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Carreira

Arestas a aparar

A criação de um Exame de Ingresso na Carreira Docente, anunciada pelo MEC em 2010, ainda enfrenta resistência de alguns setores e seu formato continua em debate

Publicado em 10/09/2011

por Amanda Cieglinski

Já faz nove meses que o Ministério da Educação (MEC) propôs a criação de um exame nacional para selecionar professores interessados em trabalhar em escolas da rede pública, a partir da adesão de secretarias estaduais e municipais. A primeira edição da prova, apelidada de “Enem dos professores”, estava programada para 2011 e o objetivo era recrutar docentes para a educação infantil e para os primeiros anos do fundamental. Mas o projeto foi questionado por entidades do setor educacional e só deve sair do papel no ano que vem, apesar de haver quem afirme que ainda pode ocorrer neste ano.

A principal crítica vem da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). O grupo acredita que o modelo passará a ditar o formato e o conteúdo dos currículos dos cursos de formação de professores. Da mesma forma que o ensino médio se transformou em etapa preparatória para o vestibular, o temor é que os cursos de pedagogia e as licenciaturas tenham como foco da formação a aprovação no Exame de Ingresso da Carreira Docente – nome oficial da prova.

Para incluir a Anped e outras entidades no debate e na formulação do projeto, em novembro o ministro da Educação, Fernando Haddad, se reuniu com representantes de diferentes organizações. Foi instituído um comitê de governança para acompanhar esse processo, com participação de membros da Anped, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), entre outros. 

Segundo a presidente da Anped, Dalila Oliveira, também professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, o ministro compreendeu as ressalvas feitas pelo segmento acadêmico, mas desde então não houve novos encontros ou anúncio de mudanças. “O ministro se comprometeu a rever alguns pontos que para nós são muito importantes e publicar uma nova portaria. Uma das primeiras questões que discutimos foi a utilização do termo ‘exame’; somos contra. Mas nada contra utilizar a palavra ‘concurso’ ou ‘banco de questões’, por exemplo”, compara Dalila. Para a entidade, o termo exame traz mais forte o conceito de avaliação e accountability , prática comumente associada às políticas de bonificação por desempenho e ranqueamento – quando, na verdade, o objetivo da prova seria selecionar novos profissionais para ingressar nos quadros das secretarias de Educação.

A matriz de conteúdos que orientará a elaboração da prova ainda não foi apresentada. Uma das reivindicações do grupo é que, depois de pronta, ela passe pelo crivo das entidades e outros atores importantes da área. “As matrizes foram elaboradas por pesquisadores da nossa área, pessoas que todos nós conhecemos. Mas não achamos que é uma questão de ser aquele ou esse pesquisador. A discussão precisa ser mais ampla e a Anped tem interesse em conduzir esse processo”, afirma.

Um dos argumentos da associação e de outras entidades, como a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae) e a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), é de que projetos semelhantes implantados em outros países “fracassaram”. “O enfraquecimento das instituições formadoras, o estigma que o exame pode gerar para o professor individualmente são exemplos dos problemas que países como Chile e Equador viveram em função desses exames nacionais”, compara.

Na expectativa
Enquanto isso, na outra ponta, secretarias municipais de educação aguardam ansiosas pela nova ferramenta. A Undime acompanha de perto o processo e também participa das discussões sobre o formato e aplicação da prova.  Cleuza Repulho, presidente da regional Sudeste e potencial candidata a presidente nacional na próxima gestão, acredita que há “um bom caminho para o consenso”. Ela participou de reunião em fevereiro com representantes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que será o responsável pela prova, e aposta que será possível aplicar o exame ainda em 2011 .

“Pode começar ainda no segundo semestre, como um projeto piloto em municípios que já precisam do concurso. A ideia é não esticar [o prazo] mais do que já foi esticado”, afirma. O Inep e o MEC não confirmaram uma data para a prova até o fechamento desta edição, mas logo após ser confirmado no cargo, em dezembro do ano passado, Haddad disse que a primeira edição ficaria para 2012. O órgão tem outros grandes projetos para tocar em 2011 além das coletas de dados periódicas. Entre eles o problemático Enem e a Prova Brasil; esta servirá de base para o cálculo do novo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Segundo o presidente da Undime, Carlos Eduardo Sanches, o exame representará uma economia importante com a elaboração de concursos e permitirá uma seleção mais qualificada dos profissionais. Ele calcula que 70% a 80% dos municípios teriam interesse em utilizar a nota do exame para escolher novos professores.

