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Ensino Superior

Aprendizagem em grupo

Conferência internacional em Salvador apresenta metodologias educacionais utilizadas para fazer com que o ensino seja inovador e o professor mais eficiente por Mônica Santana Em dois mil anos de existência, o ambiente acadêmico ainda funciona como no tempo em que o acesso ao conhecimento era […]

Publicado em 22/04/2013

por Redação Ensino Superior

Conferência internacional em Salvador apresenta metodologias educacionais utilizadas para fazer com que o ensino seja inovador e o professor mais eficiente
por Mônica Santana
175_19Em dois mil anos de existência, o ambiente acadêmico ainda funciona como no tempo em que o acesso ao conhecimento era limitado e tinha na transmissão de conteúdo de professor para aluno a principal estratégia. Em pleno século 21, o desafio que está posto para a universidade em todo o mundo é aprender a dialogar com o seu próprio tempo e propor caminhos para a educação inovadores, sem perder de vista o valor daquilo que o ensino superior tem de mais valioso: a formação de excelência, profissional, acadêmica e de pesquisa.
Para debater esse panorama e propor alternativas inovadoras aplicadas ao ambiente acadêmico, a Laspau, organização ligada à Universidade Harvard que estuda e promove programas acadêmicos e profissionais na América Latina e Caribe, em parceria com o Instituto Expertise, levaram a Salvador (BA) um time de especialistas para participar da Conferência Internacional de Educação: Inovação Acadêmica.
Agente transformador
Para abordar o tema, apresentar novas perspectivas educacionais e propiciar a troca de experiências entre os cerca de 300 professores, pesquisadores e gestores participantes do evento, os palestrantes lançaram mão de estratégias já aplicadas em outras instituições e mostraram na prática como uma aula pode ganhar dinamismo e propiciar relações mais horizontais entre professor e aluno e entre os próprios estudantes. Entre os pensamentos mais defendidos esteve a necessidade de compreender o professor como um agente decisivo de renovação acadêmica, sem a qual os investimentos tecnológicos de uma instituição de ensino serão inócuos.
Nesse sentido, o principal espaço de busca de qualidade é justamente a sala de aula e o estreitamento da relação professor / aluno, reposicionando o docente como um facilitador do processo de aprendizagem, não mais como o centro dela. “Fala-se do aluno do século 21, mas não se fala do professor do século 21. É muito frustrante ver o quanto se investe em equipamentos sem que o professor esteja preparado”, comentou Angélica Natera, diretora da Laspau.
Angélica defende que a palavra aprendizagem precisa ganhar nova importância no ambiente universitário, impedindo que seu significado perca lugar para a tecnologia. De acordo com ela, é na academia que se têm os melhores cientistas, pensadores e profissionais de diversas áreas de atuação, mas a complexidade dessas áreas acaba bloqueando a liberdade acadêmica e a atenção para os aspectos pedagógicos.
Na perspectiva estratégica traçada pela Laspau a garantia para a inovação acadêmica acontece por meio do fortalecimento institucional. A ideia se traduz na soma das dimensões individual, em que cada membro da equipe agrega suas crenças, atitudes e conhecimento; e institucional, em que o planejamento, metas e avaliação conduzem o processo. “Para o professor é fundamental não querer ser o melhor professor simplesmente, mas querer ser aquele que faz a diferença”, propôs Angélica.
A preparação dos docentes também foi considerada fundamental. Vasco Moretto, mestre em Didática pela Universidade Laval de Québec e especialista em avaliação, lembrou que, por vezes, o professor é um excelente pesquisador, mas não tem habilidade para a sala de aula. “O professor não deve descrever o mundo como ele é, mas inventar modelos para explicar nossa interação com o mundo físico e social”, sugeriu.
Claro que não há uma fórmula exata, nem método mágico para estimular o aprendizado, mas a partir da experimentação, vontade de mudar e percepção das necessidades dos alunos, as instituições de ensino podem encontrar caminhos para torná-lo mais significativo e afinado aos dias de hoje.
Na Universidade Harvard, uma revisão do termo “relevância” estabeleceu a junção entre áreas afins, trazendo para a academia questões da vida prática. Assim, química e culinária são tratadas de forma afinada, por exemplo. A ideia é que a academia volte seus olhos para problemas que os alunos enfrentam cotidianamente. “O que todas essas iniciativas trazem em comum é um processo de inversão, no qual os estudantes são colocados no centro e a palavra assimilação substitui transmissão de conhecimento”, concluiu Natera.
No Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), os alunos e professores, que traziam uma bagagem ampla de relação com as ciências exatas, foram estimulados a se tornarem também bons escritores. Na trajetória da instituição, eles eram destacados nas engenharias, matemática, tecnologias, mas estavam insatisfeitos com a capacidade de comunicação, tanto nas relações mais próximas, quanto nos momentos de apresentação pública e escrita.
Depois de quatro anos de discussão e pesquisa, o MIT chegou ao programa Writing Across the Curriculum (Escrevendo através do currículo, em tradução literal), que não aparta as disciplinas de comunicação, mas faz com que seus conteúdos e princípios estejam diluídos em todo o currículo acadêmico. Assim, o aluno é estimulado a pensar nos mecanismos que o levam a ser desenvolto num determinado aspecto e como essa forma pode ser levada para as áreas desafiantes de sua vida e carreira.
Estímulo à criatividade
Ao longo do evento, diferentes experiências inovadoras foram apresentadas, propondo alternativas para desestabilizar a tradicional estrutura de sala de aula como espaço de transferência de informação, na qual de um lado o mestre fala sobre determinado assunto e de outro o aluno apreende o conteúdo. Na opinião de Julie Schell, pesquisadora associada ao Mazur Grupo, da Divisão de Engenharia e Ciências Aplicadas e do Departamento de Física da Universidade Harvard, essa forma de ensino impede que o aluno explore sua capacidade de inventar e criar. “A escola e a faculdade matam a criatividade do estudante”, criticou.
Segundo Julie, o erro precisa ser usado a favor do aprendizado, como uma oportunidade de descobertas e de desenvolvimento de uma pluralidade de caminhos para solucionar problemas. “Transforme o aprendizado dos alunos de sua instituição em um ensino de transformação”, aconselhou a especialista.
A partir da perspectiva de oferecer novos instrumentos e mecanismos para que os alunos realizem a travessia para o conhecimento, as possibilidades aventadas passam pela conquista da aprendizagem de forma ativa. Em comum, as diferentes metodologias apresentadas durante a conferência têm a característica de envolver os alunos em atividades práticas e de trabalho em equipe, desenvolvendo a capacidade de comunicação e negociação.
O professor Bill Ellet, da Escola de Negócios de Havard, exemplificou com a apresentação do método de estudo de caso, que consiste em permitir a aprendizagem por meio da solução de problemas, a partir de discussões em grupo e da colaboração. Nesse caso, é papel do professor guiar o aluno pelo processo de aprendizado, estimulando questionamentos e a proatividade em aula.
Outra metodologia apresentada foi a Team-based Learning. De acordo com o professor Larry Michaelson, da Universidade do Missouri Central, nesse método o docente estimula a colaboração entre os alunos, investindo sua energia para que eles resolvam o tema apresentado e cooperem. Não existem atividades para serem resolvidas fora de classe, que, segundo Michaelson, não podem ser configuradas como trabalho em grupo, não promovendo a troca efetiva.
Por meio da metodologia, que é absolutamente aplicável às diferentes disciplinas, um teste é realizado em grupo, avaliando conteúdos que já foram trabalhados anteriormente. São apresentados resultados para esses testes e os alunos devem contestar e identificar os conceitos nas respostas apresentadas. Depois de feita a discussão em grupo, o professor retoma a aula expositiva e resolve as questões que ficaram em aberto ou tiveram equívocos em suas respostas.
Um ponto interessante desse movimento é desestabilizar a estrutura estabelecida que avalia alguns como muito bons e outros como muito fracos. Como é alterada a estrutura do ensino tradicional, nesse modelo, onde obrigatoriamente é preciso haver comunicação, troca, negociação, novas competências são trabalhadas e a troca de experiências permite o nivelamento do grupo. A experiência da Universidade do Missouri Central com o Team-Based Learning confirmou que nas classes onde a metodologia foi aplicada as notas são mais equilibradas sem distinguir visivelmente os melhores alunos. Em comparação, nas turmas onde o modelo convencional continua sendo empregado, mesmo os estudantes que têm melhores notas tiveram resultados inferiores aos grupos de trabalho das classes experimentais.

