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Avaliar para formar

Professores acreditam que ter seu trabalho examinado é fundamental, desde que a avaliação seja processual e leve em conta diversas perspectivas

Publicado em 30/04/2012

por Camila Ploennes

Avaliar para formar

Gustavo Morita
Professores em escola de São Paulo (SP): avaliação docente deve ser fruto de discussão ampla

Uma cena curiosa acontece no Colégio da Polícia Militar, na zona leste da cidade de São Paulo, no que aparenta ser um dia letivo comum: a diretora, Elaine Marini, perambula incessantemente pelos corredores do prédio, ziguezagueando entre as diversas salas de aula do colégio. Não se trata de uma simples caminhada. Atenta, ela não apenas ouve o que dizem os professores no interior das salas, como observa o que acontece dentro delas através das pequenas janelas de vidro transparente existentes nas portas de madeira. Em determinado momento, a gestora decide parar em frente a uma classe do 1º ano do ensino médio. Não há ruído que denote indisciplina de alunos ou qualquer outro problema aparente a ser investigado. A professora de biologia, Viviane Linguitte Gadotti, segue sua explicação normalmente, quando a mesma diretora pede licença e anuncia: “quero assistir a essa aula”.

A iniciativa de Elaine é uma entre muitas que respondem à Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que institui, em seu artigo 12, a autonomia escolar para a escolha dos métodos de avaliação docente. Diz o texto: “é do estabelecimento de ensino o dever de administrar seu pessoal e zelar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente, respeitando as normas comuns e as do seu sistema de ensino”. Nesse sentido, escolas Brasil afora investem em diversos mecanismos de aferição do desempenho do trabalho de seus professores.

A partir de visitas e entrevistas por telefone a escolas públicas e particulares, a reportagem de Educação identificou alguns deles: a observação do trabalho em sala de aula, a autoavaliação, a gravação de aulas para análise posterior e o uso da opinião dos alunos sobre seus professores como medida de eficácia, entre outros. Há também a situação inversa: instituições que não usam nenhuma ferramenta avaliativa (o que acaba por desmotivar os profissionais). O contato com as escolas permite dizer que os professores querem, sim, ser avaliados – desde que a avaliação contemple todos os processos de seu trabalho e seja fruto de uma discussão ampla, e não apenas uma decisão imposta de cima para baixo.

Gustavo Morita
“Todo docente é muito crítico em relação a seu próprio trabalho, porque você tem o retorno imediato do educando. Se a aula não rendeu, você vai saber na hora”, Arno Aloisio Goettems, professor de geografia

Construção coletiva
No caso descrito ao lado, a professora Viviane não é a única a receber a visita da diretora. Segundo Elaine, cada um sabe, desde a assinatura do contrato, que esta é uma das etapas do processo avaliativo. “Não avisamos porque eles já estão acostumados”, garante a psicóloga, que assumiu a direção da escola em 2009 e adota essa prática desde então. A tarefa de observar também é rotineira para a coordenadora pedagógica, que chega a assistir 25 aulas por bimestre. Mas Elaine faz questão de participar desse processo. “É um modo de mostrar ao professor o espaço aberto para o diálogo com a direção”, acredita.

Viviane, que também é docente na rede estadual paulista, mostra-se animada com o modelo de avaliação.”Vou para casa, pesquiso dinâmicas diferentes, formulo atividades e gosto que os superiores conheçam meu trabalho. Isso não acontece na escola pública, onde sou avaliada mais pelo desempenho dos estudantes”, compara, referindo-se por último ao Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). A professora ressalta que a atuação dos alunos é levada em conta pelo colégio para analisá-la, mas que, como se vê, esse não é o único procedimento. A relação com a classe, o cumprimento do conteúdo lecionado registrado em um programa de computador, a participação nas reuniões pedagógicas quinzenais, a avaliação docente respondida por escrito pelo discente e as impressões das turmas informadas pelos alunos representantes aos coordenadores são outros fatores envolvidos.

Âmbito público
Suelen Girotti do Prado, docente de geografia e filosofia dos ensinos fundamental e médio no Colégio Horizontes Uirapuru, na zona oeste de São Paulo, aponta que a escola adota um sistema parecido. Ela destaca que a autoavaliação semestral e o feedback constante são os instrumentos que mais a ajudam no atual emprego. Mas nem sempre foi assim. “Em 2009, eu me desliguei da rede pública, em que a avaliação do profissional é abandonada”, conta. Em três anos de trabalho como Ocupante de Função-Atividade (OFA), ela constatou a falta de ponderações específicas sobre as práticas dos docentes naquele local. “No geral a cobrança é muito mais em relação à pontualidade, por exemplo, do que pensando na melhoria da relação ensino-aprendizagem”, reflete.

