NOTÍCIA
O que as crianças liam quando não existia literatura específica para elas? Entre as respostas estão as histórias atribuídas a Esopo, que muitas vezes têm temáticas nada infantis
Publicado em 04/10/2013
A primeira edição impressa das fábulas de Esopo data de 1474, quase duas décadas após o surgimento da imprensa. No entanto, o sucesso dessas histórias vem desde o século 6 a.C., quando seu suposto autor viveu, no antigo reino da Frígia, onde hoje fica a Turquia. Esopo teria sido um escravo, que pôde viver em liberdade devido a sua inteligência. Sua biografia é imprecisa, mas a perenidade da obra atribuída a ele é indiscutível. Populares entre os gregos do século 5 a.C., suas fábulas se transformaram recentemente no tema de um parque em construção na província turca de Kütahya, região de seu nascimento. Aqui no Brasil, a editora Cosac Naify acaba de lançar a coletânea Esopo: fábulas completas, com tradução diretamente do grego.
Nessa edição, as ilustrações transitam entre o fantástico e o nonsense, apresentando reflexões do artista sobre as fábulas. E, ao passar das páginas, esse tratamento gráfico salta aos olhos, pois parece reforçar uma questão importante a respeito dos textos: quem é, afinal, o público da obra de Esopo? Historiadores discutem que, muito antes de existir literatura infantil propriamente dita, essas fábulas tiveram papel central na educação de crianças gregas e romanas, por transmitirem diversos tipos de mensagem moral em narrativas breves, embora não existam evidências sobre uma intenção do autor de dirigir suas histórias aos mais novos.
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Diante dessa hipótese, o adulto que hoje lê “O rapazote e a velha”, por exemplo, provavelmente leva um susto, já que a fábula narra uma cena de violência sexual. Esta é uma amostra daquilo que difere esse livro de outras tantas traduções brasileiras da obra de Esopo. O volume não propõe a adaptação e seleção do que se costuma considerar “apropriado” para o público infantil. Assim, a coletânea não exclui ou ameniza as fábulas de teor polêmico ou politicamente incorreto, como “O menininho que vomitava tripas”, em que uma criança se embebeda de vinho, ou ainda “O carro de Hermes e o árabe”, no qual a discriminação racial é explícita. A proposta parece ser problematizar esses temas e não cortá-los por necessidade de adaptar o conteúdo a determinada faixa etária.
Muitas das 383 fábulas presentes no livro podem soar até mesmo “imorais”, caso lidas sem o conhecimento de que foram escritas no período de uma Grécia patriarcal, escravocrata e de sociedade estratificada. Mas o leitor que não tenha assistido a uma aula prévia sobre o assunto pode se inteirar do contexto no qual as narrativas foram criadas no próprio texto de apresentação do livro, que também oferece uma rápida lição sobre a estrutura do gênero fabular.