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Carreira

Acerto de contas

Pressionados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu a constitucionalidade do piso nacional docente, municípios e estados alegam falta de recursos para cumprir a lei

Publicado em 10/09/2011

por Amanda Cieglinski


Manifestações pela instituição do piso em Belo Horizonte (MG)

Depois de quase três anos de incerteza, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou aquilo que os professores esperavam desde 2008: a lei que estabeleceu um piso nacional para a categoria é constitucional. Agora não paira nenhuma dúvida sobre a legalidade do dispositivo e resta aos governos estaduais e municipais cumpri-lo. Mas em muitas redes de ensino o piso ainda não é realidade. No início de junho, professores de sete estados e uma capital paralisaram suas atividades para exigir o pagamento do valor determinado pela lei – R$ 1.187,14  por uma jornada de 40 horas semanais a profissionais de nível médio. Os municípios continuam alegando que não há recursos para bancar o aumento sob o risco de faltar verba para investir em outras áreas como manutenção e infraestrutura das redes. 

“A lei está absolutamente do nosso lado, mas alguns governantes ainda não entenderam isso. Muitos gestores estão buscando artifícios para não cumprir a lei tal como ela foi aprovada”, reclama Roberto Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o impacto inicial será de R$ 5,4 bilhões nas contas das prefeituras. E a complementação da União para esses casos, prevista em lei, continua inacessível. O Ministério da Educação (MEC) tem R$ 1 bilhão disponível para este fim em  2011, mas desde que a lei foi criada nenhuma das prefeituras que solicitou a verba cumpria todos os pré-requisitos necessários para receber a complementação. “Acharam que a lei não ia passar no Supremo e não fez o dever de casa nesse período. Mas muitos municípios se esforçaram, foram atrás e estão pagando o que determina a lei”, pondera Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). 

Contas abertas
Para desatar esse  nó, o MEC convidou a Undime e o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) para formar um comitê que avaliará os pedidos de verba complementar para o pagamento do piso. Entre as condições  que o estado ou a prefeitura deve cumprir para conseguir o dinheiro está a aplicação de 25% da arrecadação na educação, como prevê a Constituição Federal, e a comprovação de que o pagamento do piso irá desequilibrar as contas. É neste ponto que a liberação das verbas esbarra em um velho problema:  a falta de transparência dos gastos em educação.

“Em muitos municípios não é a secretaria de Educação que faz a gestão dos recursos. Em alguns lugares essa prestação está até em escritório de contabilidade, o secretário não sabe de fato como nem onde estão aplicados os recursos”, afirma Cleuza.

Outro critério para receber a complementação é o de que o município preencha corretamente e mantenha atualizadas as informações do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope). “Esse comitê vai provocar um debate porque mostrará a fragilidade que a gente tem na prestação de contas. Não significa que essa deficiência esteja na aplicação dos recursos, mas precisamos cuidar mais dos sistemas de controle; em muitas cidades não é o secretário que preenche o Siope”, explica Cleuza.

Para a presidente da Undime, não resta dúvida de que alguns municípios precisam dos recursos – os que terão mais dificuldade são justamente aqueles que vivem de repasse da União e dos estados. Não existe um levantamento oficial de quantas das 5.565 prefeituras do país já pagam o que determina a lei. Esse trabalho, segundo Cleuza, será feito agora a partir da decisão do STF. Mas ela concorda que a verba não pode ser entregue a quem não conseguir comprovar essa deficiência. “Ou regularizamos isso, tratamos de forma séria, ou vamos ficar correndo atrás do pote de ouro. Sabemos que a verba da União está lá, mas a gente não consegue chegar”, diz.

Em 2010, o MEC também tinha R$ 1 bilhão disponível para complementar o pagamento do piso, mas todos os 40 pedidos foram indeferidos e os recursos acabaram sendo incluídos no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e redistribuídos aos nove estados participantes. Outro pré-requisito para pleitear a verba é que o município precisa ser de uma das nove unidades da federação que são atendidas pelo fundo. Até início de junho a comissão recebeu 20 pedidos em 2011: 10 foram imediatamente negados porque os municípios não são de estados atendidos pelo Fundeb. O restante continua em análise.  Segundo levantamentos da CNM, menos de 400 prefeituras teriam condições de reivindicar a complementação a partir dos pré-requisitos determinados pelo ministério. “Diria que todos os municípios do país necessitariam de ajuda. Mas não teremos alternativa, vamos ter de cumprir. A gente sempre defendeu um piso, mas ele não pode ser destruidor da dinâmica necessária para que sejam atingidas as metas de qualidade”, defende Paulo Ziulkoski, presidente da entidade.

