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Autor

Davi Lira

Publicado em 07/01/2014

Uma Copa, muitos calendários

Com autonomia ratificada pelo MEC, redes de ensino definem seus próprios cronogramas de aulas durante a realização do mundial de futebol no Brasil

Léo Corrêa/Arquivo Secom

Se não fosse o professor fanático por futebol, dificilmente o então estudante Roberto Franklin, hoje presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), saberia do resultado da partida decisiva entre Brasil e Espanha realizada em 1962. Sem ter tido suas aulas suspensas durante a Copa do Mundo do Chile, não foi fácil para o jovem aluno acompanhar a vitória da seleção canarinho. A confirmação da virada por 2 X 1 contra a seleção adversária somente pôde ser conferida porque o professor permitiu ao jovem dar uma escapulida da aula para ir até à cantina, onde funcionários escutavam a partida pelo rádio. A polêmica falta do jogador Nilton Santos – que deveria render um pênalti para a Espanha -, contudo, Franklin não conseguiu acompanhar.

Com tais memórias, até hoje conservadas, o presidente da CNTE é firme quanto à necessidade de as escolas brasileiras adequarem seus calendários de modo a contemplar o evento mais representativo do mundo do futebol, uma paixão nacional do brasileiro. Ainda mais neste ano em que o país é a sede da competição. “A Copa é uma realidade que está dada e vai acontecer. Atrapalhar, de alguma maneira ela atrapalha, mas as escolas precisam se adaptar. Elas não estão imunes ao impacto que o futebol representa na nossa sociedade”, diz Franklin.

Com a definição do país como anfitrião do torneio e os inevitáveis impactos de um campeonato dessa magnitude, foi necessária a elaboração de uma série de normativos para assegurar a plena organização do evento. Um dos mais importantes foi a Lei Geral da Copa, regulamentada, por meio de decreto, pela presidente Dilma Rousseff em agosto de 2012. Além das questões mais relacionadas à realização do torneio, um dos pontos destacados são férias escolares.

Impasse resolvido
No decreto, a recomendação expressa é que os sistemas de ensino, tanto públicos como privados, deveriam ajustar os seus calendários escolares, de modo que as férias do meio do ano contemplassem todo o período de realização da Copa. O campeonato se estende entre os dias 12 de junho E 13 de julho. A nova normativa, no entanto, batia de frente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) datada de 1996. Isso porque a LDB define que o calendário escolar seja adequado às peculiaridades de cada localidade. Além disso, a LDB sequer obriga os sistemas de educação a cumprirem períodos de férias. Ela estabelece apenas que o período mínimo de atividade escolar seja de 800 horas anuais distribuídas em, no mínimo, 200 dias letivos por ano.

Para resolver o impasse, a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) encaminhou, em julho, uma consulta para a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educacão (CNE), órgão consultor do ministério. Após discussões, a Câmara aprovou o parecer elaborado pelo conselheiro Mozart Neves Ramos. Para o CNE, a interrupção das atividades letivas deve ser feita de forma que a norma da LDB seja cumprida.

A Lei Geral da Copa “não se aplica” em detrimento do disposto na LDB “justamente porque não o revogou e nem é norma específica do processo educacional brasileiro”, cita o relatório, aprovado em dezembro de 2012. Mesmo deixando livre para as redes de ensino definirem seu próprio calendário escolar, o parecer do CNE recomenda que sejam feitos “eventuais ajustes nos calendários escolares em locais que sediarem jogos”. Para a realização do evento no país, foram escolhidas 12 capitais brasileiras como cidades-sede: Manaus, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Cuiabá, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. 

Tais recomendações foram seguidas pelo MEC, que homologou o parecer do CNE em despacho publicado em março do ano passado.  Na ocasião, a pasta informou “que deve prevalecer o bom senso”. E mais: para o ministério, é  “plenamente possível conciliar a atenção que o evento de tamanha magnitude atrai com o calendário de aulas, dentro das especificidades de cada sistema de ensino”. No âmbito da autonomia que cada rede desfruta, o importante é adequar a programação de forma a garantir os 200 dias letivos previstos pela LDB”, afirma nota publicada pelo Portal da Copa, o site do governo que traz informações oficiais sobre o evento.

