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Ensino Superior

Aprendizado em foco

Susan Ambrose defende o respeito à trajetória da aprendizagem e indica um novo desenho para o ensino

Publicado em 24/10/2013

por Ensino Superior

Doutora em história e especialista em pesquisa aplicada à prática do ensino defende o respeito à trajetória da aprendizagem e indica um novo desenho para o ensino, que envolva os alunos de forma ativa
por Camila Viegas-Lee
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Para além da pesquisa em si, são a sua efetiva aplicação prática e os resultados colhidos posteriormente que garantem o reconhecimento do trabalho realizado pelos pesquisadores. A tradução de pesquisas educacionais para o ambiente das salas de aula é justamente a especialidade de Susan Ambrose, professora de educação e vice-reitora sênior para ensino e aprendizagem da Northeastern University. Doutora em história pela Universidade Carnegie Mellon, onde também atuou como diretora do Centro Eberly para Excelência em Ensino e Inovação Educacional, Susan foi responsável por construir a reputação internacional da instituição como um centro que traduz pesquisa para a prática na elaboração de currículos, cursos e experiências educacionais para estudantes de graduação e pós-graduação.
A doutora é ainda coautora de quatro livros. O mais recente, How Learning Works: Seven Research-based Principles for Smart Teaching (Como funciona a aprendizagem: sete princípios baseados em pesquisa para o ensino inteligente) publicado pela editora Jossey-Bass em 2010 e ainda sem tradução para o português, foi aplaudido por integrar a pesquisa fundamental nas ciências cognitivas e na aplicação prática.
Susan será uma das palestrantes do 2º Seminário de Inovação no Ensino Superior, organizado em parceria com o Instituto Expertise, e que ocorre de 11 a 15 de novembro em Boston e Cambridge com aulas nas Universidades Harvard, MIT, Babson College e Olin College. O curso foi formulado especificamente para gestores e líderes acadêmicos brasileiros, com tradução simultânea para o português, e reúne especialistas internacionais para discutir casos de sucesso, metodologias de ensino e estratégias institucionais para a melhoria do relacionamento com os alunos e inovação acadêmica.
Enquanto isso, nesta entrevista exclusiva para a revista Ensino Superior, Susan adianta aos professores e gestores educacionais brasileiros um pouco de sua prática, de como os alunos aprendem e como ensinar a partir de experiências.
Ensino Superior: O tema da inovação nunca esteve tão presente nas discussões sobre o futuro do ensino superior no Brasil e no mundo. O que você considera inovação no ensino superior?
Susan Ambrose: Precisamos entender me­lhor como os alunos aprendem e criar condições para que essa aprendizagem ocorra. Sabemos que as pessoas não aprendem em sermões, sentadas em salas de aula. As pessoas aprendem fazendo, isto é, através da prática, recebendo retorno e integrando esse retorno na prática a seguir. Você aprende a andar de bicicleta pedalando ou a dirigir um carro dirigindo. Da mesma forma, você aprende a escrever escrevendo, recebendo comentários, revisando seu texto, recebendo mais retorno e revisando novamente. O mesmo ocorre em design, na resolução de problemas etc. Portanto, inovar no ensino superior significa redesenhar nossos cursos e nosso currículo para envolver os alunos de forma mais ativa e significativa – em sala de aula, on-line e de formas híbridas.
Como podemos transformar a educação para que se torne mais empreendedora envolvendo professores e alunos nesse processo?
Precisamos capacitar nossos alunos a entender que eles também são capazes de criar, inovar e descobrir novos conhecimentos. Temos de ajudar os alunos a compreender que todo o conhecimento ainda não foi descoberto. E que o papel do estudante não é receber conhecimento passivamente, mas trabalhar ativamente para entender um assunto e ir além desse entendimento, fazendo perguntas. Em outras palavras, precisamos ajudar os estudantes a repensar a aprendizagem porque os acostumamos a pensar que aprendizagem é ouvir o professor e reproduzir o que ele disse. Se queremos que nossos alunos sejam empreendedores, precisamos abrir oportunidades em nossos currículos para que eles pratiquem o empreendedorismo. O que também significa que precisamos tomar consciência da importância de sair de nossas zonas de conforto.