“A manifestação de interesse por parte dos municípios tem sido grande, não só dos de pequeno porte que têm dificuldade para organizar concursos, mas também de outros de grande porte. Ele já tem uma ampla aprovação. Um exame estruturado certamente vai elevar o nível dos professores”, avalia.

Segundo Cleuza, o Inep irá formar um grupo de trabalho, incluindo as universidades, para finalizar a proposta e apresentar a matriz de conteúdos. “Nós já temos muitos pontos em comum, mas algumas questões precisam ser mais esclarecidas. A prova não é uma avaliação de carreira, mas uma porta de entrada que irá ajudar os municípios. Custa muito caro fazer um concurso e alguns correm o risco de não serem tão sérios”, aponta.

Após a definição da matriz – que indicará quais conteúdos serão cobrados na prova – o Inep precisa abrir chamada para elaboração de itens, trabalho feito por especialistas, professores e pesquisadores. Isso porque o instituto não tem experiência em elaboração de provas para esse público – os bancos de itens já existentes são de avaliações de nível básico como a Prova Brasil e o Enem.

Carreira
Logo que foi apresentado, o projeto foi alvo de críticas também por parte da categoria que temia a criação de mais um ranking, dessa vez a partir das notas dos professores submetidos à prova. A possibilidade foi logo afastada pelo MEC, que garantiu sigilo em relação às notas – apenas as secretarias de educação interessadas em contratar os profissionais poderão ter acesso aos resultados.

Roberto Leão, presidente da CNTE, afirma que a entidade continua “acompanhando o debate” e também rechaça a ideia da criação de uma avaliação de desempenho dos trabalhadores. “Mantemos a perspectiva da construção de uma carreira nacional dos docentes, com um piso salarial nacional; nesse sentido a proposta é interessante, com todas as ressalvas que precisam ser feitas”, aponta.

Uma das reivindicações já feita foi a de que o comitê de governança fosse ligado ao gabinete do MEC e não ao Inep. “O debate precisa ser político e não só técnico”, defende Leão. A CNTE e outras entidades acreditam que as equipes envolvidas com o projeto dentro do Inep o tratam de maneira mais técnica. Assim, haveria pouco espaço para negociação de alguns pontos importantes, como, por exemplo, as questões relacionadas à divulgação dos resultados e ao perfil da prova e dos conteúdos que serão cobrados na matriz do exame. Com a chegada de Malvina Tuttman à presidência do instituto, esse diálogo deve ser fac
ilitado. Ex-reitora da Universidade Federal do Estado do R
io de Janeiro (Unirio), ela  é pedagoga e doutora em educação.

Dalila sugere ainda que a prova possa induzir a uma melhora na carreira a partir de critérios de participação. “A utilização do concurso pelos municípios podia ser condicionada ao compromisso de pagar o piso ou seguir as diretrizes de carreira aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação”, propõe.

A reportagem de Educação manteve contato com a Assessoria de Comunicação do Ministério da Educação por mais de duas semanas para que o órgão pudesse esclarecer sua posição e responder às críticas das entidades. Apesar de o órgão ter assumido o compromisso de indicar uma fonte para expressar a posição do Ministério, não houve resposta efetiva até o fechamento desta edição.
 

Troca de cadeiras no Consed

O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) está sob nova direção. Maria Nilene Badeca da Costa, secretária de Educação do Estado do Mato Grosso do Sul, estado governado pelo PMDB, foi eleita para a presidência em 16 de fevereiro por unanimidade. A nova representante dos secretários estaduais é pedagoga, com especialização em gestão educacional. Foi professora, coordenadora de Planejamento da secretaria de seu estado, delegada do MEC, membro do Conselho Estadual de Educação e secretária municipal de Campo Grande. Também já atuou como presidente interina do Consed por seis meses, na gestão da então secretária de Educação do Tocantins, Maria Auxiliadora Seabra Rezende, a Dorinha. Maria Nilene foi contatada para comentar a posição do Consed sobre o Exame Nacional dos Professores, mas não se manifestou por conta de problemas na agenda.

Autor

Amanda Cieglinski


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