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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 03/05/2013

Cegueira branca

Qualquer iniciativa que saia da rotina gera desconfiança. A primeira resposta é não

O que você faria para mudar a educação brasileira? Se eu tivesse o poder dos poderosos, contribuiria para a reconfiguração e a humanização das escolas, para uma profunda mudança na formação dos professores. Mas, em primeiro lugar, pugnaria pela desburocratização do sistema.

“A secretária municipal não sabe muito como proceder, por ser nova no cargo. E, com a mudança de governo, quase toda a informação da secretaria foi apagada” – Eis que o pesadelo regressa: a secretaria mudou de dono, precisa mostrar serviço, suspende os projetos herdados da gestão anterior. De quatro em quatro anos, sem qualquer avaliação, o gesto de desperdício se repete. Estou inclinado a acreditar que se trate de cegueira branca (expressão criada por Saramago) aquilo que impede os detentores do poder de reconhecer os trágicos efeitos de uma escola que consome avultados recursos, produz 30 milhões de analfabetos e aspira a um mítico (e mísero) Ideb 6. em 2021.

O analista financeiro americano Salman Khan – que foi recebido pela Presidência da República e tratado como vedeta da educação – é um acérrimo crítico da burocratização da gestão e da coordenação pedagógica. No seu livro Um mundo, uma escola, ele escreve (os professores terão lido?): “Ainda temos escolas ruins e um sistema corrupto e arruinado, sempre houve resistência dos administradores e burocratas. (.) Parecem ter uma aversão natural a novas ideias”.

Os sistemas burocráticos alienam finalidades, sacrificando-as à estatística e à uniformização. Opõem-se à autonomia das escolas, impedem um digno exercício da profissão de professor. O burocrata padece da cegueira branca da obediência a normas, desprezando a realidade, quando está em conflito com elas. Seu objetivo maior é encontrar problemas e motivos para paralisar, ou adiar processos. O burocrata da educação desconfia de qualquer iniciativa que saia da rotina. Sua primeira resposta é não. E ama fazer relatórios volumosos para guardar no arquivo.

São atuais as palavras do saudoso mestre Lauro, escritas há 50 anos: “Os professores queixam-se: ‘Se não seguirmos os regulamentos, seremos demitidos’ (e os regulamentos são polivalentes e minuciosos, vigiados por imensa récua de burocratas ciosos). A máquina burocrática jamais indaga de razões pedagógicas, funciona segundo critérios contábeis. Se um reformulador ousado eliminasse das escolas (a burocracia), o sistema escolar ganharia dinamismo, autenticidade e alta criatividade, repondo o educando nas mãos do educador”.

A boa notícia é a de que ainda há quem resista. Há alguns anos, no fim de um longo e penoso processo, conseguimos que a lei portuguesa consagrasse um princípio essencial: “os critérios de natureza administrativa não poderão sobrepor-se aos critérios de natureza pedagógica”. A partir daí, foi possível preparar contratos de autonomia. No Brasil, urge devolver às escolas o primado da pedagogia. Mas o artigo 15º da LDB – que diz: “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de Educação Básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa” – continua sem regulamentação. Acaso o poder público crê que os professores brasileiros são irresponsáveis? Quem tem medo da autonomia das escolas?

* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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