NOTÍCIA

Entrevistas

Olga Franco García

Pesquisadora cubana defende currículo comum nas escolas

Publicado em 10/09/2011

por Redação revista Educação







Myriam Tricate



Como tudo o que se refere a Cuba, a educação também desperta curiosidade. Afinal, nessa ilha as ligações com o resto do mundo permanecem quase sempre por um fio, e muito pouco do que ali acontece é divulgado pela imprensa internacional. Sabe-se, porém, que lá se encontram alguns dos melhores indicadores educacionais das Américas. Mas, que ensino se pratica na terra de Fidel?

Em termos de educação infantil, trata-se de um trabalho pedagógico cuidadoso, que não despreza as mesmas referências de qualidade que influenciaram a educação da infância em outras partes do mundo, nas últimas décadas. Para se ter certeza disso, basta conversar com a pesquisadora Olga Franco García, dirigente do Ministério da Educação de Cuba, mestra em educação infantil e conferencista internacionalmente requisitada.

Olga virá ao Brasil em maio, para participar do Congresso Educador 2005, ocasião em que deverá discutir as novas tendências do ensino da primeira infância. Antes disso, porém, ela falou à revista Educação, em entrevista à coordenadora pedagógica do Congresso Educador, Myriam Tricate.



Revista Educação – No Brasil, mesmo que se reconheça a importância da educação infantil, do ponto de vista pedagógico, as políticas ainda são frágeis. Como Cuba trata essa fase questão?

Olga Franco Garcia – A educação das crianças, do nascimento até os 6 anos, é a tarefa mais importante para qualquer país que queira contar com cidadãos plenamente realizados e aptos a enfrentar os desafios do desenvolvimento impetuoso da humanidade. A convicção do papel decisivo que exerce a educação no desenvolvimento infantil determinou que, na história da educação cubana, tenha havido uma busca de caminhos para conseguir educar crianças de todas as idades. As investigações científicas, os estudos teóricos e a prática educativa revelaram que as crianças possuem enormes potenciais. Em condições favoráveis de vida e educação, elas desenvolvem diferentes tipos de capacidades práticas, intelectuais e artísticas. Além de noções e representações, sentimentos, hábitos de comportamento social e normas morais que consolidam traços de caráter. Na política educacional cubana, presta-se muita atenção e se realizam os esforços necessários para conseguir estimular o desenvolvimento desde a primeira infância, porque estamos convencidos da sua importância deste período na vida.


As escolas de educação infantil devem obedecer a um currículo mínimo comum?

Uma educação desta natureza deve responder a uma série de princípios pedagógicos essenciais. No processo educativo, a criança é o protagonista, o que não quer dizer que ela deva fazer o que quer. O educador deve conceber ações educativas em função de necessidades e interesses das crianças, para obter uma participação ativa e cooperativa. Não como algo que a criança se limita a receber, mas como ações que ela deseja realizar e vão trazer satisfação. Em nosso currículo, busca-se, para essa etapa, dois objetivos: alcançar o desenvolvimento integral da criança, em todas as suas facetas, e formar bases que a preparem intelectual e cognitivamente, no plano afetivo e motivacional. Nesse momento não é tão importante o conhecimento, mas o desenvolvimento que as crianças logrem mediante a própria aprendizagem.


Seguir um currículo não significa dizer que tudo o que a criança aprende está pré-determinado, não é?

Todo o momento da vida da criança tem que ser educativo. Quando realiza alguma tarefa simples, como se alimentar e até dormir, tudo deve ser organizado e concebido para contribuir para seu desenvolvimento e formação integral. Concebido em grandes áreas de desenvolvimento (intelectual, física, estética e moral), o modelo pedagógico cubano para a educação infantil resulta de um aperfeiçoamento contínuo, mediante uma estratégia que o submete à investigação para determinar sua eficiência e introduzir as mudanças necessárias. Esta etapa é decisiva para o desenvolvimento da personalidade e da aprendizagem escolar. Assim como é fundamental o papel das condições de vida e educação para o desenvolvimento da criança em geral. Essa concepção difere daquelas em que o desenvolvimento se considera um processo espontâneo, com suas próprias regularidades internas, e que se realiza independentemente das influências externas.


Quando se fala em educação infantil, remete-se ao “desenvolvimento infantil”. Qual é, em sua visão, o papel da educação infantil?

A educação infantil deve compreender o desenvolvimento integral de toda a personalidade. Não se trata de explicar o desenvolvimento de processos isolados ou independentes, como a percepção ou a linguagem. Mas vê-los em sua unidade e inter-relações, de como se ligam uns aos outros e como se integram para um quadro geral da estrutura da psique. A experiência social é o produto da cultura humana enriquecida por cada geração e se encontra concretizada pelos produtos da atividade material e espiritual do homem. É nesse processo de interiorizar esta experiência social que, em cada sujeito, se produz o processo de formação da personalidade. O meio social não é simplesmente uma condição externa no desenvolvimento humano, mas uma verdadeira fonte para o desenvolvimento da criança. Daí a importância de que o trabalho pedagógico para esta etapa da vida seja concebido de maneira a integrar todas as esferas do desenvolvimento da personalidade, em um processo ativo, criativo e no qual as crianças são o centro.


Na sua opinião, é positivo que a educação infantil seja muitas vezes vista como uma ante-sala, como uma preparação para a educação escolar futura da criança?

