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Projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional busca evitar a ausência do pagamento das férias para professores demitidos sem justa causa em época de recesso escolar

Publicado em 29/02/2012

por Julio Lamas

Um professor de língua portuguesa do ensino médio, demitido sem justa causa durante o recesso escolar em janeiro de 2009, precisou recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região do Rio de Janeiro (TRT/RJ) para conseguir receber o pagamento referente ao período de férias. À época, o colégio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem optou por calcular as verbas rescisórias do docente apenas considerando o aviso-prévio, ignorando o parágrafo 3º do artigo 322º da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), que garante a remuneração tanto desse benefício quanto das férias de forma cumulativa. No mesmo ano, a Justiça decidiu que a instituição deveria quitar o valor referente às férias do professor. Mas a história não acabou ali e o processo se estendeu por dois anos, até setembro de 2011. Primeiro, o colégio entrou com recurso no próprio TRT/RJ, que manteve a sentença. Depois, alegando que as férias já teriam sido liquidadas pelo pagamento do aviso-prévio, apelou ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), que reafirmou, definitivamente, a decisão favorável ao docente.

O registro do ocorrido no colégio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem é apenas um entre tantos outros que constam em tribunais de Justiça do Trabalho do país. A situação é recorrente no ensino privado: embora assegurado pela CLT, o pagamento correspondente às férias escolares para os professores demitidos sem justa causa às vésperas ou ao fim do ano letivo ainda é motivo de desacordo entre docentes e mantenedores. O ponto de discórdia refere-se à interpretação, adotada por alguns empresários, de que as férias já são quitadas pelo aviso-prévio. O impasse faz crescer o volume de processos que muitas vezes ficam anos em tramitação. Com o objetivo de evitar essa leitura incorreta e garantir ambos os direitos trabalhistas aos professores das escolas particulares e temporários das escolas públicas, também regidos pela CLT, está em tramitação na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados um projeto de lei que propõe uma nova redação ao artigo 322º da Consolidação das Leis de Trabalho.

De autoria do deputado federal Romero Rodrigues (PSDB-PB), o PL 2.526 pretende tornar lei o que já é jurisprudência – exercício corrente nos tribunais – há mais de 30 anos. “A ideia é acelerar os processos jurídicos em andamento e desobstruir o caminho da Justiça. Para isso, é preciso deixar mais claro que o valor do aviso-prévio não substitui as férias e vice-versa”, afirma o parlamentar. Rodrigues destaca ainda que “a legislação é feita para proteger esse profissional, que se vê em uma posição frágil no período entre o fim das aulas e o começo de um novo ano letivo”.

Para a advogada trabalhista Carla Teresa Martins Romar, professora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a lei se faz necessária para delimitar a diferença entre as férias e o caráter indenizatório do aviso-prévio nos desligamentos sem justa causa. “Esse é um direito assegurado pela Constituição Federal a todos os empregados, conforme previsto no artigo 7º”, lembra. “Assim, é evidente que o professor empregado, por força da previsão constitucional, também tem direito ao benefício, que não se confunde com o pagamento das férias, como prevê a CLT”, confirma.

Gustavo Morita
Carla Teresa Romar, advogada: lei é necessária para diferenciar as férias do caráter indenizatório do aviso-prévio

Demissões sem motivo
De acordo com dados atualizados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e do Emprego, dos cerca de 1.089.324 desligamentos de profissionais do setor de ensino entre dezembro de 2008 e dezembro de 2011, 618.793 foram sem justa causa. Ou seja, mais de 56% apenas nos últimos dois anos. As informações do Caged não apontam quantas dessas dispensas se referem especificamente a professores, mas bastam para ter uma ideia do potencial de alcance do PL 2.526, segundo Edson de Paula Lima, diretor e secretário de assuntos jurídicos da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). “Sempre que algum legislador mexe nesse bloco de leis da CLT, dos artigos 317º ao 324º, que regem as relações de trabalho do professor com a escola privada, é para reafirmar ou consolidar entendimentos dos tribunais que são práticas correntes. A polêmica nessa questão sempre parte da má-fé do empregador”, afirma ele.

Outra vantagem do projeto de lei, para Lima, é a criação de mais uma medida que desestimula a dispensa sem justa causa do professor pelas escolas particulares. “Nós temos de entender que o aviso-prévio é uma exceção. Ele é dado na condição da demissão sem justa causa. Trata-se de uma anomalia e, para demitir, é preciso que exista uma causa justa”, recomenda. “Se não for assim, o empregador deve aceitar que dispensar sem motivo vai sair mais caro”, avisa o representante da Contee.

