NOTÍCIA
Resultados da Semana da Escuta das Adolescências trazem as percepções dos estudantes sobre a atual estrutura de ensino e práticas que podem fortalecer a conexão da escola à vida cotidiana
O Relatório Nacional da Semana da Escuta das Adolescências nas Escolas foi lançado ontem, 9, em Brasília, pelo Ministério da Educação. O documento inédito reúne as vozes de 2,3 milhões de estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental 2, o que representa 24% do total desse público na rede pública, revelando suas percepções sobre a estrutura atual de ensino e sobre práticas que podem fortalecer a conexão da escola à vida cotidiana, valorizar as relações humanas e inspirar o futuro da educação. No Rio Grande do Sul, escuta foi adaptada para refletir sobre enchentes e fortalecimento comunitário.
A iniciativa é uma parceria com o Itaú Social, Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e representa o marco para a implementação da primeira política pública educacional voltada especificamente para essa etapa, cuja estruturação teve início em maio de 2024, com a Semana da Escuta das Adolescências. Essa mobilização engajou mais de 21 mil escolas, equivalente a cerca de 46% das instituições de ensino que oferecem os anos finais nas redes municipais, estaduais e distrital em todo o Brasil.
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Em relação a ‘relacionamento e socialização’, 65% dos alunos dos 6º e 7º anos concordam que a escola favorece amizades e interações sociais, com 29% considerando “mais ou menos” e 6% discordando. Para os do 8º e 9º anos, 55% concordam, 35% avaliam como “mais ou menos” e 10% discordam. O relatório destaca que oito em cada 10 estudantes (84% nos 6º e 7º anos e 83% nos 8º e 9º anos) têm amigos com quem gostam de estar na escola. No entanto, apenas 39% dos mais novos e 26% dos mais velhos afirmam respeitar e valorizar os professores, indicando desafios na relação aluno-professor, especialmente entre os adolescentes mais velhos.
Para garantir uma escuta qualificada e participativa, foram criados instrumentos adaptados às faixas etárias dos adolescentes do fundamental 2 (6º e 7º anos; 8º e 9º anos), como questionários individuais com 13 perguntas e dinâmicas coletivas. Esses instrumentos abordaram aspectos como perfil dos estudantes, percepções sobre a escola atual, conteúdos para desenvolvimento pessoal, atividades essenciais para o futuro, formas de aprendizagem, convivência, participação e atividades extracurriculares.
No quesito ‘acolhimento e pertencimento’, 66% dos mais jovens sentem-se acolhidos pela escola, contra 27% que veem a experiência como parcial e 7% que discordam. Já entre os mais velhos, apenas 54% sentem-se amparados, 33% consideram “mais ou menos” e 13% discordam. Essa percepção é reforçada por dados adicionais: 75% dos estudantes dos 6º e 7º anos confiam em pelo menos um adulto na escola, mas apenas 58% sentem-se verdadeiramente acolhidos por esses adultos. Entre os do 8º e 9º anos, o percentual de acolhimento cai para 45%.
Na dimensão ‘aprendizado e autoconhecimento’, 67% dos estudantes dos 6º e 7º anos afirmam que a escola apoia seu desenvolvimento intelectual e pessoal, enquanto 28% consideram a contribuição parcial (“mais ou menos”) e 4% discordam. Entre os alunos dos 8º e 9º anos, a percepção é menos positiva, com 59% concordando, 33% avaliando como “mais ou menos” e 8% discordando.
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Na dimensão ‘participação’, 62% dos estudantes dos 6º e 7º anos sentem-se engajados nas decisões escolares, com 30% avaliando como “mais ou menos” e 8% discordando. Entre os do 8º e 9º anos, a concordância cai para 47%, com 39% considerando “mais ou menos” e 14% discordando. Apesar disso, apenas 31% dos mais velhos sentem liberdade para se expressar.
Além disso, 70% dos alunos dos 6º e 7º anos acreditam que todos podem participar das decisões do dia a dia escolar, percentual que cai para 56% entre os mais velhos. Da mesma forma, 55% dos mais jovens veem as famílias como participantes das atividades escolares, enquanto apenas 44% dos mais velhos compartilham dessa visão.
“Essa escuta massiva é um importante avanço na formulação de políticas educacionais, justamente por engajar aqueles que vivenciam essa experiência diretamente na escola: os adolescentes. É uma prática pouco comum, não só no Brasil, mas no mundo. Com suas percepções, agora reunidas e organizadas em um relatório de alcance nacional, esses estudantes fornecem a fundamentação para a primeira política pública nacional focada nos anos finais do fundamental”, afirma Patricia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social. “Adolescentes querem uma escola acolhedora e envolvente, que verdadeiramente reconheça toda a potência desta fase do desenvolvimento humano”, completa.
