NOTÍCIA

Ensino Médio

O ensino médio e seus caminhos

Programas governamentais miram a integração entre a educação profissional e o ensino médio tradicional e a flexibilização do currículo, com a introdução de disciplinas optativas para que alunos possam construir seu percurso de aprendizado

Publicado em 10/09/2011

por Filipe Jahn

Matheus Escobar, aluno em escola técnica paulista: opção pelo ensino médio integrado para chegar ao ensino superior

Um dos principais dilemas da educação contemporânea é aquele que gira em torno da permanência dos alunos do ciclo médio nos bancos escolares. Atraídos pelo número de estímulos e pela velocidade da sociedade, a escola lhes parece enfadonha. No entanto, muito do que lhes parece fora de propósito nessa fase – experiências, relações, conhecimentos – só irá adquirir sentido ao longo do tempo. Muitas vezes acaba por não fazer, por diversos motivos, entre eles o abandono da escola.

Todo esse clima de desinteresse dos adolescentes pela vida escolar tem gerado muitas reflexões mundo afora sobre os possíveis caminhos de fazer com que o ensino médio seja vivido e percebido como significativo. Nessa perspectiva, o desafio dos sistemas de ensino nos últimos anos envolve a capacidade de organizar um programa curricular que consiga, ao mesmo tempo, formar os jovens para continuar os estudos no ensino superior e prepará-los para o mercado de trabalho. Ou seja, fazer com que se escolarizem o mais possível, o que muitas vezes obscurece outros sentidos da educação.

No Brasil, o cenário segue roteiro parecido. As novas proposições do governo federal para o ensino médio têm o objetivo de elevar o índice de conclusão do ensino médio regular para o patamar de países mais desenvolvidos. “Para esses países, a permanência do aluno em sala de aula nessa etapa deixou de ser um desafio há alguns anos. Hoje existe uma forte pressão socioeconômica, e muitos daqueles que saem não têm a menor chance profissional na vida”, avalia Cândido Gomes, consultor da Unesco e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB-DF).

Evidência disso é o índice de jovens de 18 a 24 anos que completaram o segundo ciclo do 2º grau, que equivale ao nosso ensino médio. Conforme o Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), a média de conclusão nessa faixa etária entre os 27 membros é de 79%. Nos Estados Unidos, chega a 89%. No Brasil, conforme a Síntese dos Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE em 2010, somente 37% dos jovens de 18 a 24 anos já completaram a etapa. Segundo pesquisa recente divulgada pelo Instituto Unibanco junto à rede estadual paulista, de cada 100 alunos que terminam o ensino fundamental com a idade correta, 83 vão para o ensino médio. Destes, apenas 47 terminam o médio em três anos. Considerando a evasão do início do fundamental ao final do médio, de cada 100 estudantes que entram saem 23 no período correto.

Para aumentar esses índices de conclusão, o MEC aposta na ampliação da educação profissional, ainda pouco expressiva no Brasil. No âmbito do ensino secundário, ela responde por apenas 14% das matrículas, contra 77% da Áustria, 58% da Alemanha, 44% da França, 42% da China e 37% do Chile.

Realidade brasileira
Para melhorar o cenário, o governo federal aposta, desde 2004, em propostas que apontem para um programa curricular mais flexível. Uma das principais medidas foi a possibilidade de integrar ensino regular e a educação profissional, sacramentada pelo decreto 5.154/04. Dessa maneira, instituições privadas e públicas oferecem as aulas regulares em um turno e cursos que preparem para o mercado de trabalho em outro, sob uma mesma matrícula.

Esse é o caso de Matheus Escobar, aluno do 2º ano da Escola Técnica Estadual (Etec) Jorge Street, em São Paulo. Durante a tarde, ele cursa as disciplinas do ensino formal tradicional; de manhã, tem aulas de desenho técnico mecânico, automação industrial e eletrônica digital, entre outras.

