NOTÍCIA

Políticas Públicas

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 11/09/2025

Após escuta do MEC com 2,3 milhões de alunos, país ganhará primeira política para os anos finais do fundamental

Resultados da Semana da Escuta das Adolescências trazem as percepções dos estudantes sobre a atual estrutura de ensino e práticas que podem fortalecer a conexão da escola à vida cotidiana

O Relatório Nacional da Semana da Escuta das Adolescências nas Escolas foi lançado ontem, 9, em Brasília, pelo Ministério da Educação. O documento inédito reúne as vozes de 2,3 milhões de estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental 2, o que representa 24% do total desse público na rede pública, revelando suas percepções sobre a estrutura atual de ensino e sobre práticas que podem fortalecer a conexão da escola à vida cotidiana, valorizar as relações humanas e inspirar o futuro da educação. No Rio Grande do Sul, escuta foi adaptada para refletir sobre enchentes e fortalecimento comunitário.

A iniciativa é uma parceria com o Itaú Social, Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e representa o marco para a implementação da primeira política pública educacional voltada especificamente para essa etapa, cuja estruturação teve início em maio de 2024, com a Semana da Escuta das Adolescências. Essa mobilização engajou mais de 21 mil escolas, equivalente a cerca de 46% das instituições de ensino que oferecem os anos finais nas redes municipais, estaduais e distrital em todo o Brasil.

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Em relação a ‘relacionamento e socialização’, 65% dos alunos dos 6º e 7º anos concordam que a escola favorece amizades e interações sociais, com 29% considerando “mais ou menos” e 6% discordando. Para os do 8º e 9º anos, 55% concordam, 35% avaliam como “mais ou menos” e 10% discordam. O relatório destaca que oito em cada 10 estudantes (84% nos 6º e 7º anos e 83% nos 8º e 9º anos) têm amigos com quem gostam de estar na escola. No entanto, apenas 39% dos mais novos e 26% dos mais velhos afirmam respeitar e valorizar os professores, indicando desafios na relação aluno-professor, especialmente entre os adolescentes mais velhos.

Para garantir uma escuta qualificada e participativa, foram criados instrumentos adaptados às faixas etárias dos adolescentes do fundamental 2 (6º e 7º anos; 8º e 9º anos), como questionários individuais com 13 perguntas e dinâmicas coletivas. Esses instrumentos abordaram aspectos como perfil dos estudantes, percepções sobre a escola atual, conteúdos para desenvolvimento pessoal, atividades essenciais para o futuro, formas de aprendizagem, convivência, participação e atividades extracurriculares.

Adolescentes veem escola como acolhedora, mas só 31% dos mais velhos sentem liberdade para se expressar

No quesito ‘acolhimento e pertencimento’, 66% dos mais jovens sentem-se acolhidos pela escola, contra 27% que veem a experiência como parcial e 7% que discordam. Já entre os mais velhos, apenas 54% sentem-se amparados, 33% consideram “mais ou menos” e 13% discordam. Essa percepção é reforçada por dados adicionais: 75% dos estudantes dos 6º e 7º anos confiam em pelo menos um adulto na escola, mas apenas 58% sentem-se verdadeiramente acolhidos por esses adultos. Entre os do 8º e 9º anos, o percentual de acolhimento cai para 45%.

Na dimensão ‘aprendizado e autoconhecimento’, 67% dos estudantes dos 6º e 7º anos afirmam que a escola apoia seu desenvolvimento intelectual e pessoal, enquanto 28% consideram a contribuição parcial (“mais ou menos”) e 4% discordam. Entre os alunos dos 8º e 9º anos, a percepção é menos positiva, com 59% concordando, 33% avaliando como “mais ou menos” e 8% discordando.

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Na dimensão ‘participação’, 62% dos estudantes dos 6º e 7º anos sentem-se engajados nas decisões escolares, com 30% avaliando como “mais ou menos” e 8% discordando. Entre os do 8º e 9º anos, a concordância cai para 47%, com 39% considerando “mais ou menos” e 14% discordando. Apesar disso, apenas 31% dos mais velhos sentem liberdade para se expressar.

Além disso, 70% dos alunos dos 6º e 7º anos acreditam que todos podem participar das decisões do dia a dia escolar, percentual que cai para 56% entre os mais velhos. Da mesma forma, 55% dos mais jovens veem as famílias como participantes das atividades escolares, enquanto apenas 44% dos mais velhos compartilham dessa visão.

“Essa escuta massiva é um importante avanço na formulação de políticas educacionais, justamente por engajar aqueles que vivenciam essa experiência diretamente na escola: os adolescentes. É uma prática pouco comum, não só no Brasil, mas no mundo. Com suas percepções, agora reunidas e organizadas em um relatório de alcance nacional, esses estudantes fornecem a fundamentação para a primeira política pública nacional focada nos anos finais do fundamental”, afirma Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social. “Adolescentes querem uma escola acolhedora e envolvente, que verdadeiramente reconheça toda a potência desta fase do desenvolvimento humano”, completa.

