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Débora Garofalo

Primeira sul-americana finalista do Global Teacher Prize, prêmio que a colocou entre os 10 melhores professores do mundo

Publicado em 02/05/2025

Gamificação no ensino: jogando sério com a aprendizagem

Gamificar não significa abandonar os conteúdos curriculares. Entenda o conceito e sugestões de aplicação — com ou sem tecnologia digital

A educação moderna demanda novas formas de ensinar e aprender. Em um mundo cada vez mais conectado, dinâmico e repleto de estímulos, é necessário repensar as estratégias pedagógicas para tornar o processo educativo mais envolvente, eficaz e significativo. Nesse contexto, a gamificação surge como uma poderosa aliada, trazendo elementos dos jogos para o ambiente escolar com o objetivo de estimular o engajamento, a participação ativa e a construção de conhecimentos de forma lúdica e desafiadora.

O conceito de gamificação vai além de simplesmente transformar uma aula em um jogo. Trata-se da aplicação de desafios e dinâmicas típicas dos games — como desafios, recompensas, missões, rankings (classificação) e níveis — em contextos não lúdicos, como a sala de aula, visando motivar os estudantes e promover o desenvolvimento de competências e habilidades.

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Os jogos proporcionam um ambiente seguro para experimentar, errar, tentar novamente e, sobretudo, aprender com prazer. Esse ambiente pode ser reproduzido na escola por meio de propostas pedagógicas gamificadas, que respeitem os ritmos de aprendizagem e estimulem a autonomia dos estudantes.

Ao contrário do que muitos podem imaginar, gamificar não significa abandonar os conteúdos curriculares ou desviar a educação do seu proposito de ensinar. Significa, antes de tudo, ressignificar o modo como os conteúdos são apresentados, tornando-os mais atrativos e conectados com o universo dos estudantes.

Um exemplo prático é o uso de plataformas digitais, como o Kahoot! ou o Quizizz, que permitem a criação de questionários interativos com pontuação em tempo real, incentivando a competição saudável e a revisão de conteúdos de forma dinâmica. Outra estratégia é a criação de ‘missões’ baseadas em problemas reais, nas quais os estudantes precisam trabalhar em equipe para encontrar soluções, utilizando os conhecimentos adquiridos em sala.

gamificação

Quando inserida no contexto educacional, gamificação vai além de simplesmente aplicar jogos às atividades escolares -Foto: Shutterstock

Gamificação em escola pública de BH

A gamificação também tem sido aplicada com sucesso em projetos interdisciplinares em escolas públicas e privadas. Um exemplo concreto aconteceu na Escola Municipal Professora Maria das Graças, em Belo Horizonte, onde um grupo de professores do ensino fundamental desenvolveu o projeto Expedição pela Amazônia.

A proposta envolveu alunos do 6º ao 9º ano em uma jornada gamificada que simulava uma travessia pela floresta amazônica. Ao longo das etapas, os estudantes foram desafiados a resolver enigmas relacionados à biodiversidade da região, produzir textos informativos e narrativos sobre a cultura indígena, criar mapas geográficos temáticos e realizar experimentos científicos com foco em sustentabilidade.

A cada missão cumprida, as equipes acumulavam pontos e avançavam para novos desafios. O projeto culminou com uma Feira da Expedição, onde os estudantes apresentaram suas descobertas à comunidade escolar por meio de exposições, apresentações teatrais e painéis interativos.

A experiência demonstrou como o uso de elementos da gamificação pode promover engajamento, colaboração e aprendizagem significativa de forma concreta e transformadora.

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Esta abordagem, quando inserida no contexto educacional, vai além de simplesmente aplicar jogos às atividades escolares. Ela se fundamenta em princípios que valorizam a motivação intrínseca dos estudantes, ou seja, aquele desejo genuíno de aprender que nasce do interesse e da curiosidade. Ao incorporar elementos típicos dos jogos — como desafios progressivos, recompensas simbólicas, níveis de conquista e narrativas envolventes —, o processo de ensino se torna mais atrativo e dinâmico. Isso permite que a classe se sinta mais envolvida com o conteúdo, despertando neles a vontade de participar ativamente e de buscar o conhecimento por conta própria.

Um dos principais impactos positivos da gamificação é o fortalecimento do sentimento de empoderamento. Ao superar desafios propostos em jogos educativos, os estudantes percebem que são capazes de resolver problemas, tomar decisões e alcançar objetivos.

Essa percepção positiva contribui para a construção da autoestima, o que é essencial para o desenvolvimento de uma postura protagonista em relação ao próprio aprendizado. Além disso, a possibilidade de fazer escolhas ao longo das atividades — como caminhos diferentes para cumprir uma missão ou formas variadas de apresentar um trabalho — favorece o exercício da autonomia, permitindo que cada sujeito trilhe sua jornada de maneira mais personalizada.

Coletivo fortalecido

Outro aspecto relevante da gamificação é o estímulo ao senso de pertencimento. Ao trabalhar em grupo, compartilhar conquistas e colaborar para a resolução de desafios comuns, os estudantes fortalecem os vínculos sociais e aprendem a valorizar o trabalho coletivo. Essa experiência cria um ambiente mais acolhedor e inclusivo na sala de aula, no qual todos se sentem parte importante do processo.

Quando o conteúdo escolar é integrado a uma narrativa lúdica e significativa, ele ganha um novo sentido para os discentes. Aquilo que muitas vezes parecia distante ou desinteressante se transforma em algo aplicável e relevante, favorecendo uma aprendizagem mais concreta, contextualizada e duradoura.

Contudo, para que a gamificação funcione de maneira efetiva na educação, é preciso que os professores planejem cuidadosamente suas propostas. Um erro comum é pensar que basta inserir um jogo ou uma competição na aula para que o aprendizado aconteça.

A gamificação precisa estar a serviço de objetivos pedagógicos claros, alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e às necessidades da turma. Além disso, é fundamental considerar a diversidade, propondo desafios acessíveis e adaptáveis, que contemplem diferentes estilos e ritmos de aprendizagem.

Vencer os obstáculos

Outro desafio está na formação dos educadores. Muitos professores demonstram interesse em gamificar suas aulas, mas não se sentem seguros para utilizar ferramentas digitais ou criar dinâmicas envolventes. Nesse sentido, investir em formações continuadas, oficinas práticas e espaços de troca entre colegas é essencial para ampliar o repertório pedagógico e desenvolver a confiança necessária para inovar em sala de aula.

É importante destacar que a gamificação não se limita ao uso de tecnologia. Embora os recursos digitais possam potencializar as experiências, é possível gamificar com papel, cartolina, dados e muita criatividade. A essência está na criação de uma narrativa envolvente, na definição de metas desafiadoras e no reconhecimento dos esforços e avanços dos estudantes ao longo do processo.

Gamificar é, portanto, uma forma de jogar sério com a aprendizagem. É trazer o encantamento do universo dos jogos para o espaço escolar, sem perder de vista a intencionalidade pedagógica. É reconhecer que aprender pode — e deve — ser uma experiência prazerosa, instigante e transformadora. E, sobretudo, é acreditar que, quando a escola se abre para novas possibilidades, o estudante se abre para o mundo.

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