Aos 16 anos, Matheus resolveu fazer o ensino médio integrado porque, na sua opinião, esse caminho lhe dará mais chances de seguir os estudos no ensino superior. “Quero ir o mais rápido possível para a universidade. Se tiver de ser uma particular, com a mecatrônica tenho chances de arrumar um bom trabalho para conseguir pagá-la”, diz, referindo-se à formação técnica que está cursando, umas das 83 oferecidas no ensino técnico paulista.

Os números comprovam a tese do estudante. Uma pesquisa conduzida pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), divulgada em 2010, apontou que a chance de arrumar emprego para jovens que cursam alguma modalidade de educação profissional é 48% maior. A possibilidade de carteira assinada também cresce 38%. Para chegar a esses índices a pesquisa relacionou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) dos oito anos anteriores.

Além da educação integrada, o decreto 5.154/04 traz outras duas formas de articulação entre o ensino médio e a educação profissional: a concomitante, para quem já está cursando o ensino médio regular, com duas matrículas por aluno e oferta de disciplinas na mesma escola ou em local distinto; a subsequente, oferecida para aqueles que já terminaram o 2º grau.

Novas ideias
Para aumentar o índice de matrículas no ensino técnico, o governo federal aposta também no Programa Nacional de  Acesso à Escola Técnica (Pronatec). Anunciado em fevereiro deste ano pela presidente Dilma Rousseff, ele vai financiar cursos profissionalizantes no nível médio em instituições particulares para pessoas de baixa renda. Alunos que já se formaram no segundo grau também poderão participar, através do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).

Para o titular da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), Eliezer Pacheco, a oportunidade irá contribuir não apenas para elevar a taxa de jovens na área técnica mas também motivá-los a concluir o ensino médio. “O programa é mais uma alternativa importante para responder às expectativas dessa população”, acrescenta o secretário. Quando esta edição foi fechada, em meados de abril, o plano aguardava alguns estudos finais para ser lançado pela presidência da República. A aposta na educação profissional se consolidaria através da ofertas de cursos também na educação não formal e no ensino superior (tecnólogos), além do médio.

Outro programa para a área, em vigor desde 2009, é o Escola Técnica Aberta do Brasil (E-Tec Brasil), que ministra educação a distância e envolve os segmentos concomitante e subsequente. Apenas instituições públicas federais, estaduais e municipais que já oferecem o modelo presencial podem abrir núcleos.

O E-Tec Brasil é direcionado para pessoas que moram em cidades do interior e periferias de áreas metropolitanas. Eliezer Pacheco explica que os cursos estão concentrados na área de serviços, mas que há convênios com institutos federais para as aulas laboratoriais. “Também estamos adquirindo caminhões-laboratórios, que irão aos lugares mais distantes”, completa. Hoje, o programa tem 291 núcleos espalhados em 20 estados, com 28 mil alunos matriculados. E há ainda o Brasil Profissionalizado. Até o fim de 2011 ele irá repassar cerca de R$ 900 milhões para os estados expandirem e modernizarem as redes públicas de ensino médio integradas à educação profissional.

Novo modelo
Outra proposta implantada em caráter experimental é o Ensino Médio Inovador (EMI). Lançado no ano passado, tem entre as suas principais ações o aumento da carga horária letiva anual de 800 para mil horas e a destinação de 20% dessa carga à oferta, pela escola ou por parceiros, de disciplinas eletivas.

Nesse modelo, o currículo passa a valorizar a interdisciplinaridade e deve ser organizado em torno de quatro eixos: trabalho, tecnologia, ciência e cultura. Também é previsto o incentivo à contrataçã
o de professores com dedicação exclusiva e o estímulo às ativi
dades de produção artística e de aulas teórico-práticas em laboratórios.

O EMI funciona atualmente em escolas de 18 estados que resolveram aderir a ele e  recebem apoio técnico e financeiro da União. Segundo dados da Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), os recursos totais somam R$ 33 milhões e atingem 296 mil estudantes em 357 escolas.

