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Publicado em 04/11/2014

Epidemia global

Desde o começo deste século, o mundo já viu eclodir pelo menos três grandes epidemias antes da atual ebola. A maioria das doenças surgidas neste terceiro milênio tem como característica a transmissão por vias aéreas, como o chikungunya, que já chegou ao Brasil

Corbis
Policiais vestem máscaras ao atender caso suspeito de ebola em Berlim

Minutos antes de pousar no aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, o comandante do avião comunica às autoridades sanitárias ter a bordo um homem de 25 anos, jornalista, de nacionalidade alemã e que passou a ter febre quatro horas após o início da viagem. O comandante avisa que o homem está acompanhado da esposa e de dois amigos, todos vindos do Barein, no Oriente Médio, e que o jovem jornalista trabalhou há pouco em Serra Leoa – o país africano é um dos mais atingidos pelo vírus ebola. As informações do piloto para o pessoal em terra desencadeiam um alerta geral e uma série de medidas de emergência.

Ao tocar o solo, a aeronave é encaminhada para uma área isolada do aeroporto. A seguir, o passageiro com os sintomas da doença é retirado pelas equipes do Corpo de Bombeiros, trajando equipamentos de proteção individual, e levado por uma ambulância especialmente preparada para a operação, diretamente ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas. A cena, ocorrida no último dia 16 de setembro, foi apenas um ensaio. Mas os cuidados com os procedimentos da simulação indicam que as autoridades de saúde pública estão cientes do perigo que representa a chegada do vírus ebola ao Brasil.

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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre os dias 23 de março e 22 de setembro foram oficialmente identificadas 5.843 pessoas infectadas com ebola, sendo que 2.803 morreram. Neste mesmo período, 337 profissionais de saúde se infectaram e 181 faleceram. As estatísticas revelam o que já se sabia: o grau de letalidade do ebola é altíssimo. Serra Leoa, Guiné e Libéria são os países mais afetados. Há também casos na República Democrática do Congo, e de modo mais controlado na Nigéria e Senegal. Projeções indicam que até o final do mês de outubro em torno de 20 mil pessoas podem ser infectadas nestes países. A situação é tão dramática que no dia 19 de setembro a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança da ONU aprovaram resoluções que estabelecem a Missão das Nações Unidas para a Resposta de Emergência contra o Ebola – é a primeira vez na história da ONU que a organização cria uma missão especial para uma emergência em saúde pública. Em nota oficial, a OMS reconheceu em setembro que a atual epidemia de ebola é, provavelmente, o maior desafio em tempos de paz já enfrentado pela OMS e pela ONU. “Nenhum de nós, experientes em conter surtos, já enfrentou uma situação de emergência nesta escala, com esse grau de sofrimento, e com esta magnitude das consequências em cascata”, disse, em nota oficial, a diretora-geral da OMS, Dra. Margareth Chan.

Um velho conhecido
O vírus ebola foi identificado pela primeira vez em 1976, no Zaire (atual República Democrática do Congo), e, desde então, tem produzido vários surtos no continente africano. O vírus foi transmitido para seres humanos que tiveram contato com sangue, órgãos ou fluidos corporais de animais infectados, como chimpanzés, gorilas, morcegos-gigantes, antílopes e porcos-espinhos. Existem cinco espécies de vírus ebola, sendo o Zaire ebolavirus o que apresenta a maior letalidade, geralmente acima de 60% dos casos diagnosticados.

A grande diferença entre as outras situações em que o ebola foi diagnosticado e o que ocorre agora é o surgimento do vírus em cidades densamente habitadas. “Até então o ebola havia aparecido em lugares inacessíveis, em pequenas aldeias. Dessa vez eclodiu numa área populosa e se expandiu rapidamente”, pondera Jessé Reis Alves, infectologista coordenador do Núcleo de Medicina do Viajante do Hospital Emílio Ribas. “O que me salta aos olhos é uma situação sem precedentes, em termos de mortalidade e risco.” Para o infectologista, a incapacidade de atendimento dos hospitais em Serra Leoa e Libéria, países muito pobres, contribui para a expansão do vírus. “Se nada for feito, a expectativa é muito sombria para esses países”, diz ele.

Embora reconheça a gravidade da situação e a importância da simulação realizada no aeroporto de São Paulo, Alves acredita que a probabilidade de o vírus chegar ao Brasil é pequena, levando em conta que o país não tem voos diretos com os países africanos afetados. “Para chegar aqui, a pessoa precisaria fazer conexão ou escala em outro país. Ela provavelmente chegaria doente e seria identificada”, afirma, explicando que a transmissão do ebola só ocorre quando o indivíduo já está com os sintomas, o que é muito melhor do ponto de vista médico.

