NOTÍCIA

Formação docente

Autor

Laura Rachid

Publicado em 16/01/2025

Os desafios do MEC para o Mais Professores

Novo programa é louvável, mas para se concretizar, governo precisa focar também em manter o docente atuando, o que pede salário digno, plano de carreira e outros pontos. Mozart Ramos alerta ainda que a escola que o novo docente lecionará pode não ser a de sua expectativa

Um futuro apagão docente tem sido alertado no Brasil e em outros países devido ao não interesse dos jovens com a profissão. Diante dessa perspectiva que reforça a necessidade de se investir em formação de professor na educação básica e do já atual déficit docente em áreas específicas, o governo Lula deu um passo importante ao anunciar o Programa Mais Professores para o Brasil na última terça-feira, 14. 

São cinco eixos, entre eles, bolsa financeira mensal de 1.050 reais, chamada de Pé-de-meia licenciaturas; Prova Nacional Docente; e Alocação de professores em áreas carentes de profissionais. 

A análise positiva sobre o novo programa é unânime entre os especialistas ouvidos nesta reportagem: Fernando José de Almeida, Iraneide Soares da Silva e Mozart Neves Ramos, e também para a estudante Bruna Rodrigues. Contudo, além de focar na formação inicial, aguarda-se, há décadas, o anúncio de dois pontos fundamentais para um avanço significativo: salário docente digno e carreira profissional atrativa para, aí sim, termos professores e professoras estimulados(as). 

Mozart Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, da USP Ribeirão Preto, em SP, destaca mais um ponto: as escolas que esses futuros profissionais lecionarão precisam estar preparadas para recebê-los — entenda no decorrer desta reportagem. Já a professora universitária Iraneide Soares levanta a importância de uma aposentadoria digna.

Mais Professores

Programa Mais Professores tem cinco eixos, entre eles, bolsa financeira mensal de 1.050 reais, chamada de Pé-de-meia licenciaturas; Prova Nacional Docente; e Alocação de professores em áreas carentes de profissionais (Foto: Shutterstock)

Carreira atrativa e escola que acolha 

No país em que a primeira colocada da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) poderia ingressar em qualquer curso, como medicina, e escolheu licenciatura em química, mas, pouco tempo depois trocou devido à desvalorização da carreira de professor e entrou em direito — um dos mais concorridos da instituição —, medidas para reter essas pessoas no curso e também na profissão são urgentes e fundamentais. 

“Por volta de um ano depois, perguntei sobre a ausência dessa aluna e os colegas me disseram que ela desistiu porque a família disse que ser professor não tem futuro”, recorda-se Mozart Neves Ramos sobre um dos anos em que lecionava na UFPE.

——

Leia também

Psicologização da educação impõe ao professor demandas que vão além do seu papel

Educadores entre a exaustão e o afastamento

——

Para Mozart, que tem 42 anos de experiência como professor, além de ter sido membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), secretário de Educação de Pernambuco (2003-2007) e reitor da UFPE, o Programa Mais Professores é bom ao focar em atrair pessoas à profissão e incentivar a conclusão do curso. “Mas é insuficiente para a fixação. O governo precisará pensar no ‘day after’ para que todo esse esforço na formação inicial se concretize. Porque uma coisa é atrair e formar.”

O que ele questiona é o depois do diploma, a saída do ensino superior para o chão da escola, visando a permanência do dia a dia profissional. Seu argumento ganha força com a pesquisa do Instituto Semesp, a qual apresentou ano passado, que oito em cada 10 professores já pensaram em desistir da carreira.

Mais Professores

Mozart Neves Ramos: “o governo precisará pensar no ‘day after’ para que todo esse esforço na formação inicial se concretize” (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Mais Professores precisa de um segundo passo

“Já até conversei com Rodrigo Pacheco [presidente do Congresso] e outros parlamentares; falei da escassez docente e dei duas sugestões que, agora, podemos pensar como etapa dois desse programa do governo, ligada ao ‘day after’: mesmo com pessoas formadas e salário atraente, as escolas responderão às expectativas desses futuros professores, elas estarão preparadas? Repito, todo esse esforço pode vir por água abaixo se o governo não pensar no ‘day after’”, enfatiza Mozart Ramos.