Atualmente a SEB reformula o programa e uma nova versão está prevista para maio. Uma das medidas sendo planejadas é articulá-lo com outro programa do ministério, o Mais Educação, que oferece suporte financeiro diretamente às escolas para passarem a ofertar atividades optativas. Elas são agrupadas em macrocampos como esporte e lazer, cultura e artes, cultura digital, educomunicação e educação econômica.

Na opinião de Maria Sylvia Simões, professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, as ideias do Ensino Médio Inovador representam um avanço na educação brasileira. Por outro lado, lembra a professora, a consolidação do projeto no país inteiro esbarra em um ponto bastante complicado: o MEC e os governos estaduais precisam estar em sintonia. Mas alguns estados já sinalizaram que não deverão aderir. “Se não há vontade política de quem tem o poder de decisão, fica difícil implantar”, comenta Maria Sylvia Simões. Outro problema é o custo do modelo, bem superior ao do ensino médio tradicional.
   
O $ da questão
Esse descompasso entre os entes federativos também está refletido na educação profissional. De acordo com o Censo Escolar 2010, nas escolas da rede federal, o ensino técnico integrado representa a maior parte das matrículas da área, com 46% (76 mil alunos entre 165 mil). Agora, considerando toda a educação profissional, ele cai para último, com 18,9% (215 mil em um universo de 1,14 milhão).

Entretanto, além de questões políticas, as propostas do governo federal para o ensino médio também enfrentam dificuldades para emplacar nacionalmente por causa de seu custo, difícil de ser assumido pelos estados. Álvaro Chrispino, professor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), explica que, no caso do ensino integrado, o custo de laboratórios e equipamentos é alto e essa forma de articulação também exige capacitar os docentes das duas áreas. “A maioria dos estados só consegue ofertar em quantidade se houver contrapartida da federação.”

Para que se tenha ideia, ao mesmo tempo que o valor mínimo previsto pelo Fundeb 2011 para o ensino médio é de R$ 2.066,46, esse montante varia muito entre diferentes unidades da federação. No Rio Grande do Sul, está próximo do mínimo (R$ 2.039,22); no Amapá, é de R$ 2.920,89; em São Paulo, R$ 3.168,45; em Roraima, R$ 3.498,52.

A contratação de docentes é outra questão. Maria Sylvia Simões afirma que o sucesso do Ensino Médio Inovador e do ensino integrado significará crescimento da demanda. Assim, as secretarias de Educação precisarão abrir novos concursos e aumentar a carga horária de quem já é da rede. “Só que aí tem de ver quem consegue financiar isso e, ao mesmo tempo, oferecer um salário decente”, pontua.

Segundo levantamento feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o salário médio nacional de admissão de um docente do 2º grau é de R$ 1.078. Em comparação com outros países, o Brasil está bem atrás nesse quesito. Na França, um professor do ensino médio em início de carreira ganha cerca de R$ 4 mil. Nos Estados Unidos o valor médio chega a R$ 5,5 mil.

Jaqueline Moll, diretora de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica da SEB, afirma que os repasses do governo federal às redes estaduais devem aumentar, porém as propostas têm o objetivo de proporcionar condições iniciais para desenvolver experiências que possam ser ampliadas dentro do sistema de ensino. “São projetos de médio e longo prazo. Nesse sentido, os estados têm como promover mudanças graduais de acordo com suas possibilidades”, avalia a diretora.

Quem se beneficia
Outra discrepância que as propostas do MEC não solucionam é a qualidade das instituições e redes em um sistema que privilegia o mérito do aluno. Como mostra o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) observado em 2009, a média do segundo grau nas redes estaduais brasileiras é 3,4, mas a diferença entre os entes pode chegar a mais de um ponto.

O Paraná tem a melhor pontuação, com 3,9, seguido por Rondônia e Santa Catarina, empatados com 3,7. Entre os piores, Rondônia apresenta a nota mais baixa, 2,7. O estado é acompanhado de perto por Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Alagoas, que obtiveram 2,8. A escala do Ideb vai de 0 a 10.

As notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também são evidência do tamanho da disparidade. Das 20 escolas públicas mais bem colocadas em 2009, 13 são do Sudeste, quatro estão no Nordeste, duas no Sul, uma no Centro-Oeste e nenhuma na região Norte. Detalhe importante: essas 20 instituições com as maiores notas fazem testes seletivos de admissão, os vestibulinhos. A melhor da rede pública no ranking do Enem sem esse tipo de processo ocupou a 729ª colocação.

Álvaro Chrispino, docente do Cefet/RJ, diz que, se não houver igualdade de condições entre as escolas, as vagas daquelas que tiverem sucesso com a implantação dos projetos do MEC serão cada vez mais concorridas. Com o tempo, elas podem acabar utilizando mecanismos de seleção.

Essa tendência decorreria de uma precipitação do MEC, que elaborou boas ideias para todo o país sem levar em conta as desigualdades históricas. “Se a qualidade do sistema de uma rede se mantém desnivelada, as propostas para todo o ensino médio continuam a surtir efeito apenas em uma pequena parcela de jovens”, conclui ele. Ou seja, a educação, ao contrário dos discursos públicos, continuaria a não se efetivar como um fator de redução das desigualdades sociais, ou o faria em ritmo muito menor que o necessário ao equilíbrio social do país. 

As áreas da educação profissional
Formação Inicial e Continuada (FIC) ou Qualificação Profissional
Cursos de capacitação para todos os níveis de escolaridade.
Duração curta (em torno de três meses)

Técnica
para alunos de 2º grau ou que já tenham concluído a etapa.
Há um catálogo nacional com 185 cursos em doze eixos.
Divide-se em três formatos: integrada, concomitante e subsequente

Tecnológica
cursos de 3º grau, com dois a três anos de duração.
No último catálogo editado pelo MEC, estavam listados 112 cursos.

Problemas históricos
A primeira tentativa de integrar o ensino médio regular e o técnico foi a reforma da Educação Básica promovida durante a regime militar, pela Lei 5.692, de 1971. Por esse modelo, a educação profissional passou a ser compulsória para alunos do segundo grau da rede pública.

Para incluir os novos conteúdos técnicos, os programas curriculares diminuíram a carga horária das disciplinas tradicionais. Na opinião de Celso Ferretti, da Universidade de Sorocaba, Celso Ferretti, o modelo era “torto”, pois tinha tendência a formar pessoas técnicas sem desenvolver conhecimentos de aspectos sociais de forma mais ampla.

Outro complicador foi a falta de estrutura para implantar o currículo. “Muitas escolas tiveram de oferecer cursos que não aplicavam manipulação de instrumentos, como contabilidade e administração, e os alunos não viam futuro nisso”, diz Ferretti. Houve então um movimento intenso da classe média para escolas particulares, que ofereciam o ensino regular, e por isso proporcionavam mais garantias de formação que desse acesso ao ensino superior.

Com o esvaziamento, as escolas passaram a ter cada vez menos cursos ocupacionais. Na década de 1990, a educação profissional de nível médio ficou quase que restrita às Escolas Técnicas Federais (ETFs). A edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 voltou a articular o segmento com o ensino regular.

As duas principais ações dessa reforma foram o decreto 2.208 (1997) e o Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep). A primeira introduziu a separação formal dos dois modos de ensino, em que a oferta de cursos ocupacionais passou a acontecer somente de maneira paralela ao médio regular, através dos modelos subsequente e concomitante.

O Proep previa parcerias com instituições públicas e privadas para construir novas escolas técnicas. Pelos contratos, metade da oferta de cursos seria para o nível médio e a outra para o superior, com reserva de vagas gratuitas. Entre 1999 e 2007, 98 entidades receberam R$ 257 milhões do governo federal, mas uma fiscalização do MEC em 2009 revelou que apenas uma cumpriu todo o acordo.

Conheça a trajetória escolar de outros países, como Coreia do Sul, França e Inglaterra

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Autor

Filipe Jahn


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