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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 06/09/2013

Imaginemos

A história de sete jovens considerados perdidos e sobre como eles viraram pessoas

José Pacheco_coluna Foto: ©Antonio Larghi

Por José Pacheco *: Imaginemos um grupo de jovens considerados “perdidos para o estudo”, sete jovens marcados por perdas e danos, que alternavam períodos de dureza na construção civil com passagens pela prisão. Os volumosos relatórios, que os acompanhavam, davam conta de andanças pelo submundo do tráfico e da prostituição, de assaltos e outras violências.

Imaginemos que haviam sido expulsos de várias escolas. Imaginemos que, com 15 ou 16 anos, quase não sabiam ler e muito menos compreender um texto. Imaginemos, também, que um professor lhes dirigiu uma inusitada pergunta: O que quereis fazer?

Sorriram, entreolharam-se e um deles inquiriu: Tio, cê tá falando sério? – exclamaram, quase em coro.

O professor confirmou – O que quereis fazer – e a conversa fluiu plena de surpresas e interrogações:

Podemos trazer uns pássaros lá do presídio?

Podereis trazer os pássaros. Mas dizei-me por quê.

Os guardas dizem que os vão matar, porque fazem barulho e sujam tudo.

E, se trouxerdes os pássaros, onde os ides pôr? – insistiu o professor.

O decano do grupo interveio: Eu estive a trabalhar num condomínio e ajudei a construir um viveiro. Sabeis o que é? E, após a retórica pergunta, explicou: É assim como uma casa de pássaros, muito grande, com árvores dentro. Os pássaros ficam como quem está em liberdade. Entendeis?

Entenderam. E, com o professor repetindo a pergunta inicial, deram início a um. projeto.

Preciso saber como será esse tal viveiro – insistiu o professor.

Os moços o desenharam. O professor olhou o esboço de viveiro e perguntou: Qual é a escala?

O que é isso?

O professor repetiu a pergunta. E eles registraram numa folha encimada pelo título: “O que precisamos saber”. E outros conteúdos foram acrescentados em forma de pergunta: Em que ponto cardeal estará a porta? Quanta cantoneira de alumínio teremos de comprar?

Os jovens interromperam o interrogatório do mestre: Quanta. o quê?

Quantos metros. E quantos metros quadrados de tela vão comprar? Sabeis como se calcula a área de um retângulo? Conheceis as medidas de área? Quanto vai custar todo o material? Ireis pedir desconto ao dono da loja? Sabeis calcular percentagens? O que comem esses pássaros? Qual o seu hábitat? E os seus predadores? O que é uma cadeia trófica?. E por aí foi progredindo um diálogo, que deu origem a. um roteiro de pesquisa.

Duas semanas depois, havia um convite afixado na parede: Quem quiser aprender como se faz um viveiro, o que é uma escala, como se calcula a área do retângulo e outras coisas mais, vá ter connosco ao viveiro, que a gente explica. E quase todos os alunos foram assistir à explicação. De régua em punho, os sete começaram por explicar que a cada centímetro na escala equivalia um metro: Não é um metro quadrado. É só um metro, não confundas medidas lineares com medidas de área! – esclareceu um dos autores do projeto, quando braços se erguiam para pedir esclarecimentos.

Quando todas as dúvidas foram dissipadas e os professores concluíram os seus registros de avaliação, os “sete do presídio” descerraram uma lápide de cartão: “Oferecemos este viveiro à nossa escola”. Ato contínuo, centenas de alunos os aplaudiram, cumprimentaram, abraçaram, não os “sete do presídio”, mas já sete maravilhosos seres humanos.

Imaginemos que esses jovens recuperaram a autoestima, que alguns cursaram a universidade. Imaginemos que já são sexagenários e que todos são pessoas felizes. Imaginemos, também, que todas as escolas podem operar tais milagres.

* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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