48% dos jovens priorizam disciplinas tradicionais e 31% valorizam bem-estar

Os dados revelam que 48% dos estudantes mais novos e 38% dos mais velhos consideram que as disciplinas tradicionais ajudariam em seu desenvolvimento para a vida. Essa categoria, que inclui conhecimentos básicos em áreas como linguagens e ciências, é a mais selecionada em ambas as faixas etárias, refletindo a percepção de que esses conteúdos formam a base para o aprendizado cotidiano.

No entanto, a análise destaca um equilíbrio com outras dimensões. A categoria ‘corpo e socioemocional’, que abrange temas como esportes, bem-estar, autoconhecimento, autocuidado e saúde mental, foi escolhida por 31% dos respondentes do 6º e 7º anos e por 29% dos do 8º e 9º anos. Quatro em cada 10 adolescentes, independentemente da idade, acreditam que esportes e bem-estar ocupam um lugar central em seu desenvolvimento, enquanto o interesse por arte e cultura é mais pronunciado entre os mais novos. Já os estudantes do 8º e 9º anos mostram maior preferência por conteúdos de autoconhecimento e saúde mental.

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Habilidades voltadas para o futuro, como competências práticas, educação financeira e tecnologia, atraem 21% dos mais novos e 24% dos mais velhos. Por outro lado, direitos e sustentabilidade — incluindo meio ambiente, cidadania, política e combate a preconceitos — são os menos priorizados, com apenas 13% das escolhas em ambas as faixas etárias. Sustentabilidade e cidadania, em particular, são vistas como menos relevantes pelos adolescentes.

fundamental 2

Documento inédito reúne as vozes de 2,3 milhões de estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental 2 (Foto: Shutterstock)

Estudantes do fundamental 2 querem projetos práticos e esportes na escola dos sonhos

De acordo com o documento, os jovens valorizam abordagens que vão além das aulas teóricas convencionais. As atividades práticas lideram as preferências, com 37% dos estudantes dos 6º e 7º anos e 34% dos 8º e 9º anos destacando a importância de projetos “mão na massa”. Esse índice chega a 40% quando se considera, especificamente, aulas práticas e projetos, equiparando-se à demanda por práticas esportivas — também citadas por cerca de quatro em cada dez adolescentes (41% nos mais novos e 39% nos mais velhos). 

A categoria de ‘ciências e tecnologia’ também se evidencia, com 34% dos respondentes dos 6º e 7º anos e 30% dos 8º e 9º anos valorizando iniciativas como o uso de mídias digitais e experimentos científicos. O interesse por tecnologia e mídias digitais reflete a afinidade digital dos jovens, com 38% nos 6º e 7º anos e 36% nos 8º e 9º anos priorizando esses elementos, segundo o relatório.

Outras categorias revelam contrastes entre os grupos e prioridades variadas. O desenvolvimento pessoal, incluindo atividades artísticas e culturais, é indispensável para 29% dos mais novos e 23% dos mais velhos, com os adolescentes do 6º e 7º anos mostrando maior valorização por artes e cultura.  

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Entre os estudantes, 21% dos mais novos e 22% dos mais velhos veem as atividades abertas à comunidade como forma de ampliar o interesse e a participação na vida escolar, enquanto 20% de ambos os grupos acreditam que projetos sociais e de melhorias da escola ou da comunidade poderiam fortalecer a convivência no ambiente escolar.

Em contraponto, o aprofundamento teórico fica em último lugar, com apenas 16% dos 6º e 7º anos e 14% dos 8º e 9º anos considerando aulas teóricas essenciais. Embora os adolescentes valorizem disciplinas tradicionais em outras dimensões da escuta, neste ponto, eles priorizam abordagens contemporâneas que promovam protagonismo, ressalta o relatório. O levantamento mostra que a demanda por reforço escolar é maior entre os estudantes mais novos, alcançando 23%, frente a 19% registrados entre os mais velhos.

Interação além da escola

O estudo evidencia diferenças significativas entre estudantes em relação às formas de aprender que mais favorecem o seu desenvolvimento. A interação além da escola é a mais valorizada, sobretudo entre os mais velhos: 45% dos alunos do 8º e 9º anos destacaram visitas, passeios e trabalhos externos, contra 39% dos do 6º e 7º anos; já a interação com a comunidade aparece com 13% em ambos os grupos. As trocas e debates se sobressaem entre os mais novos, com 35% optando por trabalhos em grupo e 30% por rodas de conversa, enquanto nos anos finais esses índices caem para 30% e 20%, respectivamente.

Em projetos e resolução de problemas, a diferença é pequena: 17% dos alunos do 6º e 7º anos e 16% dos do 8º e 9º anos indicaram essa preferência. No estudo individual, a leitura tem maior adesão entre os mais novos (25%) do que entre os mais velhos (17%), enquanto o reforço escolar mantém 23% nas duas faixas. 

