Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)
Publicado em 12/06/2025
Explicações rasas como “É só drama”, “Ignore que passa” ou “Na minha época isso não acontecia”, negligenciam o assunto
Por Ana Zuanazzi* | Série – Saindo do senso comum — capítulo 5 | Você já se sentiu sem saber o que fazer diante de uma criança que se recusa a participar de uma atividade, sem motivo aparente? Ou não soube como agir com aquele estudante que vive brigando, gritando, chorando? Talvez tenha escutado explicações rasas como: “É só drama”, “Ignore que passa” ou “Na minha época isso não acontecia”. Essas são cenas comuns do dia a dia escolar — e que podem evidenciar um tema muitas vezes negligenciado: o desenvolvimento emocional das crianças.
Nos primeiros anos do ensino fundamental, enquanto aprendem a ler, escrever e resolver problemas matemáticos, as crianças também enfrentam um desafio tão importante quanto: compreender o que sentem, como expressar suas emoções e se relacionar com os outros.
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Mas como esse processo acontece? Será que regular emoções é algo que surge naturalmente com o tempo? Que expressar tristeza ou raiva em sala de aula é sinônimo de descontrole? Neste mês, damos continuidade à nossa série Saindo do senso comum, trazendo evidências científicas que ajudam a desconstruir ideias equivocadas sobre o desenvolvimento emocional nessa fase etária. Vamos juntos?
Imagine a situação: uma criança trouxe um brinquedo para a escola, durante uma brincadeira ele quebra e a criança começa a chorar. O choro é uma expressão de sua emoção, mas, será que essa criança sabe qual emoção está sentindo?
É comum pensarmos que crianças de cinco, seis, sete anos não têm autoconsciência suficiente para falar sobre sentimentos. De fato, seu vocabulário emocional está em desenvolvimento.
Porém, o que a ciência nos conta é que, já na educação infantil, as crianças são capazes de identificar emoções e, por volta dos cinco anos, começam a conseguir nomear sentimentos básicos como alegria, tristeza e surpresa. Com o tempo, passam a desenvolver estratégias para lidar com o que sentem. Ou seja, as crianças podem ter consciência de emoções, mas ainda estão refinando suas estratégias de regulação e por isso podem se comportar de maneira mais reativa ou direta.
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Dar vazão às emoções é uma importante etapa do desenvolvimento emocional que favorece a compreensão das reações emocionais no próprio corpo e contribui para o desenvolvimento de estratégias de autorregulação. Chorar, nesse caso, também é uma forma de regular as próprias emoções. O papel do adulto não é impedir a emoção, mas acolher, ajudar a criança a compreendê-la e nomeá-la, ampliando seu repertório emocional e fortalecendo a autorregulação ao oferecer um suporte essencial que ela não teria sozinha.
E isso não precisa acontecer apenas em momentos de crise: rodas de conversa, livros sobre sentimentos e jogos de identificação emocional são estratégias eficazes para desenvolver consciência e compreensão emocional, essenciais para a autorregulação.
Regular emoções é o mesmo que as reprimir? Será que a criança ‘bem regulada’ é aquela que não chora, não grita, não reclama? Na escola, é comum ouvirmos que crianças que expressam emoções intensas são ‘sem limites’ ou ‘descontroladas’. Isso reforça o mito de que sentir é sinal de imaturidade.
Vamos primeiro compreender o que é regulação emocional. Trata-se da capacidade de reconhecer e administrar as próprias emoções de forma flexível e adequada ao contexto. É um processo que se desenvolve gradualmente, com apoio do ambiente e das relações. Crianças emocionalmente desenvolvidas também sentem raiva, medo e tristeza e aprendem a lidar com essas emoções sem negá-las ou reprimi-las, compreendendo de forma mais adaptada como comunicar essas emoções dentro do seu contexto e ferramentas de regulação disponíveis.
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Nomear sentimentos, compreendê-los e aprender a lidar com eles são etapas fundamentais desse processo. E, por isso, o trabalho com letramento emocional é um dos caminhos para a regulação emocional, com práticas que incluam pausa consciente, uso de cartões de enfrentamento emocional, compartilhamento eletivo com o grupo, atividades que promovam a inibição de ações automáticas, entre outras. Quanto mais recursos a criança tiver para entender o que sente, mais preparada estará para enfrentar desafios emocionais.
Dar vazão às emoções é uma importante etapa do desenvolvimento emocional que favorece a compreensão das reações emocionais no próprio corpo e contribui para o desenvolvimento de estratégias de autorregulação (Foto: Shutterstock)
A questão não é simples e não deve se resumir à preconcepção de que ‘só psicólogos trabalham com emoções’. O que os estudos indicam é que somos todos capazes de aprender sobre as emoções e o fazemos por vias formais e informais nos diversos ambientes de convivência. A escola é um dos principais espaços de convivência nessa faixa etária. É ali que a criança vive lida com conflitos, aprende a esperar, negociar, persistir.
Por isso, o contexto escolar se faz um ambiente propício ao desenvolvimento dessas competências. Portanto, não se trata de atribuir o ‘papel de educar emocionalmente’ a uma ou outra instituição (como a família, escola etc.), mas, sim, de compreender as interações que ocorrem nesses ambientes e dar intencionalidade para aprendizagens que garantam seus direitos educacionais.
No contexto escolar, os educadores têm lugar privilegiado na promoção de espaços de acolhimento, mediação e prevenção de conflitos, desenvolvimento do vocabulário emocional, por exemplo.
Também podemos abandonar a ideia de que ‘o trabalho com emoções é para aulas específicas’. O desenvolvimento emocional é contínuo e presente em todas as interações.
Por isso, o trabalho intencional com essas competências precisa igualmente ser feito de forma transversal. Estudos de metanálise mostram que programas de desenvolvimento emocional são mais eficazes quando seguem uma lógica progressiva, envolvem ativamente os estudantes, têm foco claro e são aplicados com intencionalidade.
Você já se deparou com falas como “falar de emoções em sala de aula tira tempo do conteúdo”? Essa perspectiva pressupõe que emoções e aprendizado estão em ‘mundos’ separados. Porém, basta observar quando uma criança não consegue fazer uma atividade; ela se sente frustrada, triste, envergonhada. Da mesma forma, superar um desafio a deixa orgulhosa, feliz, motivada. Esses exemplos demonstram que não é possível separarmos completamente os tipos de aprendizado.
A neurociência tem demonstrado que os estados emocionais têm importante influência na atenção, memória e motivação. Quando a criança se sente segura emocionalmente, ela tende a se engajar mais nas tarefas, explorar com curiosidade e lidar melhor com os erros naturais desse processo.
Isso é essencial nos anos iniciais, quando habilidades como leitura, escrita e lógica matemática estão sendo construídas em paralelo à socialização com os pares e à formação da autoestima acadêmica. As emoções estão presentes na sala de aula e parte do aprendizado. E mais: as emoções podem ser grandes aliadas para que a criança persista e se motive.
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*Ana Zuanazzi é gerente de pesquisa do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto. Psicóloga, doutora em psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco, mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo, especialista em neuropsicologia pelo Centro de Diagnóstico Neurológico.
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