É professor de Língua Portuguesa e orientador educacional
Publicado em 29/05/2024
Carta aberta aos pais sobre a criação de crianças e jovens imperadores ou seres de cristais
Caros responsáveis pela educação de crianças e jovens, precisamos conversar sobre a imensa dificuldade que é instruir e preparar os filhos para o mundo. Os tempos são bicudos para quem educa e perniciosos se os pais continuarem caminhando nessa toada bipolar entre a adulação e o descaso. Bicudos porque os filhos ganharam um espaço inimaginável na casa, alguns se comportam como pequenos imperadores e outros como seres de cristais prestes a trincar a qualquer momento. E pais confusos nem sempre conseguem separar o amor da instrução.
É chegada a hora de educar quem educa para que o estrago não seja mais devastador ainda. Vamos começar pelos celulares e pelos limites. Convenhamos, uma criança não precisa de um smartphone recheado de joguinhos e de acesso à internet, não é verdade? Essa história de que eles são nativos digitais não encontra respaldo na sensatez. Mas há consenso de que as crianças estão viciadas em jogos e só se acalmam ou se desligam do mundo quando conectadas aos aparelhos. Não deem celulares para crianças até oito anos e se o fizerem por livre e espontânea vontade, criem limites. O celular é uma concessão, não é propriedade da criança.
—–
Brasil enaltece juventude, mas a abandona à própria sorte
Como criar o hábito de estar bem informado
—–
Para os pré-adolescentes em diante, estabeleçam regras claras de uso e de tempo. E saibam que a liberação do smartphone é uma caixa de pandora incontrolável. Por isso, não basta comprar o aparelho, é necessário um diálogo consistente sobre os riscos nas redes sociais. Não é difícil notar que os adolescentes estão cada vez mais ansiosos, mais distraídos e mais irritadiços por conta da conexão abusiva com o mundo virtual. E para piorar, essa geração digital é a que mais apresenta distúrbios alimentares e a mais propensa à automutilação do que qualquer uma já vista. Apresenta pouco interesse pela vida política, social e cultural no país, e vem sendo inconsistente na criação de seu próprio projeto de vida.
Por isso, caros pais, é preciso assumir o papel de educador e de adulto responsável por propiciar aos jovens discernimento sobre os rumos que deseja dar para vida. Não adianta transferir para as escolas, para os consultórios de psicólogos, de psicopedagogos, de psiquiatras e para medicações o papel que lhes cabe. Sim, há crianças e jovens que necessitam de profissionais especializados e de tratamentos medicamentosos específicos, mas, provavelmente, bem menos do que as notificações apontam.
Adular os filhos e esperar que as escolas façam o mesmo não é uma boa ideia. Isso os torna cada vez mais frágeis e mais infantilizados. Vejam, as faculdades estão fazendo reuniões de pais para jovens maiores de idade. Isso é um absurdo.
Não atropelem o processo de autonomia e de frustração de seus filhos. Eles precisam aprender a ser resilientes, empáticos e perseverantes. Precisam sofrer o seu bocado na escola e na vida, longe de vocês e sem vocês. Deem suporte e formação necessária para que a casca deles engrossem para aguentar os trancos e os infortúnios da vida.
Muitos adolescentes agressores e agredidos padecem, não raro, do mesmo mal: a superproteção que embota a empatia e a autodefesa. Não quero aqui baratear a discussão sobre bullying que é muito mais complexa do que o exposto, e há muito de violência e de medo nesse processo, todavia verificando bem, há falha demais na educação dos atores das e nas agressões.
Não se desesperem com uma falta de lição de casa ou entrega de atividade ou uma nota baixa. Não peçam satisfação à escola. Conversem com seus filhos. Mostre-lhes a responsabilidade deles nesse processo de resultado e de pedido de satisfação. Orientem, mas não tomem a frente. Não olhem os maus desempenhos com olhar protetor de quem procura no professor um culpado. Esses profissionais não é de hoje que se sentem acuados e assustados nos colégios.
Evidentemente, quando algo sair muito do controle, acionem a escola. Contudo que isso seja uma excepcionalidade e não um padrão.
—–
Brasil enaltece juventude, mas a abandona à própria sorte
Como criar o hábito de estar bem informado
—–
Não se omitam com relação ao sucesso escolar dos filhos, deem-lhes parabéns pelas conquistas. No entanto, fiquem atentos a essas notas e ao que se cobra na escola. Muitas instituições demandam mais memória e esforço do que criatividade e inteligência. Criam muitos instrumentos avaliativos desconexos que não caminham para uma aprendizagem processual. Cobram muito mais memória do que análise, reflexão, levantamento de hipóteses e resoluções de problemas.
Se seu filho apresenta bons resultados escolares, mas argumenta mal, é pouco articulado e não escreve bem, algo não está funcionando nas avaliações; e a nota sobrevalorizada diz muito pouco. Submeta-o a provas dos anos anteriores para verificar o que ficou mesmo assimilado e o quanto foi esquecido. Há, infelizmente, muita enganação com relação aos bons resultados. Afinal, raramente, vocês solicitam esclarecimentos para os colégios quando a nota é bem acima da média, não é verdade? Não vale dizer que acredita no projeto pedagógico porque questionam o processo quando as notas são muito baixas.
Levem seus filhos ao teatro, ao cinema, a exposições e a livrarias. Assistam a noticiários e a documentários juntos e debatam sobre a vida pública e os acontecimentos que assolam o mundo. Ofereçam modelos e valores. Lembrem-se de que pais equilibrados, sensatos, cultos e inteligentes tendem a oferecer bons exemplos aos filhos. Sejam razoáveis nos grupos de WhatsApp da escola de seu filho. E por fim, saibam que educar é tarefa que não acaba nunca. Mas dá uma imensa satisfação. Desejo-lhes sucesso nessa empreitada caudalosa.
—–
Revista Educação: referência há 28 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica
—–