registradas formando um histórico do estudante, que inclui o tempo para o atendimento, a descrição das atividades realizadas e os prazos de conclusão. “A vida inteira do aluno fica registrada no sistema, tudo o que ele pergunta, suas solicitações e acompanhamentos. Também podemos controlar se os e-mails de resposta foram lidos”, completa Vanda.
O peso da satisfação dos alunos na avaliação do MEC |
A eficiência na comunicação e, por consequência, a satisfação do aluno podem render bons frutos às instituições de ensino superior. E não somente como uma forma de evitar possíveis crises. A percepção dos discentes responde por 15% do Conceito Preliminar de Curso (CPC). Ou seja, pequenos atritos que teriam sido resolvidos facilmente apenas com diálogo poderão ter reflexos no futuro, quando esse aluno responder ao Questionário do Estudante, um dos instrumentos de avaliação do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Nos últimos anos, a composição do CPC sofreu diversas alterações, incluindo a criação e exclusão de indicadores e também o peso de cada um deles para a composição final da nota. Já se tratando do percentual destinado exclusivamente à opinião dos alunos, pouca coisa mudou. De 2010 a 2014, subiu de 10% para 15%, o mesmo valor destinado ao parâmetro de professores com doutorado. Uma pequena alteração foi a inclusão do indicador ‘Oportunidades’, que se juntou aos dois demais – ‘Organização didático-pedagógica’ e ‘Infraestrutura’. Mas a principal mudança ficou por conta do formato em que a avaliação é realizada. Um grupo de trabalho composto por integrantes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e de representantes de entidades relacionadas ao ensino superior reformulou completamente o questionário aplicado aos estudantes. Anteriormente, tinha apenas uma questão sobre infraestrutura e outra para projeto pedagógico, com alternativas de resposta que variavam entre ‘sim’, ‘sim para a maior parte’, ‘sim para alguns’ e ‘não’. O novo formato passou a contar com 42 questões e adotou a escala Likert para as respostas. Nela, as alternativas variam entre 1 – discordo totalmente – e 6 – concordo totalmente – e conta ainda com a opção ‘não sei responder’. Ou seja, com a reformulação, o aluno passou a ter a possibilidade de revelar o grau mais aproximado de satisfação, podendo assim oferecer uma resposta precisa. Para as instituições, a atualização foi positiva. Com as mudanças, o resultado final do questionário se tornou mais realístico, auferindo assim menor margem de erro. |
Reclamações campeãs |
Ouro: Atraso na entrega das notas das provas. Solução: capacitar e cobrar os professores.Prata:Atendimento ruim na secretaria e tesouraria. Solução: investir na capacitação dos funcionários.Bronze: Professor desatualizado com a tecnologia. A faculdade dispõe de recursos modernos que não são utilizados. Solução: capacitar e cobrar os professores. |