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Redação revista Educação

Publicado em 03/12/2025

Escolas Vivas transformam saberes indígenas em escola

Ao longo de 7 anos, a Associação Selvagem, cofundada por Ailton Krenak, tem atuado junto aos povos Maxakali, Guarani, Huni Kui, Baniwa e Tukano-Dessano-Tuyuka

Em um país com mais de 300 povos indígenas que preservam pelo menos 274 línguas vivas, no qual apenas uma pequena parte das escolas consegue oferecer currículos alinhados às culturas e idiomas originários, o movimento Escolas Vivas desponta como uma resposta concreta às falhas históricas do sistema educacional brasileiro. 

As Escolas Vivas são coordenadas pela educadora Cristine Takuá — que também é colunista na revista Educação — e tem como base apoiar cinco territórios indígenas, visando garantir autonomia das comunidades e o fortalecimento das línguas, dos saberes tradicionais e dos modos de vida que há séculos sustentam as culturas nos territórios. O movimento faz parte da Associação Selvagem, criada e dirigida por Anna Dantes e cofundada por Ailton Krenak.

O Brasil conta com mais de três mil escolas indígenas reconhecidas oficialmente, mas a maioria enfrenta problemas como a falta de infraestrutura, carência de professores bilíngues e ausência de materiais pedagógicos específicos. O resultado é a ameaça à continuidade de línguas e práticas culturais, apesar da garantia constitucional ao ensino diferenciado. 

Nesse cenário, as Escolas Vivas oferecem um contraponto: cada unidade recebe R$ 8 mil mensais — o equivalente a R$ 480 mil anuais em repasses diretos —, além de materiais didáticos próprios e a possibilidade de os estudantes praticarem suas línguas nativas. Apenas em 2024, a iniciativa impactou mais de 4.500 pessoas em diferentes territórios.

Escolas Vivas

Crianças cantam, contam histórias e aprendem a confeccionar instrumentos (Foto: divulgação)

Rede de saberes vivos 

Na Terra Indígena Ribeirão Silveira, no litoral paulista, a Mbya Arandu Porã – Escola Viva Guarani é coordenada pela liderança indígena Carlos Papá. Ali, práticas ancestrais dialogam com a agrofloresta e o cultivo de abelhas nativas, além de revitalizar a língua Guarani e despertar memórias sagradas adormecidas. Jovens encontram na escola um espaço para cantar, desenhar e aprender com os mais velhos.

Em Teófilo Otoni (MG), a Apne Ixkot Hâmhipak – Escola Viva Maxakali nasceu da retomada da Aldeia Escola Floresta, hoje reconhecida como Terra Indígena. Coordenada por Sueli e Isael Maxakali, reúne 327 pessoas em um projeto que articula reflorestamento, oficinas culturais e encontros de pajés. Os Maxakali (cerca de três mil pessoas), resistem em um território fragmentado desde o avanço da agropecuária nos séculos 19 e 20. Preservam a língua Maxakali, um dos últimos idiomas nativos de Minas Gerais e da Bahia. 

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No Acre, a Shubu Hiwea – Escola Viva Huni Kuï, conduzida pelo pajé Dua Busë e por Netë, do povo Huni Kuin, beneficia cerca de três mil pessoas na Terra Indígena do Rio Jordão. Além do Parque União da Medicina, um jardim dedicado ao cultivo de plantas para cura tradicional, a escola mantém oficinas de tecelagem, nas quais mulheres transmitem os kenês, grafismos sagrados que carregam histórias ancestrais em cada traço.

No Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), está a Wanheke Ipanana Wha Walimanai – Escola Viva Baniwa, ou Casa de Conhecimento da Nova Geração. Coordenada por Francy e Francisco Fontes Baniwa, beneficia 90 famílias distribuídas em sete comunidades do rio Içana.  Ali, a vida cotidiana — o banho no rio, o plantio da roça, os cantos e rituais — integra o aprendizado. 

O povo Baniwa, ou Medzeniakonai, possui uma história de três mil anos de desenvolvimento cultural único, fala Baniwa, Koripako e Nheengatu e mantém governança ancestral sobre um território que abrange Brasil, Colômbia e Venezuela.

Em Manaus, o Bahserikowi – Escola Viva Tukano-Dessano-Tuyuka é o primeiro Centro de Medicina Indígena do Amazonas, fundado para dialogar com universidades e instituições públicas. Coordenado por João Paulo Tukano e Ivan Tukano, atende cerca de mil pessoas por ano com o bahsese (benzimentos) e plantas medicinais, saberes dos povos Tukano, Tuyuka e Desana. O centro mantém parcerias com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e a Fiocruz, além de receber regularmente turmas acadêmicas da Universidade Federal do Amazonas para o intercâmbio entre saberes indígenas e científicos.

Escolas Vivas

Localização das Escolas Vivas (Imagem: Selvagem/Divulgação)

Impactos e expansão 

A residência Casa Escola Viva, realizada pela Selvagem no MAM Rio entre 13 e 24 de outubro, reuniu 10 artistas indígenas da Amazônia e da Mata Atlântica em um processo de criação coletiva, intercâmbio de saberes e fortalecimento cultural coordenado por Cristine Takuá. Saiba mais aqui.

Representantes de povos como Huni Kuin, Baniwa, Guarani Mbya, Maxakali e Tukano-Dessano-Tuyuka desenvolveram trabalhos que foram vistos pelo público e integraram o encontro flutuante ÁGUAMÃE.

Como desdobramento da residência, está prevista para o primeiro semestre de 2026 uma exposição no Instituto Tomie Ohtake, ampliando a circulação dessas criações e o debate sobre arte indígena e proteção de saberes tradicionais.

Em 2024, as Escolas Vivas realizaram mais de 54 oficinas e seis passeios educativos com a participação de crianças, jovens e mestres em experiências interculturais. No Rio de Janeiro, a parceria com a Escola Municipal Professor Escragnolle Dória levou práticas indígenas para 440 crianças e 20 professores.

Além disso, os Diários de Aprendizagens, escritos por Cristine Takuá e Veronica Pinheiro, traduzidos para o inglês, ampliam o alcance internacional do projeto. A coordenadora das Escolas Vivas, Cristine Takuá, participou de debates sobre educação indígena em palcos globais como o Kunstenfestivaldesarts (Bélgica), o Skábmagovat Indigenous Film Festival (Finlândia) e conferências em Harvard (EUA). 

Atualmente, a Selvagem trabalha para ampliar o repasse financeiro e incluir uma sexta Escola Viva, em articulação com o povo Potiguara, no Nordeste.

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