É professor de Língua Portuguesa e orientador educacional
Publicado em 23/08/2024
E ela pode ser ceifada com uma educação baseada em repetições sistemáticas
Nossos adolescentes obtiveram resultados preocupantes em prova do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela OCDE, que propunha avaliar a capacidade crítica e criativa deles na resolução de problemas e no encaminhamento de respostas ou hipóteses em testes que exigiam criatividade, inventividade e engenhosidade. A 44ª colocação nas provas não é lugar honroso para
a educação brasileira como também não surpreende se levarmos em consideração a forma como nossas aulas cotidianas são conduzidas e o que aponta o relatório final: “(a maioria dos estudantes) apresenta ideias óbvias e tem dificuldade de propor mais de uma solução para um problema”. Do total de 60 pontos, o Brasil marcou 10 pontos a menos da média (23). Isso entristece e preocupa.
O Pisa sugere que criatividade é “a competência para se envolver produtivamente na geração, avaliação e melhoria de ideias que possam resultar em soluções originais e eficazes, avanços no conhecimento e expressões impactantes da imaginação” e afirma que é possível ser desenvolvida por meio da prática demonstrada em contextos cotidianos. O que afasta de vez a noção de que sujeitos imaginativos, inventivos,
criadores, inovadores, engenhosos, férteis, fecundos e criativos já nascem prontos por conta de uma graça qualquer da natureza ou divina, como se fosse um dom natural que não pode ser trabalhado, exercitado, treinado e também ensinado.
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O estado emocional da sociedade
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A Matriz de Referência para Pensamento Criativo do Pisa, em sua terceira versão, da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb), de 2021, indica bons caminhos para desmistificar o equívoco e para lançar luz nessa treva obscura em que tropeçam nossos alunos no dia a dia escolar: “As escolas desempenham um papel crucial para ajudar os jovens a descobrir, desenvolver e definir seus talentos — incluindo seus talentos criativos. Elas desempenham um papel vital em fazer as crianças sentirem que são parte da sociedade em que vivem e que têm os recursos criativos para contribuir para o seu desenvolvimento (Tanggaard, 2018)”.
E prossegue: “Para aumentar a motivação e o interesse dos estudantes na escola, é necessário desenvolver novas formas de aprendizado que se relacionem com energias criativas e reconheçam o potencial criativo de todos os estudantes. Esse desenvolvimento pode ajudar particularmente os estudantes que demonstram pouco interesse na escola e levá-los a expressar suas ideias e alcançar seu potencial (Hwang, 2015)”.
E vaticina que “para alguns educadores, o desenvolvimento das habilidades de pensamento criativo dos estudantes pode fazer parecer que o tempo de outras disciplinas do currículo será reduzido. Na realidade, os estudantes podem pensar criativamente na organização das próprias disciplinas. O pensamento criativo pode ser desenvolvido enquanto promove a aquisição de conhecimento de conteúdo por meio de abordagens que incentivem a exploração e a descoberta, em vez de automação e aprendizados mecânicos (Beghetto; Baer; Kaufman, 2015)”.
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A manipulação das tecnologias digitais
Os impactos da inteligência artificial na educação
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O que fica evidentemente claro nas orientações formuladas pela Matriz de Referência é a necessidade de que se abram espaços nas aulas (de todas as componentes curriculares) para que os alunos possam aplicar na prática alguns dos conhecimentos teóricos aprendidos em aula. Não há como negar que o pensamento criativo e as possibilidades de formulações hipotéticas, críticas e inovadoras para as demandas do mundo moderno devem ser fomentadas com orientações sistemáticas e com modelos de avaliação consistentes. Incubar ideias criativas nos processos de aprendizagem é tão importante quanto a articulação de ideias e a construção do pensamento crítico.
Há muitas outras proposições de percursos pedagógicos que visem a solucionar nossa ineficiência na prova do Pisa. Vale a leitura da Matriz e uma discussão mais fecunda da escola. Sobretudo porque raramente se discute, em conselhos de classe e em reuniões pedagógicas, a dificuldade que nossos alunos enfrentam quando a pergunta pede mais de uma solução inovadora ou inventiva. Já passou da hora de observar que apenas a memorização e a insistente passividade na aprendizagem são um mal que se oferece aos jovens.
Em tempos de inteligência artificial e de memória coletiva substanciosa de dados nas redes à disposição em celulares e em computadores, urge mudar radicalmente alguns encaminhamentos de nossas aulas. Isso não significa abrir mão de conteúdos essenciais, porque é com repertório humano, cultural, social, histórico, linguístico, artístico, matemático e científico que se constrói a originalidade e a inventividade. E é com reprodução vazia e com repetições sistemáticas de conteúdos destinados a nascer e morrer nas provas que se ceifa a criatividade. Se desejamos criar uma inteligência coletiva, propositiva e transformadora, além da memória coletiva, precisamos desejar mais do que sucesso em exames vestibulares que exigem apenas a reprodução do que está posto. Devemos alçar voos mais altos e promissores nas aulas, nas avaliações, no ranking do Pisa e no futuro de um país que claudica rasteiro na educação básica.
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