Rede pública
Ratificada a autonomia na definição do calendário escolar, as redes públicas de ensino e as escolas privadas começaram a planejar o cronograma de suas atividades pedagógicas de 2014. Cada uma seguiu um caminho particular. A Secretaria Municipal de Belo Horizonte foi uma das que conseguiram aprovar o calendário mais cedo. Em portaria publicada no início de setembro, definiu que o ano letivo nas escolas se iniciará em 4 de fevereiro, com o término previsto para o dia 19 de dezembro. Durante o período da Copa, as escolas entram em recesso. Também ficou estabelecida a possibilidade de utilização de, no máximo, oito sábados letivos para realização de outras atividades pedagógicas, como encontros e formação de docentes.

Enquanto as escolas municipais de BH conseguiram definir o calendário com certa antecedência, grande parte das redes consultadas pela reportagem, no entanto, chegaram a uma definição, praticamente, nos três últimos meses do ano passado. Em Curitiba, as novas datas foram divulgadas pela prefeitura no início de outubro. Ficou estipulado que no dia 3 de fevereiro as atividades se iniciam para os professores. Uma semana depois, é a vez de os alunos retornarem às escolas.

Mesmo sendo uma das cidades-sede, o recesso do meio do ano em Curitiba só vai ocorrer entre os dias 28 de junho e 14 de julho, ou seja, a partir das oitavas de final. A cidade vai receber, durante a primeira etapa do torneio, a fase de grupos, quatro jogos, todos de seleções estrangeiras. A definição do cronograma também foi feita em parceria com as escolas particulares.

Em casa no jogo
Já em Recife, os 90 mil alunos começam as aulas no dia 5 de fevereiro, enquanto que os mais de cinco mil professores municipais iniciarão o trabalho no dia 3 do mesmo mês. As férias vão ocorrer entre os dias 12 e 27 de junho. Ao contrário de Curitiba, a partir das oitavas de final da Copa é que se iniciarão as aulas do segundo semestre. Mas não haverá aulas durante dois dias de jogos (4 e 8 de julho), a serem realizados em outras cidades. Na ocasião, será  realizada uma reunião do conselho pedagógico.

De acordo com o secretário de Educação do Recife, Valmar Corrêa, “toda” a comunidade escolar foi consultada durante a elaboração do calendário. “Foi um trabalho conjunto pensado para não interferir nas atividades no ano da Copa e garantindo o mínimo de 200 dias letivos previstos por lei. Teremos, na verdade, 201 dias letivos. Em 2015, no entanto, o calendário volta ao normal”, afirma Corrêa.

Nas escolas particulares de Pernambuco, a recomendação do sindicato que representa as unidades é que se os alunos forem dispensados nos dias de jogos da seleção –  sempre realizados à tarde -, seja feita uma reposição para os alunos daquele turno. Por lá, as férias regulares só começarão em julho.

Enquanto isso, nas redes municipais de Natal, Fortaleza e nas redes estaduais do Piauí e do Rio de Janeiro, os alunos poderão conferir toda a Copa em suas casas, já que as férias vão compreender exatamente o período de realização do evento. Mesmo que a seleção brasileira não se classifique para a segunda etapa ou para a fase final da competição, os alunos e profissionais da educação poderão desfrutar de todo o campeonato em seus respectivos lares.

Antecipação e aulas
Salvador é outra cidade-sede que decidiu por definir seu recesso durante os dias da Copa. Mas, diferentemente de outras capitais nordestinas, a rede municipal soteropolitana resolveu antecipar o ano letivo. Ele está previsto para começar no dia 22 de janeiro, com o início da jornada pedagógica.

Cuiabá também seguiu a mesma linha de antecipar o ano letivo e conceder férias durante o Mundial. A única diferença é que o retorno dos profissionais da educação será ainda mais cedo, a partir do dia 13 de janeiro. Nas creches, no entanto, os alunos e professores serão dispensados apenas nos dias de jogos da seleção brasileira. Na segunda semana de julho, no período de 7 a 11, haverá recesso. Já na rede estadual do Mato Grosso, por causa da greve de 67 dias no ano passado, ficou definido que o calendário do meio do ano vai ser definido pela própria escola. Isso porque a greve não atingiu todas as unidades de ensino, o que inviabiliza a definição de um calendário uniforme.