As práticas de comunicação e conectividade seguem estáveis: 21% dos do 6º e 7º anos e 22% dos do 8º e 9º anos mencionaram atividades digitais, e apenas 8% em ambos os grupos priorizaram produções autorais como jornais, rádios e podcasts. Já na exposição de conteúdo, feiras e exposições foram indicadas por 22% dos mais novos e 23% dos mais velhos; produções culturais, por 23% e 18%, respectivamente; enquanto as aulas teóricas aparecem entre 16% dos dois grupos.

Jogos, debates e segurança: o que os adolescentes querem para conviver melhor na escola

Os dados mostram que os adolescentes valorizam diferentes iniciativas para melhorar a convivência escolar, mas algumas se destacam. Entre os estudantes do 6º e 7º anos, quase metade (46%) apontou jogos, competições e olimpíadas como principais para promover integração, enquanto nos 8º e 9º anos o índice é ainda maior (48%). O diálogo sobre temas sensíveis também tem relevância: 34% dos mais novos e 30% dos mais velhos destacaram atividades voltadas ao enfrentamento de bullying, racismo e outras violências. Já as ações ligadas à qualidade de vida e emoções aparecem com 24% no 6º e 7º anos e 27% no 8º e 9º.

No campo da segurança e melhoria dos espaços, há equilíbrio: 31% dos mais novos defendem garantir a segurança e o mesmo percentual pede melhorias nos espaços de convivência, enquanto entre os mais velhos os índices são de 34% e 29%, respectivamente. Em contrapartida, atividades que reúnem docentes, famílias e estudantes tiveram baixa adesão, sendo indicadas por apenas 18% dos alunos do 6º e 7º anos e 13% dos do 8º e 9º.

Cor, território e vulnerabilidade: como os adolescentes vivem a escola de formas diferentes

O relatório mostra que as percepções dos adolescentes variam de acordo com raça/cor, localização da escola, deficiência e situação de vulnerabilidade, revelando desigualdades significativas. Entre os estudantes do 6º e 7º anos, as disciplinas tradicionais são vistas como prioritárias por 49%, índice que se mantém alto nas escolas rurais (50%), enquanto nas urbanas cai para 43%. Já no 8º e 9º anos, embora as disciplinas sigam relevantes, surgem demandas mais diversificadas. Questões de raça e discriminação aparecem com força em escolas com mais estudantes negros, onde 22% valorizam aprender sobre direitos e combate a preconceitos, contra 18% em instituições com maioria de brancos e amarelos.

O recorte por deficiência também revela diferenças: 24% dos alunos com deficiência consideram indispensável reforço e aprofundamento dos conteúdos, frente a 21% entre os demais; já as práticas esportivas são menos valorizadas por esse grupo (36%) em comparação aos colegas sem deficiência (40%). 

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A vulnerabilidade social também pesa: em escolas com maior proporção de estudantes em situação de vulnerabilidade, 69% percebem a escola como espaço de acolhimento, contra 56% em contextos de menor vulnerabilidade, enquanto apenas 42% desses jovens valorizam jogos e olimpíadas como forma de melhorar a convivência, índice que chega a 50% nas escolas com menor vulnerabilidade.

O desafio de engajar mais de 2,3 milhões de estudantes no país

A mobilização alcançou 2.362.733 de adolescentes, representando 24% dos quase 10 milhões matriculados nos anos finais do ensino fundamental público, segundo o Censo Escolar de 2023. A região Nordeste liderou com 30% de adesão (857.631 respondentes), seguida por Centro-Oeste (28%), Sul (26%), Norte (24%) e Sudeste (18%).

Nas redes estaduais, a participação foi de 30%, com destaques como Amazonas (67%), Tocantins (67%), Santa Catarina (59%), Piauí (54%), Alagoas (53%) e Pernambuco (52%). Nas municipais, Alagoas (56%) e Ceará (49%) se sobressaíram, com presença de 56% e 49% dos estudantes matriculados, respectivamente.

A iniciativa foi inclusiva: 25% dos estudantes de escolas urbanas e rurais participaram, com mais de 300 mil de áreas rurais; 250 mil de municípios com até 10 mil habitantes; 1,6 milhão de adolescentes que frequentam escolas cujos estudantes são majoritariamente negros; 430 mil estudantes de escolas com alta vulnerabilidade (segundo o Indicador de Nível Socioeconômico do Inep); e grupos diversos como 1,2 milhão pardos, 260 mil pretos, 60 mil indígenas e 125 mil com deficiência.

Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, devido às enchentes que afetaram o estado entre abril e maio de 2024, a escuta nacional não pôde ocorrer simultaneamente. Nesse caso, houve uma mobilização realizada entre 7 e 14 de outubro de 2024, envolvendo 98.141 estudantes (20% das matrículas) de 1.803 escolas (45%). O questionário foi adaptado para incluir um eixo sobre emergência climática, com perguntas sobre ações pós-enchentes (como aprendizado e acolhimento), iniciativas para o desenvolvimento contínuo, papel da escola em crises, fortalecimento comunitário e impactos pessoais. Essa abordagem permitiu que os adolescentes compartilhassem vivências no contexto pós-desastre, integrando reflexões sobre conteúdos, vínculos, solidariedade e prevenção.

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