Os dados revelam que 48% dos estudantes mais novos e 38% dos mais velhos consideram que as disciplinas tradicionais ajudariam em seu desenvolvimento para a vida. Essa categoria, que inclui conhecimentos básicos em áreas como linguagens e ciências, é a mais selecionada em ambas as faixas etárias, refletindo a percepção de que esses conteúdos formam a base para o aprendizado cotidiano.
No entanto, a análise destaca um equilíbrio com outras dimensões. A categoria ‘corpo e socioemocional’, que abrange temas como esportes, bem-estar, autoconhecimento, autocuidado e saúde mental, foi escolhida por 31% dos respondentes do 6º e 7º anos e por 29% dos do 8º e 9º anos. Quatro em cada 10 adolescentes, independentemente da idade, acreditam que esportes e bem-estar ocupam um lugar central em seu desenvolvimento, enquanto o interesse por arte e cultura é mais pronunciado entre os mais novos. Já os estudantes do 8º e 9º anos mostram maior preferência por conteúdos de autoconhecimento e saúde mental.
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Habilidades voltadas para o futuro, como competências práticas, educação financeira e tecnologia, atraem 21% dos mais novos e 24% dos mais velhos. Por outro lado, direitos e sustentabilidade — incluindo meio ambiente, cidadania, política e combate a preconceitos — são os menos priorizados, com apenas 13% das escolhas em ambas as faixas etárias. Sustentabilidade e cidadania, em particular, são vistas como menos relevantes pelos adolescentes.
Documento inédito reúne as vozes de 2,3 milhões de estudantes do 6º ao 9º ano do ensino fundamental 2 (Foto: Shutterstock)
De acordo com o documento, os jovens valorizam abordagens que vão além das aulas teóricas convencionais. As atividades práticas lideram as preferências, com 37% dos estudantes dos 6º e 7º anos e 34% dos 8º e 9º anos destacando a importância de projetos “mão na massa”. Esse índice chega a 40% quando se considera, especificamente, aulas práticas e projetos, equiparando-se à demanda por práticas esportivas — também citadas por cerca de quatro em cada dez adolescentes (41% nos mais novos e 39% nos mais velhos).
A categoria de ‘ciências e tecnologia’ também se evidencia, com 34% dos respondentes dos 6º e 7º anos e 30% dos 8º e 9º anos valorizando iniciativas como o uso de mídias digitais e experimentos científicos. O interesse por tecnologia e mídias digitais reflete a afinidade digital dos jovens, com 38% nos 6º e 7º anos e 36% nos 8º e 9º anos priorizando esses elementos, segundo o relatório.
Outras categorias revelam contrastes entre os grupos e prioridades variadas. O desenvolvimento pessoal, incluindo atividades artísticas e culturais, é indispensável para 29% dos mais novos e 23% dos mais velhos, com os adolescentes do 6º e 7º anos mostrando maior valorização por artes e cultura.
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Entre os estudantes, 21% dos mais novos e 22% dos mais velhos veem as atividades abertas à comunidade como forma de ampliar o interesse e a participação na vida escolar, enquanto 20% de ambos os grupos acreditam que projetos sociais e de melhorias da escola ou da comunidade poderiam fortalecer a convivência no ambiente escolar.
Em contraponto, o aprofundamento teórico fica em último lugar, com apenas 16% dos 6º e 7º anos e 14% dos 8º e 9º anos considerando aulas teóricas essenciais. Embora os adolescentes valorizem disciplinas tradicionais em outras dimensões da escuta, neste ponto, eles priorizam abordagens contemporâneas que promovam protagonismo, ressalta o relatório. O levantamento mostra que a demanda por reforço escolar é maior entre os estudantes mais novos, alcançando 23%, frente a 19% registrados entre os mais velhos.
O estudo evidencia diferenças significativas entre estudantes em relação às formas de aprender que mais favorecem o seu desenvolvimento. A interação além da escola é a mais valorizada, sobretudo entre os mais velhos: 45% dos alunos do 8º e 9º anos destacaram visitas, passeios e trabalhos externos, contra 39% dos do 6º e 7º anos; já a interação com a comunidade aparece com 13% em ambos os grupos. As trocas e debates se sobressaem entre os mais novos, com 35% optando por trabalhos em grupo e 30% por rodas de conversa, enquanto nos anos finais esses índices caem para 30% e 20%, respectivamente.
Em projetos e resolução de problemas, a diferença é pequena: 17% dos alunos do 6º e 7º anos e 16% dos do 8º e 9º anos indicaram essa preferência. No estudo individual, a leitura tem maior adesão entre os mais novos (25%) do que entre os mais velhos (17%), enquanto o reforço escolar mantém 23% nas duas faixas.