Não, não consideramos positivo que a educação infantil seja vista unicamente com a ante-sala da educação primária ou como uma etapa de preparação. A idade pré-escolar é uma etapa única em si mesma. Contudo, a idade pré-escolar é aquele período no qual a criança se converte propriamente em um escolar. Daí que a articulação da instituição pré-escolar com a escola seja uma necessidade do desenvolvimento, porque, mesmo que o aluno esteja no início do ensino fundamental, é uma criança em idade pré-escolar em trânsito para a etapa escolar.




Isso vale também quando falamos de alfabetização?

Quando falamos da preparação da criança para seu ingresso na escola nos referimos ao domínio de conhecimentos e procedimentos, habilidades específicas para a posterior aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática, como objetivos básicos da educação primária. Trata-se de conseguir que na criança se forme motivações e interesses por aprender e conhecer os fenômenos do mundo que a rodeia. E que ela aprenda a trabalhar em grupo e compartilhar tarefas com seus companheiros. Consideramos, por isso, que temos de preparar as crianças em idade pré-escolar para a escola e também para a leitura e a escrita, mediante uma grande diversidade de atividades que o propiciem. Desde cedo, temos que fazer com que assimilem as relações essenciais como passo prévio ao novo nível que devem alcançar, sem perder o enfoque lúdico.


Crianças que passaram pela educação infantil têm maior chance de sucesso escolar do que crianças que não tiveram essa oportunidade?

Há razões para afirmar que as crianças que recebem atenção educativa antes dos seis anos têm mais possibilidades de êxito na educação escolar. Mas este é um processo no qual intervêm múltiplos fatores, não apenas de ordem cognitiva e intelectual, mas também afetivos. Não há uma segunda oportunidade para a infância. Com todos os conhecimentos baseados nas investigações sobre a importância dos primeiros anos de vida, é fundamental fazer o que seja possível pelo bem de cada criança, por sua saúde e nutrição, seu crescimento e desenvolvimento, sua felicidade. Como dizia um de nossos mais importantes pedagogos, José de La Luz y Caballero (1800 – 1862): “Dê-me uma criança de 0 a 7 anos e eu responderei por eles pelo resto de suas vidas”.


Em sua opinião, a educação infantil deve ser vista também como uma instituição de apoio à família?

A atenção educativa para as idades de 0 a 5 anos constitui um verdadeiro serviço social que apóia a mulher e a família, e, por isso, deve receber a colaboração de ouras áreas além da educação. Em nossa experiência, tanto a instituição infantil como o programa social de atenção educativa cubana Educa teu filho conta com a participação de diversos setores da sociedade. As instituições relacionadas à educação, como a saúde, a cultura e o esporte, vinculam-se de diversas maneiras ao trabalho de educação infantil, com contribuições de caráter material ou humano. Numa atuação multidisciplinar, contribuem para o enriquecimento do trabalho dos profissionais da educação. A criança faz também parte de outro grupo social, a família, que exerce sua influência educativa com grande força. É muito importante alcançar coerência na direção destas influências, de forma tal que uma reforce a outra. Para isso, é indispensável uma aproximação entre a instituição infantil e a família. Portanto, o objeto de formação não é apenas a criança, mas também a família.


Sendo assim, qual deve ser a formação dos profissionais envolvidos na educação infantil?

Com certeza, as crianças devem estar nas mãos de profissionais preparados especialmente para o trabalho educativo que deverão realizar. Por exemplo, nas universidades pedagógicas, que agora estão em todos os municípios de Cuba, graças à universalização dos estudos universitários, além da carreira Licenciatura em Educação Pré-Escolar, em curso regular, são oferecidos cursos para trabalhadores. Estes são franqueados a todos os vinculados de uma maneira ou de outra à educação neste nível. Oferecem-se, também, diversas vias de habilitação, capacitação e aperfeiçoamento, que garantam a preparação destes outros agentes educativos. Isto não significa que não haja muitos agentes educativos na comunidade, que também exercem importante influência sobre a educação e o desenvolvimento das crianças. Entre eles, está em primeiro lugar, a família, seguida dos professores de outros níveis, auxiliares pedagógicos, bibliotecários, médicos, enfermeiros da família, técnicos de esportes…


Qual seria, enfim, o perfil desse profissional?

Deve ser culto e comprometido com os princípios da revolução e da política educacional cubana, caracterizado por um elevado sentido humanista, uma profunda identidade profissional e pelo sentido de responsabilidade. Um profissional conhecedor das particularidades fisiológicas e psicológicas que distinguem o processo de desenvolvimento das crianças de 0 a 6 anos em cada período evolutivo. Que possa caracterizar e valorizar o desenvolvimento alcançado pela criança, em particular, e do grupo, em geral. Além disso, organizar, planejar e dirigir sua ação educativa nas diferentes formas organizativas da educação pré-escolar, partindo de uma concepção desenvolvimentista do processo educativo.


No Brasil, fala-se muito na questão do afeto. Qual é a ligação real entre o afeto e o aprendizado?

Quando nos referimos à relação do cognitivo e o afetivo na primeira infância, temos que ter presente que todo o que rodeia a criança pode contribuir para seu desenvolvimento. Devemos nos despojar da idéia de que apenas as atividades docentes, propriamente ditas, são as que permitem influir no intelecto infantil. Existem infinidades de outras atividades que favorecem o desenvolvimento intelectual e enriquecem a vida toda da criança, sem excluir a brincadeira, que alegra o espírito e aguça os sentidos. O desenvolvimento psíquico da criança ocorre durante o processo de assimilação da experiência social acumulada pela humanidade. Deve-se ver o desenvolvimento cognitivo como parte desse todo que é o psiquismo, vinculado estreitamente com a riqueza de interesses dos pequenos, de seus sentimentos, de suas emoções e de sua relação direta com o mundo que a circunda.

Autor

Redação revista Educação


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