ARTIGO
Ela não é inata, mas aprendida ao longo da vida, por meio de situações formais e informais de aprendizagem
Publicado em 16/07/2024
Por Karen Cristine Teixeira, gerente de pesquisas e membro do eduLab21 do Instituto Ayrton Senna: A criatividade é a capacidade de imaginar, gerar, avaliar e aprimorar ideias ou produtos originais que respondam de forma eficaz a um propósito. Envolve flexibilidade mental, abertura a diferentes pontos de vista, assumir riscos, conectar ideias e conhecimentos de forma inovadora para resolver problemas ou expressar-se, sendo influenciada por fatores individuais, ambientais e culturais.
Ela é uma competência híbrida, então, quando uma pessoa faz algo criativo, ela não mobiliza somente aspectos cognitivos — como a capacidade de conectar e transformar conhecimentos e extrapolá-los para outras situações —, mas também socioemocionais, como a curiosidade para aprender e a determinação, e metacognitivos, a exemplo do monitoramento de seu progresso em relação ao objetivo e autoconsciência de suas emoções, interesses e valores e como eles influenciam o criar.
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Diferentemente do que muitos pensam, a criatividade não é uma competência restrita a gênios e pode se manifestar no cotidiano. Os pesquisadores James C. Kaufman e Ronald Beghetto propuseram o “Modelo dos 4Cs”, que afirma que existem quatro níveis de criatividade: mini-C (ações criativas com impacto pequeno ou pessoal), pequeno-C (resolução de problemas diários), profissional-C (resolução de problemas com conhecimento especializado) e grande-C (impacto significativo na cultura, beneficiando grande contingente de pessoas). Geralmente, estamos acostumados a considerar criativas pessoas que tiveram um grande impacto na sociedade (o grande-C).
A criatividade não é inata, mas aprendida ao longo da vida, por meio de situações formais e informais de aprendizagem. Está na combinação de novos ingredientes para fazer uma receita, na geração de novas ideias no trabalho, com o auxílio de conhecimento especializado (ex.: um educador cria uma forma diferente de abordar um assunto em sala de aula) e nas conexões entre conhecimentos que uma criança faz enquanto aprende. Nesse sentido, a escola se constitui como um espaço profícuo para seu desenvolvimento.
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O Pisa 2022 avaliou o pensamento criativo (PC) de estudantes de 15 anos em 66 países. Os resultados, divulgados há pouco, mostraram que os estudantes brasileiros pontuaram, em média, 10 pontos abaixo da média da OCDE.
Entre os 6 níveis de proficiência avaliados, mais da metade dos estudantes brasileiros pontuou abaixo do nível 2 (54,3%), enquanto uma baixa porcentagem de estudantes teve desempenho superior ao nível 5 (10,8%), diferentemente dos estudantes de Singapura, país com as maiores pontuações em PC, no qual as porcentagens foram 5,7% e 57,8%, respectivamente.
Isso quer dizer apenas um a cada 10 estudantes brasileiros conseguiu pensar em ideias originais e mais diversificadas para a resolução de problemas do cotidiano e tarefas de imaginação.
No Brasil, as meninas tiveram pontuações ligeiramente superiores, mas as diferenças foram pequenas. Estudantes favorecidos socioeconomicamente pontuaram, em média, 11 pontos a mais em relação aos desfavorecidos. Entretanto, 11,9% dos estudantes desfavorecidos economicamente estão entre os melhores em PC, mostrando que a condição socioeconômica não é determinante para o desempenho.
Além disso, acreditar ser possível desenvolver seu PC por meio de esforço e oportunidades, ou seja, acreditar que seu potencial pode ser desenvolvido através da prática, teve uma associação positiva com o próprio desempenho nas tarefas de PC. Esse resultado foi particularmente forte em estudantes brasileiros.
No Brasil, 28% do resultado em PC pode ser explicado pelo desempenho em matemática e, apesar de estudantes com PC mais alto não necessariamente pontuarem mais em matemática, quase nenhum estudante com baixo desempenho em matemática conseguiu um bom resultado em PC.
Ademais, as competências socioemocionais que melhor predisseram o PC, determinação e curiosidade para aprender, estão entre as que mais se associam ao desempenho acadêmico, de acordo com os resultados divulgados pela OCDE no primeiro relatório internacional da pesquisa SSES, publicado em 2024.
O estudo chama atenção para a influência do pensamento criativo não só para que os estudantes sejam capazes de prosperar em sua vida escolar, mas também num mundo em que a inovação e a resolução de problemas são cada dia mais relevantes para transpor os desafios da sociedade e exercitar a cidadania.
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É indispensável que a escola seja um ambiente que nutra o PC, o que se inicia com os educadores transmitindo ativamente sua mentalidade de crescimento em relação ao desenvolvimento do PC e instigando-a nos próprios estudantes.
Estimular a curiosidade, imaginação e a reflexão; oferecer oportunidades para que os estudantes explorem e testem ideias sem julgamentos, além de proporcionar acolhimento e interpretação do erro como parte do processo, são características de um ambiente escolar com potencial para desenvolver a criatividade de todos os estudantes e contribuir com seu presente e futuro.
Artigos escritos por pesquisadoras do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (EduLab21)