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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 03/07/2012

Integralmente enferma

Na perspectiva reducionista como vem sendo interpretada e desenvolvida, a escola de tempo integral visa apenas ocupar tempos livres

Aristóteles já falava em educação integral, Claparède e Freinet preconizavam uma educação integral ao longo de toda a vida. As práticas inspiradas nesses autores visam um pleno desenvolvimento pessoal e social, no exercício de uma pedagogia do lugar.

No Brasil, as experiências de educação em tempo integral (de que tenho conhecimento) são tímidas, consistem em meros projetos de “contraturno”. Reconheço mérito nessas experiências. Porém, os seus efeitos são condicionados pela prática de um modelo escolar inadequado, no qual ainda muitas escolas e municípios insistem, despendendo avultados recursos, obtendo um retorno escasso. Subsiste um modelo profundamente enraizado, baseado na crença da transferência linear do conhecimento. Apesar dos seus trágicos efeitos, essa cultura, sedimentada ao longo de quase três séculos, reproduz-se a si própria, desde a universidade ao chão das escolas, impedindo a emergência de outras práticas. Muita da “educação integral”, que por aí se faz, enferma desse mal. E já há secretarias de Educação que questionam o chamado “contraturno”, criando alternativas de tão duvidosa eficácia quanto as anteriores. Na perspectiva reducionista como vem sendo interpretado e desenvolvido, o projeto de “escola de tempo integral” apenas visa “ocupar tempos livres” ou “assegurar atividades em contraturno” e poderá significar o reforço da “desculpabilização curricular”, contribuindo para a legitimação de práticas obsoletas.

A educação integral em tempo integral requer iniciativas culturais, equipamentos coletivos e espaços de encontro, flexibilidade na organização, respeito pela diversidade… Uma educação integral (numa escola integrada, em tempo integral) é urgente e é possível. Acompanho práticas (ainda escassas e embrionárias), que visam o desenvolvimento local e acontecem a todo momento e em múltiplos espaços sociais.

A necessária reelaboração cultural requer alteração de padrões atitudinais e comportamentais, que são complexos e de modificação lenta e gradual. Como enfatizaram alguns psicólogos russos de há um século, o desenvolvimento humano ocorre em meio a uma rede de relações sociais, marcadas por um contexto sociocultural específico, é sempre um ato de relação. E o aprendente aprende quando tem um projeto de vida e o realiza nas dimensões cognitiva, afetiva, emocional, ética. Um projeto de vida com os outros, participando de transformações, pois, como Augusto Boal dizia, cidadão não é aquele que vive em sociedade – é aquele que a transforma.

Nas palavras de Morin: Temos a necessidade de reformar radicalmente o actual modelo de ensino nas universidades e escolas secundárias. O conhecimento está desintegrado em fragmentos disjuntos no interior das disciplinas, que não estão interligadas entre si e entre as quais não existe diálogo. O modelo atual leva a negligenciar a formação integral e não prepara os alunos para mais tarde enfrentarem o imprevisto e a mudança.

* José Pacheco é educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

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