Na rede estadual de Rondônia, além de as escolas não terem seu calendário antecipado, haverá aulas durante a realização do mundial. As férias escolares estão marcadas apenas para ocorrer entre os dias 15 e 29 de julho, após o fim do torneio. No entanto, “devido à paralisação dos professores ocorrida no primeiro semestre de 2013, algumas escolas poderão iniciar o ano letivo em data diferente ao do calendário elaborado pela secretaria do estadual”, afirma a pasta.

As escolas municipais de Porto Alegre também não vão conceder férias coletivas. Segundo a secretária municipal Cleci Jurah, o calendário não será alterado pela realização do torneio, exceto nos dias de jogos na cidade. “As escolas farão feriado somente nos dias da realização dos jogos em Porto Alegre, se estes forem decretados, pela prefeitura, ponto facultativo.” Não apenas a capital gaúcha, mas outras cidades-sede aguardam a definição do ponto facultativo nos dias de jogos na localidade ou nas partidas da seleção brasileira, como costumeiramente é feito em tempos de Copa no Brasil.

Em São Paulo
Em São Paulo, os mais de quatro milhões de alunos das escolas estaduais terão férias antecipadas, para ocorrerem exatamente durante o período de realização do mundial. Além disso, o início das aulas também será antecipado de 1º de fevereiro para 27 de janeiro. Além da abertura da Copa, a capital paulista receberá mais cinco outras partidas.

Considerando que as escolas municipais vão conceder recesso durante a Copa, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieesp) e a Federação dos Professores do Estado (Fepesp) recomendam às escolas privadas a manutenção dos 30 dias de férias em julho de 2014.

Você é a favor de mudanças no ano letivo?

“Por ser um ano de Copa, entendemos as modificações que foram feitas no calendário. Afinal, nós não podemos vetar o direito de quem quer ver a Copa. Mas o calendário tem De voltar ao normal ano que vem. Não aceitaríamos essas modificações em 2015”
Maria Izabel Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp)

“Cada Estado vai propor um calendário de um jeito diferente. Nossa preocupação é que não haja prejuízos aos trabalhadores no gozo de suas férias, nem da educação de uma maneira geral”
Roberto Franklin, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)

“As escolas têm De se organizar levando em conta, especialmente, os jogos do Brasil, como elas sempre fizeram. Mesmo quem não é fanático por futebol, acaba se envolvendo com o clima da Copa. Se ajustar ao evento não é uma concessão no pior sentido. As escolas podem aproveitar o evento e realizar atividades relacionadas aos países que vão competir no mundial”
Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP

“Claro que uma cidade como São Paulo deve evitar as aulas no período da Copa. Mas uma cidade do interior do Amapá, que não vai sediar jogos, talvez não precise de férias coletivas durante o mundial”
José Fernandes de Lima, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE)

“No meu parecer sobre o assunto que foi homologado pelo MEC, ratificamos a flexibilidade da definição do calendário que deve ser feita por cada rede de ensino. Elas devem definir seus cronogramas sempre levando em conta suas características locais e respeitando os 200 dias letivos”
Mozart Neves Ramos, conselheiro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE)

Na África, alunos tiveram férias

Sede da última Copa do Mundo de Futebol, a África do Sul resolveu conceder férias coletivas aos estudantes do país durante o torneio realizado, em 2010, entre os dias 11 de junho e 11 de julho. Tão fanática por futebol quanto o Brasil, a nação africana temia os altos índices de absenteísmo de alunos e professores durante os jogos do torneio. As escolas particulares sul-africanas também tiveram de alterar seus calendários e seguir o cronograma estabelecido pelo Ministério de Educação do país.

Além disso, preocupados com as condições de infraestrutura da região, o comitê organizador local e o Ministério de Transportes também pressionavam para que fossem concedidas as férias na Copa. O principal objetivo era aliviar o tráfego das cidades anfitriãs durante a competição.

Sem aulas durante o torneio, assim que retornaram às escolas, os alunos se depararam com outra interrupção, causada pela greve de professores. A paralisação, que durou três semanas, chegou a impactar negativamente os índices de evasão escolar em algumas escolas.


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