Mestre em letras e consultora de gestão de projetos educacionais para redes públicas e privadas de ensino
Publicado em 03/02/2023
Leitura que inclui: a iniciativa de uma professora da rede municipal de Cuiabá
“Há outra história a ser contada.” Esse olhar para a recuperação da memória e da história em contraste ao que se diz ‘tradicional’ é amplamente discutido pela educadora estadunidense Gloria Ladson-Billings, sob a luz da pedagogia culturalmente relevante. A partir de suas pesquisas, a educadora criou uma estrutura metodológica para apoiar os professores no processo de tornar o aprendizado significativo e relevante para os estudantes.
Dentre os princípios da pedagogia culturalmente relevante estão a valorização da cultura e a origem dos alunos, acreditando em suas potencialidades; a inserção desses elementos nos currículos escolares; e o fomento da consciência crítica dos estudantes, tornando-os cada vez mais capazes de identificar o impacto de suas culturas singulares na comunidade na qual estão inseridos.
Em Cuiabá, MT, Alina Yukari Yamada da Fonseca Virginio, professora da rede municipal, mostra um exemplo da aplicabilidade desse conceito. Em 2022, ela desenvolveu um projeto de fomento à competência leitora de sua turma do 5º ano do ensino fundamental por meio da apreciação de textos de diferentes gêneros. Entretanto, além de introduzir leituras clássicas às suas práticas, Alina incorporou a leitura, a escrita e o compartilhamento dos próprios alunos.
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O processo partiu da leitura compartilhada do poema Viagem antiga, de Mário Quintana. Nele, o eu-lírico discorre sobre uma viagem tranquila, cujo destino final “era sempre o horizonte”. Em sala, a professora chamou a atenção tanto para a forma quanto para o conteúdo da obra poética. Na sequência, todos foram convidados a uma produção em que expressassem em uma única frase e em desenho uma viagem, e para isso deveriam buscar o seu repertório individual e suas experiências. Essas, poderiam ser tanto de um destino já conhecido, ou de algum que os alunos gostariam de experienciar.
A culminância do projeto foi a leitura em voz alta feita pelos estudantes das produções de seus colegas. Dali surgiram expressões sensíveis de diversos lugares, desde a “bonita fazenda com muitas montanhas” em Primavera do Leste, no Mato Grosso, ao sonho de viver em Santa Catarina, “lugar bom de morar”. Suas produções ficaram expostas no mural e compartilhadas com toda a escola. Após o sucesso dessa empreitada, ao final do ano letivo, todos os alunos da turma produziram um livro, desta vez inspirados no poeta cuiabano Manoel de Barros.
A professora Alina, ao oportunizar o diálogo tão próximo entre Mário Quintana, Manoel de Barros e a realidade, ou os sonhos de seus alunos, mostra como professores podem, sistematicamente, incluir a cultura e a voz de seus estudantes em sala de aula como um conhecimento autorizado e oficial. São formas alternativas de pedagogia, onde se vê um pacto fluido entre culturas, propondo novas formas de educar para a diversidade.
*Para além de uma educação multicultural: teoria racial crítica, pedagogia culturalmente relevante e formação docente (entrevista com a professora Gloria Ladson-Billings). In: Educação & Sociedade, ano XXIII, no 79, agosto/2002.