Dados do Ministério da Educação (MEC) revelam que apenas um terço dos que se formam em licenciatura ingressam na carreira docente. Além disso, por volta de 33% dos professores da educação básica lecionam em áreas sem formação adequada. Essa realidade é mais crítica no Norte e Nordeste do país, em que mais da metade dos professores dos anos finais do ensino fundamental trabalham nessa situação.

Intitulado Alocação de professores e inspirado no Mais Médicos, o eixo três do Programa Mais Professores dará bolsa mensal de 2.100 reais por dois anos a docentes da rede pública que atuarem em regiões carentes de profissionais, buscando, justamente, reverter os dados citados acima. Iniciava valiosa e que mostra o compromisso do governo com a educação. Mas sem um plano completo, Mozart continua destacando que tais eixos poderão não surtir efeito.

Quando secretário de Educação do estado de Pernambuco, notou que professores com mais tempo de carreira, por já conhecerem as ‘entranhas’, pedem transferência de escola visando aquela com um melhor nível socioeconômico geográfico. Sendo assim, são os jovens professores que costumam lecionar em instituições mais desafiadoras, geralmente, as de regiões periféricas com alto índice de violência na comunidade. 

“Maria Helena Guimarães de Castro, quando secretária de Educação do Distrito Federal [2007], também viu que jovens professores são enviados para áreas com violência, drogas, e por não estarem preparados, acabam desistindo da profissão. É por isso que digo: o governo tem que pensar na escola que receberá esse jovem para ele se sentir motivado enquanto plano profissional individual de vida”, defende Mozart Ramos. (*Leia mais orientações no final da matéria.)

Quebrar o ‘castigo’ de ser professor(a)

O novo conjunto de atuação do governo chega no momento ‘SOS educação’, avalia Iraneide Soares da Silva, professora de história na Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e presidenta da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (2022-2024). Como professora de história, diz que seus estudantes concluem a formação, mas na sequência ingressam em outros cursos visando novas carreiras. 

Temos de pensar a natureza dessa profissão, como esse sujeito está chegando e o motivo de não querer chegar.” Iraneide completa: “O programa é louvável. O MEC tem pensado e investido na educação básica junto à classe trabalhadora, ao Fórum Nacional de Educação. Mas também temos que olhar o professor que já está em sala de aula, cansado e pensando em mudar de profissão”.

——

Leia também

Bernardete Gatti: Não podemos confundir educação com ensino

Fim de licenciaturas em EAD afasta alunos que dependem da modalidade

——

A previdência em vigor precariza o professor, por exemplo, quando ele se aposenta com um valor que costuma chegar a três vezes menos e olhe lá do que o seu salário. “No momento que mais precisamos [não tivemos apoio]; isso não aconteceu com o Judiciário e militares. O que mostra o quanto os professores ainda são desvalorizados. Para muitos, ser professor é um castigo de quem não conseguiu avançar. Esse programa do MEC vem de encontro ao cenário desafiador e eu olho com a esperança de que essas medidas darão um ‘up’ nos jovens para terem vontade de se formarem”, pontua Iraneide.

Mais Professores

Iraneide Soares da Silva: “também temos que olhar o professor que já está em sala de aula, cansado e pensando em mudar de profissão” (Foto: arquivo pessoal)

Currículo docente claro e presencial

Para Fernando José de Almeida, professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002), o Mais Professores é ótimo. “Porém, falta melhorar os recursos das bolsas, dar mais dinheiro.”

Questionado sobre os docentes já em atuação, ele destaca que, essa carreira, uma vez iniciada, está mais como tarefa de estados e municípios do que federal. “Claro que o federal pode interferir, mas é mais originante [ele priorizar a] formação inicial do professor e os estados e municípios complementarem”, destaca Fernando. 

No mesmo dia em que anunciou o programa, o presidente Lula também afirmou que seu governo construirá mais de 100 institutos federais. “A primeira coisa para se construir política de formação é criar um centro de formação. O anúncio desses institutos mostra a largueza de visão [do MEC]”.

Porém, além de incentivar pessoas a ingressarem em um curso, o currículo de formação docente precisa estar claro no país, e não está, segundo Fernando José de Almeida. 