Outras epidemias
Desde o começo deste século, o mundo já viu eclodirem pelo menos três grandes epidemias antes da atual com o ebola. A primeira foi em 2003, com o surgimento da Síndrome Respiratória Aguda Grave, que ficou conhecida pela sigla em inglês SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome). Os primeiros casos de SARS associadas ao coronavírus (SARS-CoV) foram relatados na China em 2002. O vírus se espalhou velozmente para mais de doze países na América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia. Segundo a OMS, 8.098 pessoas adoeceram mundialmente com SARS durante o surto de 2003. Desse total, 774 morreram. Desde 2004, nenhum caso de SARS tem sido relatado mundialmente. O coronavírus (CoV) integra uma espécie de “grande família viral” conhecida desde meados dos anos 1960. Normalmente causa doenças respiratórias de leve a moderada, parecida com um resfriado comum. Alguns coronavírus, entretanto, como o da SARS, podem causar síndromes respiratórias graves.

A primeira pandemia do século 21 veio à tona em 2009, com o vírus H1N1, que acabou popularmente conhecido como sendo o causador da gripe suína. O H1N1 mostrou ao mundo o quanto rapidamente um novo vírus pode se alastrar atualmente, considerando o grande intercâmbio de passageiros em voos internacionais que, em poucas horas, transportam uma pessoa de um lado ao outro do planeta. Por sorte, o H1N1 mostrou-se pouco letal e a pandemia acabou sendo bem mais branda do que imaginada inicialmente.

Somente três anos depois, em abril de 2012, outro coronavírus, distinto daquele que causou a SARS-CoV, foi descoberto. O novo coronavírus era desconhecido como agente de doença humana até sua identificação, inicialmente na Arábia Saudita e, posteriormente, em outros países do Oriente Médio, na Europa e na África. Pela localização dos casos, a doença passou a ser chamada de Síndrome Respiratória do Oriente Médio e difundida pelo mundo através da sigla em inglês MERS (Middle East Respiratory Syndrome), sendo o novo vírus nomeado coronavírus associado à MERS (MERS-CoV). Até o dia 4 de julho deste ano, 827 casos de MERS no Oriente Médio, Europa, África e Estados Unidos foram confirmados e relatados à OMS, incluindo 287 óbitos.

Saúde Global
Com exceção da MERS (cuja transmissão ainda não está esclarecida) e do ebola, as outras doenças surgidas neste terceiro milênio têm como característica a transmissão por vias aéreas. “Todos os grandes surtos na história recente, como a SARS, que começou em Hong Kong, ou a gripe suína H1N1, são transmitidos pelo ar, por vias aéreas, ou através de um mosquito como vetor”, explica o infectologista Jessé Reis Alves.

É o que está acontecendo agora com o chikungunya – vírus transmitido pelos mosquitos Aedes aegypti (o mesmo da dengue) e Aedes albopictus –, que já infectou cerca de 55 mil pessoas no Caribe e Estados Unidos. Embora raramente seja fatal, o vírus é extremamente debilitante.

O nome chikungunya tem origem numa palavra africana que pode ser traduzida como “contorcido de dor” – além da febre alta e dor de cabeça, o principal sintoma é uma fortíssima dor nas articulações. O chikungunya já chegou ao Brasil. Segundo o Ministério da Saúde foram identificados 37 casos importados (de pessoas que viajaram para países onde está acontecendo a transmissão do vírus) e 16 casos autóctones (pessoas contaminadas pelo mosquito em solo brasileiro), sendo 2 no Oiapoque, no Amapá, e 14 em Feira de Santana, na Bahia. “Precisamos pensar no conceito de saúde global. Não adianta pensar em saúde restrito a uma cidade ou estado. O que acontece no outro lado do mundo pode refletir aqui. As pessoas se deslocam numa velocidade maior do que o período de incubação do vírus”, destaca o infectologista do Emílio Ribas.

Neste mundo conectado e globalizado, as recentes epidemias e pandemias fazem cair por terra o antigo mito de que só países muito pobres são vulneráveis. É verdade que a incapacidade de países pobres em cuidar dos seus pacientes, como está acontecendo agora com o ebola na África, acaba por agravar o quadro geral. Mas isto não significa que grandes centros urbanos mais desenvolvidos estejam imunes. E a cada novo surto fica evidente que, além de recursos médicos e financeiros, a informação é também uma medida capaz de salvar vidas.

Vírus pelo mundo

O ebola está presente em forma de transmissão generalizada na Guiné, Libéria e Serra Leoa. A Nigéria foi declarada livre da doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e passou a figurar junto a Espanha e Estados Unidos na lista de países com áreas afetadas por casos relacionados a viajantes e transmissão localizada. O Mali e o Senegal também apresentaram casos associados a viagens, mas sem transmissão associada. A chegada do vírus aos Estados Unidos fez soar o alarme dos países na América do Norte, Central e Sul, esta última até então mais afetada pelo chikungunya, novo vírus transmitido pelo Aedes.  Entre os países que apresentam a transmissão da doença estão República Dominicana, Haiti, Venezuela, Ilhas do Caribe e Guiana Francesa. No final de outubro, a França registrou quatro infecções pelo vírus em uma mesma família. A febre chikungunya é uma doença viral raramente fatal e transmitida por meio de mosquitos infectados, cujos sintomas incluem febre alta e dor de cabeça com dores significantes nas juntas e que podem persistir por várias semanas. Os sintomas começam a aparecer entre quatro e sete dias após a picada.


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