As práticas de comunicação e conectividade seguem estáveis: 21% dos do 6º e 7º anos e 22% dos do 8º e 9º anos mencionaram atividades digitais, e apenas 8% em ambos os grupos priorizaram produções autorais como jornais, rádios e podcasts. Já na exposição de conteúdo, feiras e exposições foram indicadas por 22% dos mais novos e 23% dos mais velhos; produções culturais, por 23% e 18%, respectivamente; enquanto as aulas teóricas aparecem entre 16% dos dois grupos.
Os dados mostram que os adolescentes valorizam diferentes iniciativas para melhorar a convivência escolar, mas algumas se destacam. Entre os estudantes do 6º e 7º anos, quase metade (46%) apontou jogos, competições e olimpíadas como principais para promover integração, enquanto nos 8º e 9º anos o índice é ainda maior (48%). O diálogo sobre temas sensíveis também tem relevância: 34% dos mais novos e 30% dos mais velhos destacaram atividades voltadas ao enfrentamento de bullying, racismo e outras violências. Já as ações ligadas à qualidade de vida e emoções aparecem com 24% no 6º e 7º anos e 27% no 8º e 9º.
No campo da segurança e melhoria dos espaços, há equilíbrio: 31% dos mais novos defendem garantir a segurança e o mesmo percentual pede melhorias nos espaços de convivência, enquanto entre os mais velhos os índices são de 34% e 29%, respectivamente. Em contrapartida, atividades que reúnem docentes, famílias e estudantes tiveram baixa adesão, sendo indicadas por apenas 18% dos alunos do 6º e 7º anos e 13% dos do 8º e 9º.
O relatório mostra que as percepções dos adolescentes variam de acordo com raça/cor, localização da escola, deficiência e situação de vulnerabilidade, revelando desigualdades significativas. Entre os estudantes do 6º e 7º anos, as disciplinas tradicionais são vistas como prioritárias por 49%, índice que se mantém alto nas escolas rurais (50%), enquanto nas urbanas cai para 43%. Já no 8º e 9º anos, embora as disciplinas sigam relevantes, surgem demandas mais diversificadas. Questões de raça e discriminação aparecem com força em escolas com mais estudantes negros, onde 22% valorizam aprender sobre direitos e combate a preconceitos, contra 18% em instituições com maioria de brancos e amarelos.
O recorte por deficiência também revela diferenças: 24% dos alunos com deficiência consideram indispensável reforço e aprofundamento dos conteúdos, frente a 21% entre os demais; já as práticas esportivas são menos valorizadas por esse grupo (36%) em comparação aos colegas sem deficiência (40%).
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A vulnerabilidade social também pesa: em escolas com maior proporção de estudantes em situação de vulnerabilidade, 69% percebem a escola como espaço de acolhimento, contra 56% em contextos de menor vulnerabilidade, enquanto apenas 42% desses jovens valorizam jogos e olimpíadas como forma de melhorar a convivência, índice que chega a 50% nas escolas com menor vulnerabilidade.
A mobilização alcançou 2.362.733 de adolescentes, representando 24% dos quase 10 milhões matriculados nos anos finais do ensino fundamental público, segundo o Censo Escolar de 2023. A região Nordeste liderou com 30% de adesão (857.631 respondentes), seguida por Centro-Oeste (28%), Sul (26%), Norte (24%) e Sudeste (18%).
Nas redes estaduais, a participação foi de 30%, com destaques como Amazonas (67%), Tocantins (67%), Santa Catarina (59%), Piauí (54%), Alagoas (53%) e Pernambuco (52%). Nas municipais, Alagoas (56%) e Ceará (49%) se sobressaíram, com presença de 56% e 49% dos estudantes matriculados, respectivamente.
A iniciativa foi inclusiva: 25% dos estudantes de escolas urbanas e rurais participaram, com mais de 300 mil de áreas rurais; 250 mil de municípios com até 10 mil habitantes; 1,6 milhão de adolescentes que frequentam escolas cujos estudantes são majoritariamente negros; 430 mil estudantes de escolas com alta vulnerabilidade (segundo o Indicador de Nível Socioeconômico do Inep); e grupos diversos como 1,2 milhão pardos, 260 mil pretos, 60 mil indígenas e 125 mil com deficiência.
No Rio Grande do Sul, devido às enchentes que afetaram o estado entre abril e maio de 2024, a escuta nacional não pôde ocorrer simultaneamente. Nesse caso, houve uma mobilização realizada entre 7 e 14 de outubro de 2024, envolvendo 98.141 estudantes (20% das matrículas) de 1.803 escolas (45%). O questionário foi adaptado para incluir um eixo sobre emergência climática, com perguntas sobre ações pós-enchentes (como aprendizado e acolhimento), iniciativas para o desenvolvimento contínuo, papel da escola em crises, fortalecimento comunitário e impactos pessoais. Essa abordagem permitiu que os adolescentes compartilhassem vivências no contexto pós-desastre, integrando reflexões sobre conteúdos, vínculos, solidariedade e prevenção.
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