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Para que ou em nome de quê?

Sobre os fins e os meios de por quê irmos à escola

Educação para a paz. Educação para a cidadania. Para o desenvolvimento econômico, para a tolerância religiosa, para o empreendedorismo. A lista poderia seguir infinitamente.  A cada dia grupos de interesse, segmentos da sociedade civil, instâncias governamentais e organismos internacionais procuram atribuir ao processo educacional novas finalidades. Algumas nos soam mais simpáticas, outras menos. Há, é verdade, aquelas – como a formação para a cidadania – que há muito tempo habitam os discursos educacionais. Mas há sempre novidades: a educação para o consumo responsável, por exemplo. O que une todas essas iniciativas não são, evidentemente, as finalidades atribuídas à educação, mas a noção de que a educação é um meio para um fim que lhe é exterior.

É verdade que muitas atividades humanas só se justificam como meios para alcançarmos um fim que é algo exterior à própria atividade: cozinhamos para nos alimentar ou para ter o prazer de uma refeição. A maioria de nós trabalha para ter dinheiro, que é um meio para alcançar outros fins (como comprar um carro); que, por sua vez, se transforma em um novo meio (ir mais confortavelmente para o trabalho) para outro fim (para ganhar mais dinheiro para…). Forma-se, assim, uma cadeia em que cada fim se transforma num novo meio para outro fim. Uma cadeia infinita de finalidades, mas despojada de qualquer significado.
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Esse é, pois, o risco de reduzir todas as atividades humanas à lógica instrumental de meios e fins. Há práticas sociais que, se reduzidas a uma finalidade instrumental, simplesmente se descaracterizam. Se alguém afirmar que é meu amigo com a finalidade de que eu lhe empreste dinheiro, lhe dê carona ou o acolha em minha casa, tendo a duvidar de que ele, de fato, seja meu amigo. Muito embora eu possa emprestar dinheiro, dar carona ou acolher meus amigos em minha casa. Mas a própria noção de uma relação de amizade parece afastar de plano qualquer finalidade previamente estabelecida. Não somos amigos para algo, mas em nome de algo. Mais do que dotada de qualquer finalidade, a amizade é uma experiência de profundo significado para quem a vive.

Dizer, pois, que algo tem um significado implica muito mais do que dizer que é útil como um meio para outro fim. A poe­sia pode ser muito significativa na vida de alguém mesmo que jamais lhe seja útil (ela pode, é claro, ser significativa e útil em alguma circunstância, mas o que a faz significativa não é sua eventual utilidade!). E é claro que a escola pode nos ser muito útil: nela aprendemos coisas que supostamente podem ser proveitosas para nós, para a sociedade em que nos inserimos ou para ambos. Mas o paradoxo que vivemos é que, à medida que atribuímos novas finalidades e utilidades à educação, parecemos perder de vista qualquer significado para sua existência em nossa sociedade. À força de tentar dar tantas respostas à questão para quê educar esquecemo-nos de nos perguntar em nome de quê educar?

*José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em filosofia da educação pela Feusp e pesquisador convidado da Universidade Paris VII
jsfc@editorasegmento.com.br

Autor

José Sérgio Fonseca de Carvalho


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