O outro lado
O principal argumento dos prefeitos é que o aumento das folhas de pagamento comprometerá, em muitos casos, toda a verba disponível para o investimento na área. “No corpo humano você tem o fígado, o pulmão e o coração e todos são importantes para que ele funcione bem. Não adianta dar um supercoração se o rim está entupido. No sistema de ensino você também não pode supervalorizar só um elemento, só o professor”, defende. Ziulkoski reclama que os municípios não foram chamados para o comitê que analisará a distribuição de recursos complementares pela União. Apenas os secretários de Educação têm espaço no grupo. A CNM prepara mais um estudo para apresentar quais serão os desafios dos gestores municipais para colocar o piso em prática. “Não se pode construir uma legislação em que ninguém se debruçou antes para saber quais seriam as consequências”, critica. Para Leão, da CNTE, os argumentos dos prefeitos não passam de “choradeira”, e lembra que aqueles que de fato precisam poderão encontrar apoio na complementação do MEC. “Nunca vi município ir à falência porque construiu biblioteca ou porque tem uma boa carreira para os professores. O que dificulta a situação é desvio de verba do Fundeb, da compra de ônibus para transporte escolar e da merenda”, afirma.

Piso x vencimento
Além de declarar a constitucionalidade da lei, o julgamento realizado em abril pelo Supremo esclareceu um ponto importante que era contestado pelos gestores estaduais e municipais: o valor do piso determinado na lei deve ser entendido como vencimento inicial e não pode incluir na conta gratificações, bônus e outros penduricalhos que engordam os contracheques. Para Cleuza, essa decisão é importante porque forçará os municípios a organizar uma carreira.

“O piso não é o problema, o reconhecimento da importância da carreira do professor é que vai impactar nos planos de carreira. O CNE [Conselho Nacional de Educação] homologou as diretrizes gerais para a carreira e os municípios terão de se adequar em cima do piso. E todas as gratificações que não foram incorporadas vão ter de ser pagas agora”, explica. O valor de R$ 1.187,14 por uma jornada semanal de 40 horas vale apenas para profissionais de nível médio. Para os professores com formação de nível superior a prefeitura deverá indicar qual será o valor pago. É aí, segundo Leão, que os municípios estariam “burlando” a lei para que as contas fechem. “O que alguns gestores têm feito é pagar o piso como salário inicial para nível médio e para o professor que tem curso superior a diferença salarial é de R$ 10 ou R$ 15. Você desvirtua toda a carreira em vez de incent
ivá-la”, aponta.

Apesar da resi
stência de parte dos gestores, Cleuza acredita que a lei será respeitada e vai gerar um movimento positivo de valorização da carreira. “É como o uso do cinto de segurança. Ninguém usava antes de ser obrigatório em lei, com previsão de multa. Isso não seria de outra maneira, apesar de há muito tempo a gente dizer que a educação precisa de transparência, investimento e acompanhamento.” Mesmo com a confirmação da lei pelo STF, a CNTE prepara uma mobilização nacional em defesa do piso para o segundo semestre. Os movimentos de paralisação e greve poderão ser reforçados. “Infelizmente no Brasil há uma enormidade de artifícios para que você não cumpra uma lei”, afirma Leão.

A polêmica continua
Outro ponto da lei do piso nacional do magistério que foi questionado na ação direta de inconstitucionalidade julgada pelo Supremo permanece em dúvida. A legislação estabeleceu, além das questões salariais, que o professor deve dedicar um terço da sua carga de trabalho a atividades fora da sala de aula como planejamento, treinamento e atualização. Houve empate no julgamento desse dispositivo: foram cinco votos a favor e cinco contra, já que o ministro Antonio Dias Toffoli estava impedido de votar por ter advogado em nome da União quando a ação chegou ao Supremo.

Essa mudança alteraria a organização dos sistemas já que, até então, a Lei de Diretrizes e Bases dedicava um quarto do tempo de trabalho do educador às atividades extraclasse. Isso exigirá mais professores contratados: de acordo com a CNM, o déficit seria de 180 mil profissionais. Com o empate, um dos possíveis entendimentos é o de que a decisão não estaria vinculada automaticamente a todos os estados. Com isso, a reserva de um terço da carga horária só estaria valendo para os estados que entraram com a ação: Rio Grande do Sul, Ceará, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul. Caso algum prefeito ou governador opte por não respeitar a regra, uma nova ação poderá chegar à Corte para que o dispositivo seja julgado isoladamente.

Autor

Amanda Cieglinski


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