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Débora Garofalo

Primeira sul-americana finalista do Global Teacher Prize, prêmio que a colocou entre os 10 melhores professores do mundo

Publicado em 20/06/2025

A urgência da valorização docente em tempos de adoecimento coletivo

Conheça iniciativas internacionais e até nacionais, inclusive de bem-estar, que saem do discurso e valorizam o professor e a professora na prática

Vivenciar a docência no Brasil, especialmente no cenário atual, é estar permanentemente no limiar entre o encantamento pela missão de educar e o desgaste emocional provocado por condições adversas. A profissão, historicamente negligenciada em termos de reconhecimento, enfrenta uma crise que se agrava diante de um fenômeno preocupante: o adoecimento coletivo da categoria. Esse quadro não apenas compromete a saúde dos profissionais, mas ameaça diretamente a qualidade do ensino e o desenvolvimento social do país.

Dados recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) revelam que, entre 2022 e 2023, mais de 62% dos professores da educação básica relataram sintomas constantes de estresse, ansiedade ou depressão. 

Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) também destaca que o Brasil lidera o ranking de países com maior índice de esgotamento emocional entre educadores na América Latina. Esses números escancaram uma realidade alarmante, que não pode mais ser ignorada pelas esferas governamentais e pela sociedade.

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De acordo com a pesquisa do Instituto Península (2022), mais de 84% dos professores brasileiros relatam estarem exaustos emocionalmente. Paralelamente, um estudo recente da Fiocruz (2023) revela que sete em cada 10 docentes apresentam sinais de ansiedade ou depressão. 

Esses índices não surgem por acaso. São fruto de uma combinação de fatores que envolvem baixos salários, jornadas exaustivas, excesso de demandas burocráticas, falta de reconhecimento social e escassez de recursos para exercer a função com dignidade que compõem um cenário que fragiliza o exercício da profissão. 

Soma-se a isso a pressão constante por resultados, a indisciplina crescente em sala de aula e, não raramente, a desvalorização simbólica, que relega o professor a um papel subalterno na hierarquia social.

valorização docente

A valorização docente precisa deixar de ser um discurso retórico e transformar-se em prática concreta (Foto: Shutterstock)

Revertendo o jogo

Diante desse panorama, políticas públicas eficazes tornam-se imprescindíveis para reverter a situação. A valorização docente precisa deixar de ser um discurso retórico e transformar-se em prática concreta. Isso passa, primeiramente, pela revisão da carreira, com planos estruturados que garantam progressão salarial, estabilidade, formação continuada e condições dignas para o exercício da função.

Experiências internacionais podem servir de inspiração. Na Finlândia, referência mundial em educação, os docentes recebem formação equivalente ao mestrado, são altamente remunerados e socialmente prestigiados. Resultado: baixos índices de evasão na carreira e elevado desempenho educacional. No Brasil, a adoção de políticas similares, adaptadas às realidades locais, é urgente e necessária.

Na América Latina, o Uruguai se torna referência com o Programa de Bem-Estar Docente, coordenado pela Administração Nacional de Educação Pública (Anep). O programa oferece suporte psicológico contínuo, oficinas sobre gestão emocional, fortalecimento de vínculos nas equipes escolares e treinamento para a mediação de conflitos no ambiente escolar. 

O Chile segue na mesma direção com o Programa de Salud Mental Escolar, do Ministério da Educação, que atua tanto na prevenção quanto no enfrentamento de transtornos emocionais, promovendo atividades de mindfulness, apoio psicossocial e desenvolvimento de competências socioemocionais nas escolas.

Valorização docente: exemplos brasileiros

No Brasil, começam a surgir experiências relevantes que apontam caminhos possíveis. Um exemplo promissor é o programa de Fortaleza que se destaca com a criação da Escola de Formação e Promoção do Bem-Estar Docente, que alia desenvolvimento profissional com estratégias de cuidado emocional. O programa oferece não apenas formações pedagógicas, mas também espaços terapêuticos, grupos de apoio, práticas de cuidado coletivo e fortalecimento das relações interpessoais nas unidades escolares.

Em âmbito estadual, a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro implementou o programa Acolher, que inclui atendimento psicológico remoto e presencial, além de um serviço de acompanhamento social voltado especialmente aos profissionais em situação de adoecimento mental.

Diante desse panorama, fica evidente que enfrentar o adoecimento docente demanda mais do que ações pontuais. É preciso estruturar políticas públicas permanentes e integradas, que compreendam a valorização não apenas como aumento salarial — embora isso seja urgente e fundamental —, mas como um conjunto de ações que garantam condições reais de trabalho, reconhecimento social e suporte à saúde física e mental dos profissionais.

Entre as estratégias prioritárias estão:

  • A criação de redes de apoio psicossocial dentro das próprias secretarias de Educação;
  • Redução da carga burocrática para que o professor possa focar na sua função pedagógica;
  • Ampliação de programas de formação continuada que incluam o desenvolvimento de competências socioemocionais;
  • Adoção de práticas de mediação de conflitos e cultura de paz nas escolas;
  • Revisão dos planos de carreira, com valorização salarial condizente com a responsabilidade da profissão;
  • Campanhas públicas que resgatem o prestígio social do educador e sensibilizem a sociedade sobre a importância do cuidado com quem cuida.

Coragem para valorizar o docente

Outra estratégia potente reside na reconstrução da imagem social do magistério. Campanhas de comunicação que reforcem o valor do educador para o desenvolvimento do país, associadas a investimentos em infraestrutura, tecnologias educacionais e redução da burocracia escolar, ajudam a reposicionar o papel do professor como protagonista da transformação social.

O enfrentamento do adoecimento docente também exige diálogo permanente entre gestores, sindicatos, universidades e os próprios profissionais da educação. Fóruns permanentes de escuta, participação ativa nas tomadas de decisão e construção de políticas públicas a partir das demandas reais da categoria são práticas que fortalecem a rede educacional.

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É imprescindível compreender que a valorização do professor não é um favor ou uma concessão, mas uma necessidade estratégica para o desenvolvimento sustentável do país

Sociedades que investem na dignidade de seus educadores colhem cidadãos mais críticos, conscientes e preparados para os desafios do presente e do futuro. Ignorar esse cenário significa comprometer não apenas a saúde de quem educa, mas também o direito de milhões de crianças e jovens à aprendizagem de qualidade. Valorizar o professor é, portanto, um ato de responsabilidade coletiva, um investimento que reverbera diretamente na construção de um país mais justo, democrático e desenvolvido.

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