Professor e escritor indígena com 65 obras publicadas — recebeu duas vezes o prêmio Jabuti. É doutor em educação e pós-doutor em literatura.
Publicado em 03/02/2025
A visão estereotipada oriunda do colonizador precisa perder espaço, afinal, nenhuma sociedade é estática
Fomos educados a tratar os povos originários com a palavra genérica índio. Por muito tempo a repetimos vezes sem conta para nos referirmos a um desconhecido que sempre morou dentro de nós, o qual só conseguíamos verbalizar seguindo a régua do colonizador, responsável por tatuar em nossas mentes o estereótipo que tantas vezes repetimos de forma natural e sem nenhuma crítica real.
Eram basicamente dois modelos de índio que nos impuseram: um romântico e outro, ideológico. O primeiro nos foi incutido pela constante repetição de um paradigma firmado nos livros de história, nos livros do Romantismo, nas telas da televisão e cinema e no dia 19 de abril. Isso nos fazia crer que os índios eram nossos ancestrais com os quais não temos mais contato e que ficaram no passado. Sua lembrança nos dava algum alívio. Apenas isso. Era o índio heroico, bravo, guerreiro, destemido e defensor da natureza.
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O modelo ideológico nos apresenta uma contradição ao primeiro. Quem de nós nunca ouviu dizer que índio é preguiçoso, selvagem, atrasado, desocupado, desonesto, traiçoeiro e vingativo? Quantas vezes nos disseram que os índios têm terra demais e nada produzem sobre ela e que índio bom é índio morto? Talvez até nem tenhamos ouvido dessa maneira considerada desumana, mas sempre os noticiários os apresentaram como inimigos do desenvolvimento nacional e, portanto, empecilhos para o crescimento do país por habitarem terras ricas em muitos minérios nobres. Sem dizer palavras duras, o sistema impôs um pensamento negativo sobre a gente indígena.
Para nós, que somos habitantes do século 21, resta uma pergunta que precisa ser respondida caso queiramos construir uma realidade diferente do que nos foi apresentada até recentemente: qual o INDÍGENA que mora dentro de nós? O romantizado, o ideologizado ou o CONTEMPORÂNEO?
Irei desenvolver esse novo modelo nos próximos artigos, mas deixo aqui um piolho em forma de provocação. A palavra índio não é mais usada para nos referirmos aos indígenas. Primeiro porque ela é uma negação e segundo porque ela não nos remete ao que de fato somos. Ela generaliza negando a diversidade cultural e linguística que existe em nosso país. Já a palavra indígena é uma afirmação. Ela nos coloca como filhos primeiros dessa grande aldeia chamada Brasil. Ela exige que saiamos de nossa bolha e nos esforcemos a nos reencontrar com as origens de nossa história. Ela nos lembra que no Brasil só não é indígena quem não é.
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