NOTÍCIA
Para fundador da psicanálise para crianças na Grã-Bretanha, o bom funcionamento do laço com a mãe é questão-chave para organização sadia do eu
Publicado em 15/03/2017
Foi a partir do trabalho durante a Segunda Guerra com crianças refugiadas, muitas delas privadas da presença materna, que Winnicott desenvolveu um conjunto de novas intervenções clínicas e teóricas. Em sua opinião, a dependência psíquica e biológica da criança em relação à mãe tem uma importância considerável. Daí o célebre aforismo de 1964: “O bebê não existe”. Para ele, o lactente nunca existe por si só, mas sempre e essencialmente como parte integrante de uma relação. Se a mãe estiver incapaz, ausente ou, pelo contrário, demasiadamente intrusiva, a criança desenvolverá depressão ou condutas antissociais, como o roubo ou a mentira, que são maneiras de reencontrar, inconscientemente, uma “mãe suficientemente boa”.
A partir de 1945, a obra winnicottiana tomou importância no mundo anglófono, na medida em que as mulheres foram estimuladas a voltar ao lar, depois do esforço de guerra, e em que os homens retornaram à vida civil. Winnicott tornou-se uma figura popular em seu próprio país, depois de fazer, entre 1939 e 1962, cerca de 50 conferências radiofônicas na BBC, quase todas dirigidas aos pais.
A mãe suficientemente boa e o ambiente
Para Winnicott, cada ser humano traz um potencial inato para amadurecer, para se integrar; porém, o fato de essa tendência ser inata não garante que ela realmente vá ocorrer. Isso dependerá de um ambiente facilitador que forneça os cuidados de que precisa. No início da vida, esse ambiente é representado pela mãe suficientemente boa. É importante ressaltar que esses cuidados dependem da necessidade de cada criança, pois cada ser humano responderá ao ambiente de forma própria, apresentando, a cada momento, condições, potencialidades e dificuldades particulares.
A mãe suficientemente boa não é necessariamente a própria mãe do bebê, mas quem efetua uma adaptação ativa às necessidades dele. Possíveis dificuldades da mãe em olhar para o filho como diferente dela, com capacidade de alcançar certa autonomia, podem tornar o ambiente desfavorável para aquela criança amadurecer. Não basta, apenas, que a mãe olhe para seu filho com o intuito de realizar atividades mecânicas e práticas (por exemplo, alimentação e higiene) que supram as necessidades dele; é necessário que ela perceba como fazer para satisfazê-lo em suas necessidades emocionais e possa reconhecê-lo em suas particularidades.
O holding
A capacidade da mãe de identificar-se com seu filho permite satisfazer a função sintetizada por Winnicott na expressão holding. Ela é a base para o que gradativamente se transforma em um ser que experimenta a si mesmo. A função do holding é fornecer apoio egoico, em particular na fase de dependência absoluta antes do aparecimento da integração do ego. O holding inclui principalmente o segurar fisicamente o bebê, que é uma forma de amar; contudo, também se amplia a ponto de incluir o ambiente e o conceito de “viver com”, isto é, de proporcionar ao bebê vivências como uma pessoa separada, que se relaciona com outras pessoas separadas dele.
A mãe, ao tocar seu bebê, manipulá-lo, aconchegá-lo, falar com ele, e, principalmente ao olhá-lo, se oferece como espelho no qual o bebê pode se ver.
O holding é necessário desde a dependência absoluta até a autonomia do bebê. Resumidamente, o holding são as ações que protegem da agressão fisiológica, levam em conta a sensibilidade cutânea do lactente – tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade à queda (ação da gravidade) e defendem o bebê da falta de conhecimento da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo. Inclui a rotina completa do cuidado dia e noite, que não pode ser o mesmo para dois lactentes, que nunca são iguais.
O objeto transicional
No curso “normal” da vida, o bebê naturalmente passará da “dependência absoluta” para a “dependência relativa”, o que é essencial para seu amadurecimento.
O amadurecimento exige que, vagarosamente, algo do mundo externo se misture à área de onipotência do bebê. Ser capaz de adotar um objeto transicional (um brinquedo, um paninho, qualquer objeto em particular de que a criança goste) já anuncia que esse processo está em curso. O bebê está passando para a dependência relativa.
No início da passagem da dependência absoluta para a dependência relativa, os objetos transicionais exercem a indispensável função de amparo, por substituírem a mãe que se desadapta e desilude o bebê.
Na progressão da dependência absoluta até a relativa, Winnicott definiu três realizações principais: integração, personificação e início das relações objetivas.
O bebê vai desenvolvendo meios para poder prescindir do cuidado maternal, por meio da acumulação de memórias de maternagem, da projeção de necessidades pessoais e da introjeção dos detalhes do cuidado maternal, com o desenvolvimento da confiança no ambiente.
É importante ressaltar que, segundo Winnicott, a independência nunca é absoluta. O indivíduo sadio não se torna isolado, mas se relaciona com o ambiente de tal modo que ambos se tornam interdependentes.
> O brincar e a realidade, de Donald Winnicott. Rio de Janeiro, Imago, 1975.