O bom estudo de caso
De acordo com o professor Bill Ellet, da Escola de Negócios de Havard, que apresentou o método de aprendizagem baseado em estudos de caso, não é qualquer caso que pode servir para tornar uma aula estimulante e participativa. Para o método funcionar é preciso que a situação traga informação, instabilidade e apresente ambiguidade de interpretação. Ou seja, a situação narrada precisa partir da realidade, trazer concretude, e por isso, gerar ação para que seja possível seu entendimento. As conclusões não são dadas, abrindo espaço para diferentes possibilidades de compreensão, pois um caso é uma simulação verbal do mundo real, com abertura para múltiplas interpretações. “É preciso estimular os estudantes para que pensem por si próprios e treinem seu raciocínio por meio de desafios”, sustentou Ellet.

 

Estímulo à avaliação docente
Na rotina do professor, avaliar é parte inerente e quase que indissociável de sua prática. Contudo, ser avaliado nem sempre é uma coisa confortável. De acordo com Guilherme Marback Neto, reitor do Centro Universitário Jorge Amado (UniJorge), o processo utilizado pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) ainda é controverso, pois está muito voltado para a pesquisa  – o que dificulta sua aplicação em faculdades privadas. Para ele, o sistema não tem estratégias de retroalimentação e precisa de discussão permanente para que possa alcançar o objetivo de acompanhar a docência. Do ponto de vista interno, o reitor acredita que as instituições se conhecem pouco e têm extrema dificuldade em definir de forma nítida quem avalia o que: professor avalia o aluno, o coordenador de curso acompanha o professor, mas quem acompanha o coordenador? “Os cursos de pós-graduação formam pesquisadores, mas não professores. O foco na aprendizagem está no discurso, mas o profissional chega à sala de aula sem saber como estimular os alunos”, revela o gestor. Ele sinaliza que um dos maiores desafios é aproximar os profissionais, que têm alto nível técnico e experiência, da área pedagógica – espaço onde os mecanismos de aprendizagem são desenvolvidos e onde reside a lacuna desses professores, muito capacitados tecnicamente, mas pouco preparados para tarefa de sala de aula.

 

Concepção  de avaliação discente
Uma primeira noção precisa ser levada em consideração pelos docentes no momento de avaliar seus alunos: a pluralidade de formas de ler e explicar o mundo. Já não há mais espaços para leituras únicas fechadas e a verdade tal qual está escrita e memorizada pelos estudantes nas páginas dos livros. “Não se mede conhecimento construído. Avaliar não é medir o quanto o aluno aprendeu, mas obter indicadores da possível aprendizagem”, explicou Vasco Moretto, especialista em avaliação. Mais do que apresentar estratégias de avaliação em sala de aula de alunos e professores, Moretto pontuou premissas que precisam estar nítidas tanto para docentes quanto para as coordenações de curso. Uma parece simples, mas dadas as emoções que afloram em sala de aula, foi enfatizada pelo pesquisador: “a prova não é um momento de acerto de contas”. Ou seja, não pode ser o lugar da vingança contra a turma indisciplinada ou desmotivada. Em seu entendimento, a prova não pode ser vista como a vilã do meio acadêmico, mas como uma etapa que precisa ser ressignificada. “O professor precisa pensar no momento que questiona, elaborar as perguntas de forma que o aluno tenha chão para responder. Tenha condições para ler, interpretar corretamente. Uma boa questão de prova é aquela que dá parâmetros. Clareza e precisão são necessárias não importa qual o nível do aluno”, concluiu Moretto.

 

Autor

Redação Ensino Superior


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