Mas isso não implicaria uma mudança estrutural e levaria à necessidade de assumir novos riscos?
Isso nos leva à questão da avaliação. Se queremos que nossos estudantes assumam riscos e aprendam com seus erros, não podemos simplesmente avaliá-los com base num produto final – não podemos dar uma nota levando em conta apenas um design que não deu certo ou um programa que não funciona. Temos de avaliar o processo, ou seja, o que eles aprenderam com o erro. Isso também reflete a necessidade de repensar totalmente a forma como concebemos as oportunidades de aprendizagem de nossos alunos.
Há um novo fluxo de entrada de universitários das chamadas gerações Y e Z, cuja relação com o uso de dispositivos tecnológicos é muito forte. O que há de novo sobre ensinar e aprender com essas novas gerações?
Todo esse assunto me preocupa. Entendo perfeitamente o poder da tecnologia, mas acredito que em educação devemos usar a tecnologia criteriosamente para atender a nossos objetivos educacionais, sermos mais eficientes e eficazes no ensino e ajudar os alunos a aprender. E não porque achamos que nossos estudantes simplesmente vão ‘gostar’. Os alunos são exigentes e sabem quando a tecnologia não está agregando valor. Também me preocupa o fato de que algumas das habilidades fundamentais que os alunos precisam desenvolver para serem capazes de aprender ao longo da vida não estão sendo alimentadas, em parte por causa da tecnologia que os cerca desde que nasceram. Acredito que a capacidade de se concentrar por mais de um minuto é importante, assim como a capacidade de saber se expressar ou escrever algo que ilustre uma posição ou convença alguém. Então me preocupa que essas habilidades fundamentais não estejam sendo desenvolvidas até os estudantes chegarem às faculdades porque passaram a vida escrevendo no Twitter ou no Facebook, em conversas curtas, sem pensar muito nem se preocupar com gramática, apenas de forma rápida e reativa. Será que eles entendem que esses gêneros da escrita não se transferem para um ambiente profissional? Vamos trazer a tecnologia para dentro da sala de aula de forma significativa e aproveitar as vantagens que o conhecimento tecnológico de nossos alunos traz, mas não vamos tomar decisões sobre o uso da tecnologia que não foi bem pensada ou não está alinhada aos nossos objetivos educacionais.
Como pode o ensino superior servir a essas gerações mais adequadamente? O que precisa ser mudado dentro da sala de aula e dentro das faculdades em geral?
Precisamos ser os adultos. Essa geração de alunos é mais global de muitas formas por causa da tecnologia, mas nós educadores sabemos o que é preciso para prepará-los para o futuro. Então, é importante entender essa geração e usar esse conhecimento para formular nossos cursos e currículos e assegurar que eles possam funcionar numa economia global com capacidade para se adaptar a situações, empregos e carreiras novas, que é o que eles vão precisar para obter sucesso na vida profissional.
Você já disse que, ironicamente, a especialização pode ser uma vantagem ou uma desvantagem quando se trata de ensino. Quais são as estratégias para superar os pontos cegos da especialização?
Muito do que sabemos e podemos fazer como especialistas ocorre inconscientemente. Na sala de aula, quando um professor descreve um processo ou resolve um problema ele também provavelmente está combinando etapas ou ignorando passos para a resolução do problema por causa da automaticidade que vem com a especialização. Quando um aluno não entende a passagem de uma etapa para outra, é indicativo de que algo está faltando no processo. Então você deve deixar os estudantes à vontade para perguntar; você deve pedir a outros colegas que deem uma olhada na sua explicação para garantir que você não esteja pulando nada; ou você pode tentar pensar como um novato e descompactar todas as etapas de um processo.

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