A ausência de processos qualitativos de avaliação também se estende a colégios particulares por onde Suelen passou. “Em um delas não havia qualquer olhar de fora sobre o meu desempenho. Era só a resposta dos alunos, que elogiavam quando gostavam e reclamavam quando não gostavam”, relata. Hoje, assim como os outros 31 docentes do Colégio Horizontes Uirapuru, ela participa de duas reuniões individuais por mês. “Na orientação pedagógica, há verificação do planejamento, do material trabalhado, se o professor traz novas ideias, o que ele fez diante de uma prova em que o grupo foi mal. Na orientação educacional, fala-se sobre cada aluno, suas dificuldades e o que o docente está fazendo em termos de recuperação, tanto do aproveitamento quanto do comportamento”, explica a diretora Gabriela Lian Branco Martins, que adota a observação de aulas como fonte de subsídios para essas reuniões. Ela acrescenta que os cursos de aperfeiçoamento feitos pelos professores e leituras realizadas por eles durante o ano, comprovadas pela apresentação de textos analíticos, também são meios formais de avaliar na instituição.

O Colégio Santo Américo, localizado no bairro do Morumbi, na zona sul de São Paulo, também segue a linha de uma avaliação baseada em feedbacks contínuos. A grande diferença reside no fato de que, a partir do ensino fundamental II, o processo é acompanhado tanto pelos coordenadores pedagógicos quanto pelos supervisores de cada uma das disciplinas. Nas séries iniciais, quando o professor é polivalente, o trabalho de avaliar é concentrado no coordenador pedagógico. “Como a partir do ensino fundamental 2 o docente já possui licenciatura em uma área específica, existe a figura desse chefe da disciplina”, explica a diretora Elenice Lobo.

Essa estrutura permitiu à escola uma cultura de observação de aula em duas vias. Em uma data marcada e seguindo um roteiro, o supervisor assiste à aula de um docente e dá a devolutiva no mesmo dia, em outro horário. Este professor, por sua vez, pode ser convidado ou até mesmo pedir para acompanhar a aula do supervisor. “Esse sistema nos ajuda a buscar a melhoria não só da técnica, mas essencialmente da dinâmica em sala”, acredita a professora de química Claudia Aires. Além de observar, filmar algumas situações – também com prévio aviso – tornou-se um recurso recorrente para registrar planos de aula. “Gravamos pela condução da aula em si. A gravação é discutida entre os professores de cada área depois, que opinam sobre o que foi bom e o que poderia ser melhor. Fazemos no sentido de troca de ideias”, garante a diretora.

Gustavo Morita
“Vou para casa, pesquiso dinâmicas diferentes, formulo atividades e gosto que os superiores conheçam meu trabalho. Isso não acontece na escola pública [SP], onde sou avaliada mais pelo desempenho dos estudantes”, Viviane Linguitte Gadotti, professore de ciências e biologia

Olhar para si
Ainda na zona sul de São Paulo, no bairro de Campo Grande, o Colégio Santa Maria investe, além de dispositivos como o do feedback contínuo, na autovaliação. Ao final de cada ano, os docentes preenchem um relatório de autoavaliação, que é aplicado há pelo menos 20 anos. Quem trabalha com educação infantil e com ensino fundamental 1 responde cinco questões. A primeira delas é sobre qual a importância do “olhar” na relação com o aluno. A segunda é uma proposta de redação relacionando sua trajetória profissional e exemplos da prática cotidiana a onze características – chamadas de competências no documento: sensibilidade humana e educacional; ponderação; relacionamento interpessoal; desprendimento; iniciativa/flexibilidade; capacidade crítica; criatividade; organização/planejamento; cooperação; comprometimento; produtividade/ eficiência. A terceira pede que disserte sobre como a ética e o engajamento em tornar a aprendizagem significativa permeiam sua postura e o trabalho. O quarto enunciado indaga como sair da zona de conforto, da passividade e da mesmice nas ações do dia a dia. Por último, o professor é convidado a escrever suas metas para o ano seguinte.

No ensino fundamental 2, seis questões norteiam o professor na elaboração de um texto analítico. Nessa redação, o docente comenta a qualidade da produção de materiais e das devolutivas e seus efeitos produzidos na aprendizagem dos alunos; explicita como ele se avalia em relação à sua consistência conceitual; discorre sobre suas escolhas no papel de responsável pela produção dos alunos; avalia o seu compromisso com o projeto da escola e sua articulação com as coordenações de série e de área; considera se o próprio trabalho é satisfatório e o que deve ser alterado; cita conflitos vividos durante o ano letivo, como foram resolvidos e o aprendizado gerado por essas experiências.

+ Só no site:
-No município de Horizontina, os professores são avaliados por meio de uma comissão interna e outra mista

– Em colégio de São Paulo, a elaboração de apostilas para alunos do ensino fundamental 1 é um instrumento de avaliação

Além do ranking
A 1.560 quilômetros de São Paulo fica a cidade de Gurupi, no Estado do Tocantins, onde a Escola Estadual Presidente Costa e Silva, de ensino fundamental, conta com 12 professores e 349 alunos matriculados. Vencedora do Prêmio Gestão Escolar 2011, a instituição foi adotando, com o passar dos anos, diversos modelos de avaliação. O que todos têm em comum? O registro formal em reuniões e o feedback em até 48 horas após a conclusão, afirma a diretora Adriana Aguiar. “Temos tudo por escrito, porque isso dá segurança ao professor e torna o sistema transparente, mas o trabalho não para no papel. Conversar é fundamental para mostrar que a crítica faz parte de um processo de colaboração consolidado e natural”, completa.