Para Amábile Pácios, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), o custo da demissão de um docente sem justa causa é realmente alto para os mantenedores. Nesse sentido, ela se mostra contra a aprovação do PL 2.526. “É mais uma lei que viria para proteger o mau professor. O docente que faltou além da conta, não se adequou ou não contribuiu para educação dos alunos com toda a certeza acabará mantido na instituição, se a escola não tiver como arcar com o ‘preço’ da demissão. Isso, sem falar da nova regra para o aviso-prévio proporcional de até 90 dias”, contrapõe, fazendo referência à nova regra para o cálculo proporcional do aviso-prévio (veja texto abaixo).

O outro lado
A presidente do Fenep afirma que o acúmulo das férias e do aviso-prévio na hora de demitir sem justa causa ao fim do ano letivo torna-se mais um entre vários pesos na balança do empresário do setor privado de ensino. “A conta fica toda com o empregador. Além do aviso-prévio e das férias, há o 13º salário e a contribuição ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pagamentos e remunerações que se dão em períodos nos quais os professores não trabalham. Desse jeito, fica mais caro demitir um professor ruim do que contratar um bom”, problematiza. Amábile acredita que grande parte das demissões nas escolas se concentra às vésperas do recesso porque os professores já gozam de períodos de estabilidade durante as aulas e dispensas no período letivo resultam em multas e processos onerosos para as instituições.

Caso o projeto de lei seja aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e vá para a votação na Câmara, ele será incorporado à Súmula 10 do Tribunal Superior do Trabalho. O texto já assegura “aos professores o pagamento dos salários no período de férias escolares”. Garante ainda que, “se despedido sem justa causa, ao terminar o ano letivo ou no curso dessas férias, [o professor] faz jus aos referidos salários”. Aplicada desde 1978, a súmula torna pública a jurisprudência da CLT e leva em conta que, diferentemente das férias individuais, obtidas legalmente após um ano de prestação de serviço, o recesso escolar é um período no qual o professor está, por lei, à disposição do empregador para a realização de exames, o que, portanto, lhe dá o direito ao aviso-prévio. A Súmula 10 baseia-se nos artigos 9º, 451º e 452º da CLT, que tratam da infração à legislação do trabalho e da validade dos contratos individuais. Ao impor esse tipo de vínculo, válido apenas no decorrer do ano letivo, alguns empregadores
burlam a regra – violação que pode, inclusive, resultar em severas multas e na paralisação parcial da escola.

Mudança de jogo
Instituída recentemente, nova regra para o cálculo do aviso-prévio pode afetar as escolas

Sancionada em novembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, a nova regra para o cálculo proporcional do aviso-prévio somado ao pagamento das férias promete estar no centro da discussão para a aprovação do PL 2.526 na Câmara, segundo o administrador especializado em educação Eugênio Cordaro, sócio da Corus Consultores. De acordo com o texto, após completar um ano no emprego, o trabalhador ganha três dias a mais de aviso-prévio para cada ano de serviço, podendo chegar a até 90 dias. “Para quem tem até um ano de casa, nada muda, continuando os 30 dias até então previstos na Constituição. Mas a situação é diferente para aqueles professores que estão há 10 ou 15 anos na empresa. Esses podem gerar um custo alto para o empregador que dispensar sem justa causa”, explica. “Instituições que estiverem com uma situação financeira frágil podem sentir o peso de uma demissão, pois o salário desse professor costuma ser mais alto. E se for o desejo dos pais tirar um professor de um colégio, por exemplo, a escola não pode fazer nada: basta um abaixo-assinado. No fim das contas, isso pode se refletir em aumento das mensalidades”, opina Cordaro. Já na análise do professor Luiz Antônio Barbagli, presidente do Sindicato dos Professores da cidade de São Paulo (Sinpro-SP), os pagamentos concomitantes das férias e do aviso-prévio sob a nova regra dificilmente causariam um efeito cascata capaz de aumentar substancialmente as mensalidades. “O setor passa por um bom momento e a rotatividade é crescente. Em São Paulo, em dezembro de 2011, foram homologadas pelo sindicato cerca de 4 mil demissões. Desse total, quatro em cada dez professores pediram para ser despedidos”, avalia.

Autor

Julio Lamas


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