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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 28/02/2014

Carta para Florestan

Achando que tinha visto de tudo, eis que me deparo com a ocupação das escolas pela PM

Eu sei, meu amigo, que pode parecer inverossímil aquilo que te irei contar, mas crê ser a mais pura verdade. Um governador de estado inaugurou uma escola construída no Padrão Século XXI, que custou quase três milhões (sic). Pouco tempo após a pompa e circunstância da inauguração, um jovem aluno foi morto a tiro dentro dessa (dita) escola modelo.A diretora disse que o rapaz tinha comportamento normal e boas notas. O porteiro prestou depoimento: a Polícia Militar vem, ajuda, mas quando eles saem os marginais voltam. Acrescentou que o colégio tinha encomendado uma barreira de proteção em volta do prédio “mas, antes de ficar pronto, infelizmente aconteceu essa tragédia”.Um superintendente da secretaria de Educação averiguou as condições da infraestrutura de segurança e afirmou: um circuito de câmeras de monitoramento será instalado ao redor de toda a escola. E a Polícia Militar, por sua vez, informou que fará rondas. Porém, apesar das garantias, poucos alunos apareceram na instituição na manhã seguinte. E uma mãe decidiu mesmo tirar o filho daquela escola, porque se cansou de ouvir os relatos do menino, que afirmou ter testemunhado o uso de drogas no local.

Culminando esta insana sequência de fatos, essa escola, que era pública, se tornou uma instituição militar e, a acreditar na mídia, pretende cobrar alguns reais pela matrícula, em mensalidade, uniforme, e os estudantes terão de jurar a bandeira, respeitar uma rígida hierarquia (sic).

A Secretaria de Educação admite que algumas escolas vão ser administradas pela Polícia Militar. E a Secretaria de Segurança Pública afirma que a medida foi tomada para diminuir a violência escolar.Diz a minha amiga Ely que pais e governo comemoraram o plano de recuperação da qualidade da escola, através da colocação de policiais militares formados em pedagogia, uma solução retrógrada, talvez inconstitucional e desnecessária. Concordo com a Ely. Quanta ignorância a de pensar que se poderá acabar com a violência explícita com recurso à violência simbólica, numa escola-caserna! Quero crer que seria melhor solução juntar ao currículo de formação de professores de disciplinas como: abordagem policial, balística, biologia forense, ou introdução à criminalística.

Caro Florestan, na minha provecta idade, estava crente de que já tinha visto tudo, mas estava imbuído daquele engano de alma ledo e cego, que a fortuna não deixa durar muito… Eis senão quando, este português, cioso da sua herança cultural, encontrou uma razão para reagir: a ocupação das escolas pela PM começará no Colégio… Fernando Pessoa. Por que não deixam o poeta em sossego? E por que se calam os educadores brasileiros, permitindo que a poesia e a pedagogia sejam vilipendiadas?

Quando passavas pelo DOPS, sabias que o teu sentido de dignidade poderia ditar para ti o mesmo destino do Herzog. Outro Fernando, o Azevedo, evitou que fosses torturado. Mas foste cassado pelo regime militar e preso. Valeu a pena? Diria o Fernando poeta que tudo vale apena, quando a alma não é pequena. E o que não vale a pena é perder o dom da indignação.

Querido amigo, que os educadores brasileiros se orgulhem do teu exemplo e se oponham a políticas públicas desastrosas. Que sejam aquilo que disseste dever ser um professor: um cidadão e um ser humano rebelde.

* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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