Em 2005, a escola começou a comparar a autoavaliação dos professores com os resultados das provas aplicadas aos alunos na instituição. “Depois de confrontar como o docente se enxergava com o desempenho dos estudantes nas avaliações internas, nós conversávamos com cada profissional para analisar juntos qual era a sua parcela de responsabilidade nos resultados, o que estava errado, o que estava fazendo certo e como poderia melhorar”, explica Adriana. Segundo a diretora, somente em 2007 foram incluídos no pacote da avaliação docente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e a observação das aulas, sem que estes instrumentos ganhassem prioridade em relação aos adotados anteriormente. “A função da avaliação não deve ser a de fiscalizar e punir, mas de contribuir para que o professor vá melhorando suas práticas conforme ganha experiência em sala de aula”, acredita a diretora, lembrando que o Estado do Tocantins não premia os professores de acordo com o desempenho – ao contrário de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco e Ceará.

Gustavo Morita
“Trabalhei em outros colégios privados e em um deles não havia qualquer olhar de fora sobre o meu desempenho. Era só a resposta dos alunos, que elogiavam quando gostavam e reclamavam quando não gostavam”, Suelen Girotti do Prado, professora de geografia e filosofia

A nota do aluno
“Os alunos também nos avaliam e se eu não dou uma aula criativa, eles vão dizer”, afirma a professora Maria da Paz Araújo Cavalcante, que leciona há dez anos na Escola Estadual Presidente Costa e Silva. “Todo docente é muito crítico em relação a seu próprio trabalho, porque você tem o retorno imediato do educando. Se a aula não rendeu, você vai saber na hora”, concorda em São Paulo o professor Arno Aloisio Goettems, que leciona geografia no Colégio Santo Américo. Em qualquer parte, os educadores são unânimes: sentem-se constantemente avaliados por seus alunos, cientes de que as opiniões dos educandos são levadas em consideração pelos gestores das escolas. Nesse sentido, algumas instituições de ensino têm tentado formalizar o estudante como avaliador de seus professores.

Esse processo acontece de duas formas diferentes no Colégio da Polícia Militar. Uma delas conta com a figura do aluno representante de classe, que é eleito por cada turma no início do ano letivo. Esse estudante, entre outras funções, agrupa as ponderações de seus pares sobre os docentes e, mensalmente, reúne-se com a coordenadora pedagógica. Depois disso, a direção e a coordenação dialogam com os professores sobre as impressões dos discentes. “Essa conversa é positiva, porque agrupa os comentários dos alunos que nós não teríamos por outro meio”, aponta a professora Viviane Gadotti.

Outro modelo de avaliação docente feita pelo discente no mesmo colégio é um questionário anual, preenchido no computador. O estudante, a partir do ensino fundamental, atribui nota ao desempenho de cada professor no que se refere à clareza das explicações, ao relacionamento com a classe, à disposição para esclarecer dúvidas, à organização da lousa, entre outros critérios. A diretora Elaine Marini admite que este formato não funciona isoladamente, porque, além dos alunos conscientes, existem os que encaram o momento como uma oportunidade de vingança. “Se a avaliação do aluno não tem qualquer semelhança com aquela feita pela equipe da escola, descartamos”, reconhece.

Elenice Lobo, diretora do Santo Américo, discorda do formato. “Se existe um incidente entre aluno e professor, ouvimos os dois e tentamos solucionar a situação específica. Entrar nas turmas e aplicar questionário para avaliar professor não parece razoável”, opina. No Colégio Santa Maria, esse método é exclusividade do ensino médio e sua aplicação aconteceu pela primeira vez em 2011, somente para o 3º ano. Após o preenchimento, diante da das pilhas de fichas sobre a mesa, o diretor do ensino médio, Silvio Freire, acabou desistindo da apuração dos resultados. “Não tive condições de tabular todas essas informações e dar o feedback antes do fim do ano letivo. São vários itens sobre vários docentes. É preciso um sistema para fazer esse trabalho”, justifica.

Como alternativa a essa dificuldade técnica, Silvio teve a ideia de convidar ex-alunos para conversar sobre o curso oferecido pela escola – e foi surpreendido pelo detalhamento das análises, que foram repassadas aos docentes. “Um deles me disse que determinado professor de biologia é bom ensinando zoologia, mas não é tão didático quando o assunto é genética, que em compensação é um tema muito bem explicado por outro professor nosso”, exemplifica.

+Leia mais:

– Como desenvolver uma medida justa do desempenho docente?

-Conheça o debate sobre avaliação docente em diversos países

– Modelo de valor agregado pretende isolar fatores que definem o sucesso escolar, mas já encontra resistências

– Para especialistas, diversidade de competências exige avaliação multidimensional

– Um bom sistema de avaliação deve trazer referências as professores

Autor

Camila Ploennes


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