“Precisamos aperfeiçoar o modelo de conteúdo formativo, incluindo os cursos desses 100 institutos federais. Já tivemos em SP os Cefams (Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), foi um sucesso, mas o governo militar acabou. O momento atual é o de o governo já avaliar esse currículo — professores precisam de faculdades melhores e cursos presenciais. A educação a distância com currículo de qualidade é exceção. E não podemos justificar essa exceção EAD equipada por um determinado apoio como exemplo a ser aplicada a milhões de pessoas”, frisa Fernando José de Almeida.

Fernando José de Almeida: “professores precisam de faculdades melhores e cursos presenciais” (Foto: arquivo pessoal)

Mais tempo para estudar pode gerar docentes mais qualificados

Aos 30 anos, Bruna Rodrigues é estudante de linguagens na Faculdade de Educação do Sesi, na capital paulista. O anúncio do governo a motiva. “Sinto um reconhecimento do papel do educador no país e também vontade em fortalecer o sistema de ensino.”

Se ganhasse a bolsa mensal, o Pé-de-meia licenciaturas, isso lhe daria segurança financeira para concluir o curso, mas também emocional. “Ao não ter que priorizar pagar as minhas contas, eu poderia ter mais qualidade e tempo nos estudos, já que não me dividiria tanto. Creio que evitaria estudar correndo para dar tempo de ir trabalhar. Com isso, posso ser uma profissional melhor devido aos estudos”, avalia a estudante que tem técnico em paisagismo e tecnólogo em design de interiores.

Bruna Rodrigues: “sinto um reconhecimento do papel do educador no país [com o programa] e também vontade em fortalecer o sistema de ensino” (Foto: arquivo pessoal)

——

Leia também

Uma pedagogia com humanidade

Sistema Nacional de Educação pode organizar a área pública

——

*Mozart sugere o ‘Fundeb Carreira Nacional’

O titular da Cátedra da USP, Mozart Neves Ramos, analisa que o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) tem sido um bom instrumento para equilibrar o nível salarial dos docentes, uma vez que há prefeitos que usam quase 100% do Fundeb para pagamento de salário — o que é importante para municípios mais pobres.

A partir disso, ele destaca outro ponto: “minha sugestão é um ‘Fundeb Carreira Nacional’, estimulando uma maior equidade no plano de carreira. Porque precisamos que esse professor entre e se mantenha na profissão. Pesquisas mostram que quando o professor começa, a diferença salarial inicial é apenas 10% menor que a média das outras profissões. À medida que isso passa, cresce de 30% a 40%, porque o plano de carreira não acompanha”.

O Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) vinculado à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) deveria estar integrado ao novo programa do MEC, também aconselha Mozart — vale lembrar que tal medida pode já estar prevista pelo governo, uma vez que o anúncio da iniciativa é recente. 

Em anúncio oficial, o ministro Camilo Santana reconheceu que para o Mais Professores ter efeito, o MEC precisará monitorar por unidade da federação a implementação da iniciativa. “Esse é um ponto fundamental, porque o governo pode repassar dinheiro e não saber o que acontece na ponta. A falta de monitoramento de resultados termina comprometendo a própria iniciativa”, conclui Mozart sobre a importância de uma gestão colaborativa forte e sendo essa a meta do presente e as outras apontadas por ele, as de um futuro próximo.

——

Revista Educação: referência há 30 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica

——

Escute nosso podcast

 


Leia Formação docente

Portrait,Of,A,Young,College,Girl,Holding,Folders,And,Notebooks

Os desafios do MEC para o Mais Professores

+ Mais Informações
Group,Of,Happy,Classmates,Studying,Together,At,High,School,Library.

Como se adaptar ao modelo interdisciplinar no ensino médio

+ Mais Informações
Ilan Brenman @Domestika

‘A vila da esperança’: vencedor do Jabuti lança livro gratuito...

+ Mais Informações
African,Man,Sit,At,Desk,Hold,Pen,Keeps,Startup,Business

“Foi a coisa mais injusta”: desobediência, disciplina e disparidade...

+ Mais Informações

Mapa do Site